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Coluna quinzenal do jornalista e crítico Sérgio Martins com histórias da música

Opinião | Sérgio Mendes tocou para três presidentes americanos e foi mais reconhecido fora do que no Brasil

Músico brasileiro que morreu aos 83 anos renovou a linguagem da bossa nova, foi dono de uma franquia KFC e seu disco apareceu até em um episódio de ‘Seinfeld’

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Foto do author Sérgio Martins

Num dos episódios mais engraçados do seriado Seinfeld, o abilolado Kramer (Michael Richards) tenta vender, por um preço além do razoável, um punhado de discos de Sérgio Mendes. “Ele é tão famoso que não consegue andar tranquilamente na América do Sul”, justifica o personagem. O curioso é que, naquele momento, Sérgio era mais famoso nos Estados Unidos (e consequentemente no resto do mundo), para onde migrou em 1964, do que na sua terra natal.

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Pianista e bandleader, ele foi um dos maiores exportadores da bossa nova e do samba jazz no exterior, com três prêmios Grammy no currículo – o mais importante foi o disco Brasileiro, de 1992, ao lado de Carlinhos Brown – e shows na Casa Branca para três presidentes americanos (Lyndon Johnson, Richard Nixon e Ronald Reagan). A sua canção exalta o tempo em que o Brasil era símbolo de música sofisticada e assimilada pelos maiores nomes do jazz internacional.

Nascido a 13 de fevereiro de 1941 na cidade de Niterói, Sérgio dos Santos Mendes (o acento do nome foi retirado por motivos óbvios), inicialmente, acalentou o sonho de se tornar um pianista erudito. Mas quando passou a frequentar o Beco das Garrafas, tradicional reduto da bossa nova do Rio, na virada dos anos 1950 para os 1960, ele trocou as variações de Bach e os noturnos de Chopin pelo suingue endiabrado do samba-jazz.

Sérgio Mendes, em foto de 2021; músico morreu aos 83 anos Foto: Chris Pizzello/AP

Um de seus mentores foi o maestro pernambucano Moacir Santos, cujo disco Coisas (1965) é considerado um dos melhores trabalhos de jazz de todos os tempos. Em 1961, Mendes criou o Sexteto Bossa Trio que acompanhou, entre outros, o saxofonista Cannonball Adderley e o flautista Herbie Mann, além de participar do famoso concerto em homenagem à bossa nova, no Carnegie Hall (Nova York), em novembro de 1962.

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Dois anos depois, assustado com o golpe militar no Brasil, mudou-se para Los Angeles. “Eu tinha uma possibilidade de carreira e quis ficar. Mas muitos músicos brasileiros optaram por voltar ao País porque sentiam falta da comidinha caseira”, revelou, numa entrevista de 2006.

Uma das principais qualidades de Sérgio era colocar a bossa nova num patamar ainda mais superior, adicionando outros elementos musicais. A mistura, que já era perceptível em discos como Você Ainda Não Ouviu Nada!, de 1965 (que traz, entre outros números, versões de Coisa no 2 e Nanã, do mestre Moacir Santos), se tornou ainda mais possível em terras americanas.

O ponto de partida foi Mas Que Nada, de Jorge Ben Jor (que ele teria escutado pela primeira vez no Beco das Garrafas), que ganhou uma versão suingada no disco Herb Alpert Presents Sergio Mendes and Brazil ‘66, e o credenciou para o mercado internacional. Em 1968, tocou The Look of Love, de Burt Bacharach e Hal David (que tinha saído em Look Around, de 1967, ao lado de uma versão turbinada de With a Little Help from My Friends, de Lennon & McCartney, e The Frog, de João Donato) na cerimônia do Oscar. No mesmo ano, revisitou o cancioneiro dos compositores dos Beatles ao recriar The Fool on the Hill. “São a versão Carnaby Street de Rodgers & Hammerstein” disse ele, num programa da televisão americana, referindo-se aos autores de alguns dos musicais mais celebrados do teatro musical.

A carreira de Sérgio Mendes e grupo prosseguiu sem muito estardalhaço na década seguinte. Nesse período, ele se envolveu num episódio que rendeu boas risadas na entrevista que fiz com o pianista, em 2006. Sergio adquiriu uma franquia da KFC e criou uma rede de lojas no Brasil. Os militares implicaram com o nome do personagem símbolo da marca, o Coronel Sanders. “Eles ficaram falando: ‘Você acha bonito o consumidor falar que vai comer a coxa do coronel?’”. O personagem virou Vovô Sanders. O negócio, claro, fracassou.

Sérgio Mendes voltou aos holofotes internacionais com o disco Brasileiro, de 1992. Gravado ao lado de Carlinhos Brown, ele trazia Magalenha, canção que credenciou o cantor e compositor baiano para o mercado internacional – pouco depois, Brown assinaria com a Virgin. A parceria com Brown seria retomada tempos depois no desenho Rio, de Carlos Saldanha (e que ainda contou com a ajuda luminosa da cantora e compositora americana Siedah Garrett).

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Embora longe do país desde os anos 1960, Sérgio nunca deixou de olhar com atenção o que acontecia aqui. Era fã do quarteto de violões Maogani e por algumas vezes se reunia com jovens autores a fim de buscar sonoridades para os próximos projetos. A admiração de will.i.am, rapper e líder dos Black Eyed Peas, rendeu o disco Timeless, de 2006. Ali, ele não apenas recriou Mas Que Nada como apresentou colaborações ao lado de Stevie Wonder, Erykah Badu, Justin Timberlake e o brasileiro Marcelo D2.

O respeito por Sérgio Mendes vai além das fronteiras do pop e da bossa nova. Tempos atrás, durante uma apresentação em São Paulo, a pianista Diana Krall replicou um trecho de Fool on the Hill, dos Beatles. Quando eu a perguntei o porquê da citação, ela simplesmente disse: “Eu queria homenagear Sérgio Mendes”.

Opinião por Sérgio Martins

Jornalista e crítico musical

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