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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião | Sérgio Augusto: Nada a ver com Aldous Huxley ou Sansão

Sobre a reflexão do ensaísta indiano Pankaj Mishra sobre a ocupação da Palestina por Israel

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Atualização:

Leio, na última edição da London Review of Books, uma reflexão de 7.700 palavras do ensaísta indiano Pankaj Mishra sobre a ocupação da Palestina por Israel. É uma análise serena e bem embasada dos eventos que, ao longo dos últimos 76 anos, nos conduziram às atrocidades ora cometidas em Gaza.

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Na contramão do achismo ideologicamente intoxicado de alguns mandarins do comentariado, é um manancial de dados que abonam todos aqueles que, além de se solidarizarem com as milhares de vítimas da blitzkrieg israelense, ousaram compará-la ao Holocausto dos judeus na Europa nazificada.

Reagan referiu-se literalmente ao “Holocausto” quando ordenou ao então primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, que parasse de bombardear o Líbano, em 1982. Begin, terrorista de origem e useiro e vezeiro em comparar os árabes aos nazistas e o palestino Yasser Arafat a Hitler, obedeceu na hora.

Palestinos andam na região de Khan Younis, na Faixa de Gaza, em 8 de março de 2024 Foto: Hatem Ali/AP Photo

The Shoah After Gaza (O Holocausto Depois de Gaza), intitula-se o ensaio. Em miúdos: como a desmedida represália israelense aos atos terroristas cometidos pelo Hamas pode comprometer ainda mais a lisura moral da Shoah. Mishra, que nunca entendeu por que despossuir e punir os palestinos por crimes de que apenas os europeus foram cúmplices, antevê um recrudescimento do antissemitismo, reincidente efeito colateral do sionismo que Begin, o Netanyahu do final dos anos 1970, degenerou.

Para o ensaísta indiano, é preciso salvar a Shoah da “psicose sobrevivencialista” de Netanyahu, principal combustível do expansionismo supremacista de certa elite judaica; resgatar, enfim, o que Jean Améry, sobrevivente de Auschwitz, chocado com as torturas sistemáticas de prisioneiros árabes em prisões israelenses, considerava um apanágio humanista exclusivo dos judeus da diáspora, aos quais aconselhou: “Revejam sua relação com Israel”.

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“O centro de gravidade do mundo judeu deve voltar atrás, sair de Israel e retornar à diáspora”, recomendou Primo Levi, companheiro de Améry em Auschwitz.

O cientista Yeshayahu Leibowitz, Prêmio Israel de 1993, já alertava contra a “nazificação” de seu país pelos sionistas fundamentalistas em 1969, lembra Mishra, que atribui ao colunista israelense Boaz Evron uma das mais vigorosas denúncias da tática de confundir palestinos com nazistas e apelar para a chantagem de que há sempre uma Shoah à espreita dos judeus no mundo inteiro.

Após passar três anos em Israel, o filósofo polonês Zygmunt Bauman se mandou de lá agastado com a instrumentalização da Shoah por políticos inescrupulosos como Begin, que lhe pareciam empenhados em assegurar “um triunfo post-mortem a Hitler”.

“Já é hora de ficarmos de pé, não mais deitados sobre 6 milhões de mortos”, recomendou Abba Eban, ex-chanceler de Israel, também citado no ensaio, ao lado de George Steiner, Tony Judt e outras sumidades judias que também não teriam se calado diante do holocausto de Gaza.

Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

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