PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Billy Wilder foi maior presente que jornalismo deu a Hollywood

Entre suas entrevistas estão Arthur Schnitzler e Richard Strauss

PUBLICIDADE

Por Sérgio Augusto

Um dos diretores mais admirados do cinema falado – sobretudo pelas falas de seus filmes e dos que roteirizou para outros cineastas, notadamente para seu mestre Ernst Lubitsch Billy Wilder (1906-2002) foi o maior presente que o jornalismo deu a Hollywood.  Nascido austro-húngaro, numa cidade há tempos polonesa, Billy primeiro foi Billie, mas desde sempre Wilder (ou “Vílder”, na pronúncia em alemão). Foi como Billie Wilder que ele, bem jovem, fez carreira em jornais e revistas do eixo Viena-Berlim nas décadas de 1920 e 1930, entrevistando celebridades e escrevendo artigos, notinhas, críticas de filmes e até horóscopo e palavras cruzadas. Com a mesma verve que depois levaria para o cinema. 

Billy Wilder foi jornalista antes de dirigir 'A Montanha dos Sete Abutres' Foto: IMDB

Como ter acesso ao jornalismo wilderiano, bem pessoal e moderno, diga-se, com tanta terra por cima? Noah Isenberg, pesquisador da Universidade do Texas, cuidou disso. A edição brasileira dessa façanha arqueológica (Billy Wilder: Um Repórter em Tempos Loucos) sai no fim do mês editado pela DBA. A tradução, de Tanize Mocellin Ferreira, embora no geral correta, me irritou um pouco pelo uso reiterado do verbo “gravar” no lugar de “filmar” ou “rodar”. Wilder só fez filmes na era analógica, com película, sem pixels. Seu primeiro grande feito como repórter foi cobrir a badalada turnê da banda jazzística de Paul Whiteman a Viena, em 1926. Whiteman era, na época, o homem mais famoso na América depois de Chaplin. Billie amarrou-se no bigodinho (“esplêndido, inigualável, divino, fantástico”) do bandleader.  Sua maior proeza teria sido uma entrevista surpresa com o morador do número 19 da rua Berggasse, em Viena, em dezembro de 1935. Mas Sigmund Freud, com um guardanapo pendurado no pescoço, recusou-se a interromper o almoço para recebê-lo e revelar como via a montante do fascismo na Europa. Infelizmente, não há vestígio algum desse frustrado encontro no livro, nem do que sobre a onda fascista lhe responderam o psicanalista Alfred Adler, o músico Richard Strauss e o escritor Arthur Schnitzler, também pautados para a enquete. O piche que ele deu na Coca-Cola, debutante no mercado europeu em 1929, comparando seu sabor ao de um pneu queimado, me trouxe à lembrança o atarantado executivo da Coca-Cola vivido por James Cagney em Cupido Não Tem Bandeira.  Seus dois filmes sobre jornalismo marrom (A Montanha dos Sete Abutres e A Primeira Página) e a banda feminina de Quanto Mais Quente Melhor também parecem tributários daquele período e daquelas loucas experiências. E que chegaram ao fim quando o êxodo dos judeus forçado por Hitler e a vontade de fazer cinema levaram Billie até Paris e, em 1934, ao exílio permanente em Hollywood, onde pôde finalmente virar Billy e ser abraçado pelo mundo. Quando crítico, Wilder foi implacável com a megalomania de Erich von Stroheim e fez restrições a Ouro e Maldição (“desequilibrado e cheio de símbolos sem sentido”). Não sei se houve algum mal-estar no encontro dos dois, 15 anos depois, nos estúdios da Paramount, antes das filmagens de Cinco Covas no Egito, em que Stroheim fez o papel de Rommel, a “raposa do deserto” nazista. O ator diretor não só não passou recibo como ainda topou encarnar um ersatz seu em O Crepúsculo dos Deuses

Opinião por Sérgio Augusto
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.