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Coluna quinzenal do jornalista e crítico Sérgio Martins com histórias da música

Opinião|Andam dizendo que música longa é novidade e que a curta é ruim. Ouça essa playlist. Concorda?

Muito antes de Taylor Swift, Pink Floyd, Led Zeppelin e outros já lançavam canções com mais de 10 minutos. Agora, as faixas curtas são cada vez mais comuns no pop, mas isso não significa que todas tenham pouca qualidade

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Da esquerda para a direita, de cima para baixo, capas de álbuns de Taylor Swift, Justin Timberlake, David Bowie, Pink Floyd, João Gilberto, The Ramones, Elastica e Katy Perry. Foto: Universal Music, Sony Music, Warner Music, Odeon Records, DGC Records e Capital Records/Divulgação

Ah, o mundo fascinante da internet. De repente, em questão de segundos, uma afirmação qualquer, seja ela vinda de quem for, é encarada como verdade absoluta. Uma dessas frases de impacto me chegou semana passada. Uma ardorosa fã da cantora Taylor Swift – aliás, existe admirador da cantora americana que não seja ardoroso? – comemorou o fato dela ter lançado uma música com mais de dez minutos de duração. “Só Taylor para ter essa ideia”, sapecou a tiete, como se tratasse de um feito inédito na história do showbiz.

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All Too Well, a tal canção, nem é tão nova assim. Foi lançada no disco Red, de 2012, e tinha modestos 5min29. Mas desde que brigou com o empresário Scooter Braun, que comprou a antiga gravadora de Taylor por US$ 300 milhões (sendo, portanto, dono dos seis discos que ela lançou pela companhia), a popstar optou por regravar e atualizar seu antigo material. Red (Taylor’s Version) foi colocado nas plataformas de streaming três anos atrás.

No mesmo período, ela criou, escreveu, dirigiu e estrelou um curta-metragem baseado na letra de All Too Well. A história fala do relacionamento de uma jovem com um homem mais velho. Como em tudo que se trata de Taylor Swift, a trama é baseada em sua própria vida amorosa. E como em tudo que se trata de Taylor Swift, o sujeito que destrói seu coração é famoso (bocas de Matilde dizem se tratar do ator Jake Gyllenhaal, mas ele negou veementemente essa acusação).

Embora o empreendimento de Taylor seja louvável, ele não chega a ser inédito. É claro que vamos focar apenas no universo pop, visto que no mundo erudito a sinfonia mais curta do austríaco Anton Bruckner (1824-1896) tem 1h30min de duração e Sleep (Sono), do inglês Max Richter, demora oito horas para ser executada na íntegra.

No entanto, muitos rebentos do universo pop quebraram a ditadura das canções perfeitas para gerar danças e memes do TikTok. Um deles, por exemplo, foi Justin Timberlake. Mirrors, canção do disco The 20/20 Experience, de 2021 (portanto, quase no mesmo período do lançamento da superstar americana), é composta por 8min4s de declarações de amor à sua mulher, a atriz Jessica Biel. No universo do rock, então, nem se fala. Há espaço de sobra para experimentação, que inclui canções estendidas ao máximo.

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Uma das minhas prediletas é Station to Station, faixa-título do álbum que David Bowie lançou em 1976, e que tem 10min17s. Ali, ele explora musicalmente a disco music e o rock experimental alemão e apresenta um de seus mais nefastos personagens – The Thin White Duke (o Mago Duque Branco, em português), um viciado em aditivos químicos que tinha inclinações nazistas. Já Fool’s Gold, do quarteto inglês Stone Roses, é um convite à dança contendo 9min54s, que abriu caminhos para o britpop, como foi chamado o rock inglês dos anos 1990 e trazia Oasis e Blur como principais representantes.

Surgido na virada dos anos 1960 para os 1970, o rock progressivo foi um terreno fértil para alquimias sonoras. Echoes, que o Pink Floyd lançou no disco Meddle, de 1971, é praticamente uma mini-sinfonia, com diversas mudanças de andamento e uma das melhores performances do guitarrista David Gilmour – é, talvez, uma das canções prediletas de Andrew Lloyd Webber, que utilizou trechos dela para criar o tema principal do musical O Fantasma da Ópera.

Supper`s Ready, que o quinteto Genesis lançou um ano depois de Echoes, é uma visão do vocalista e compositor Peter Gabriel sobre a eterna luta entre o bem e o mal. É ainda uma tour de force para o vocalista, que praticamente não tem descanso na faixa. O fato folclórico, no entanto, fica por conta do grupo Yes. The Gates of Delirium, que eles lançaram em 1974, tem 20 minutos de duração. Mas os radialistas optaram por tocar apenas um dos movimentos da composição – Soon, de módicos 4min07, que virou sucesso nas rádios FM brasileiras no início dos anos 1980.

Os programadores de rádio, aliás, criaram um tema para as faixas de longa duração. Elas são as toilet break songs, ou seja, as canções para se ir ao toalete. O sujeito programa algo que tenha mais de seis minutos para descansar um pouco. In My Time of Dying, do Led Zeppelin (11min08s) e Papa Was a Rolling Stone, do quinteto de soul music The Temptations (12min01s) são algumas dessas canções salvadoras.

No Brasil, as preferidas da programação são Caminhoneiro, de Roberto Carlos (6min09s) e MacArthur Park, na voz de Richard Harris.

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Faroeste Caboclo, da Legião Urbana (9min07s) e By the Time I Get to Phoenix, com Isaac Hayes (18min44s) também funcionam, mas devem ser usadas com moderação. A primeira tem uma letra tão envolvente que o locutor pode querer cantar com Renato Russo e se esquecer de ir ao banheiro. O vozeirão de Hayes inspirava os radialistas a outras atividades. “Muitos DJs dos anos 1970 perderam o emprego porque iam namorar ao som da música e se esqueciam de voltar para o ar”, disse o cantor e compositor, numa entrevista que deu para mim em 1996.

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Pioneira ou não, a versão de Taylor Swift chega em boa hora. Segundo estudos recentes, a attention spam – o tempo em que o ser humano consegue se concentrar em algo até se interessar por outra coisa – caiu recentemente de 12 para oito segundos. É menor que a de um peixe de aquário, que dura em média nove segundos. Com isso, é cada vez mais comum, no universo pop, se deparar com músicas com batidas fortes e que entregam o refrão logo de cara para chamar a atenção do ouvinte. É o caso de Woman’s World, de Katy Perry, que inclusive traz a produção de Dr. Luke, um especialista nessa técnica de grudar no cerebelo do ouvinte logo nos acordes iniciais da canção. Ou qualquer outro produto de consumo imediato do pop ou funk.

Mas nem toda faixa de curta duração é criação de produtores que tratam seu público como rato de laboratório. Os discos de João Gilberto que definiram a batida da bossa nova trazem canções que hoje poderiam ser consideradas vinhetas – Lobo Bobo tem 1min22s, o clássico Desafinado mal chega aos dois minutos. Do lado oposto, o quarteto americano de punk rock The Ramones se esmerou em criar blocos sonoros de no máximo 1min35s: escute, por exemplo, Judy is a Punk ou Now I Wanna Sniff Some Glue.

E há quem faça da canção curta um ótimo exercício de humor. Merda, do Língua de Trapo, tem exatamente quatro segundos. Mesma duração de You Suffer, do pesadíssimo grupo de thrash metal Napalm Death (aqui, vale uma explicação: de tanto que pediram para criarem canções no formato mais, digamos, tradicional, eles responderam com uma série de músicas agressivas e de curtíssima duração).

Opinião por Sérgio Martins

Jornalista e crítico musical

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