Seria Virgil Abloh, designer da Louis Vuitton, o novo Karl Lagerfeld?

Estilista pode não ser o herdeiro de Lagerfeld que queremos. Mas pode ser o herdeiro de Lagerfeld que fizemos

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Por Vanessa Friedman 

Virgil Abloh, fundador da Off-White e designer de moda masculina da Louis Vuitton, é o tipo de figura que parece solicitar uma comparação. Ele é “o Andy Warhol dos nossos tempos’ (The Guardian), ele é “Jeff Koons” (Stefano Tonchi). Com ainda mais frequência, ele é “um homem renascentista”. Enquanto se digladiam para explicar sua onipresença, sua tomada aparentemente súbita de toda a cultura, as pessoas procuram alguém para entender sua influência.

Afinal, aqui vai uma lista parcial das empresas e marcas com as quais ele colaborou, além de seus dois empregos no mundo da moda: Evian, Nike, Vitra, Ikea, Champion, Equinox, Jimmy Choo, Sunglass Hut e McDonald’s. E as galerias e os museus em que seus trabalhos foram exibidos (e vendidos): Museu de Arte Contemporânea de Chicago, Galerie Kreo em Paris, Gagosian, Louvre. E os lugares onde ele foi DJ: CircoLoco, em Ibiza; Jimmy’z, em Monte Carlo, Mônaco; Coachella; Sub Club, em Glasgow; e Potato Head Beach Club, em Bali.

Virgil Abloh, designer da Louis Vuitton Foto: Charles Platiau/ Reuters

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Ele palestrou na Rhode Island School of Design, na Graduate School of Design em Harvard e em Columbia. Mas, de todas as comparações feitas desde que Abloh chegou à Semana da Moda de Paris, seis anos atrás, e começou a viralizar, a que suscita reações mais fortes talvez seja uma ideia mais centrada na moda: Abloh é o Karl Lagerfeld da geração do milênio. “Venho falando isso há um tempo!”, disse Michael Burke, executivo-chefe da Louis Vuitton que contratou Abloh em 2018 e, antes, como executivo-chefe da Fendi, trabalhou com Lagerfeld de 2003 a 2012.

Mas, para quase todo mundo na moda, a afirmação é uma blasfêmia. Toda vez que sugeria a comparação a alguém, conversando junto à passarela durante a temporada de desfiles que, desde o início de fevereiro, vem passando de Nova York a Londres, Milão e, agora, Paris, as pessoas empalideciam e diziam: “Oh, por favor, não!”. Ou então: “Isso é loucura!”. 

Talvez seja cedo, para os dois. Lagerfeld morreu há apenas um ano, aos 85, após mais de cinco décadas na moda, e a indústria ainda está de luto. Abloh, 39, apresentou sua marca há apenas seis anos. Ainda não provou tudo o que tem a provar. 

Lagerfeld, designer da Chanel, da Fendi e de sua própria linha, entre tantas outras coisas, muitas vezes é visto como a última figura da moda: um gênio criativo sem igual, cuja imaginação e intelecto não cabiam em uma única marca e cujo entendimento da arte do atelier era incomparável. Ele foi, acima de tudo, um designer profissional.

Abloh é o homem que disse ao mundo: “Você não precisa ser designer para ser designer”. Ele nem se apresenta como designer, mas como “criador”, de acordo com a New Yorker. Ele propaga a ideia de que moda não tem a ver com roupa, mas com totens de comunidade. E de que os uniformes das várias subculturas jovens têm um lugar legítimo no templo da elite. Há uma suspeita de que ele esteja, de algum modo, enganando a indústria, vendo até que ponto consegue explorá-la por sua embaraçosa ânsia de ser cool, sua necessidade de diversidade visível e seu desejo pelos milhões de seguidores de Abloh no Instagram.

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A high fashion, afinal de contas, é reconhecidamente branca, estabelecida sobre bases muitas vezes antiquadas e, no entanto, desesperada para atrair uma geração de consumidores que, suspeita-se, têm uma ideia diferente do que importa. Tentadoramente, Abloh explora toda essa promessa. As pessoas fazem fila para comprar o que ele está vendendo, mesmo que sintam que o que ele está vendendo é a própria fila. 

Este é um momento de acerto de contas na política, tecnologia, sociedade. E, sob muitos aspectos, a ideia de que é Abloh que herdou o manto de Lagerfeld - quem, em perfil, ambição e alcance, ocupa o mesmo tipo de espaço mental/cultural para os consumidores da geração Y e Z que Lagerfeld ocupava para os que vieram antes - é simplesmente um reflexo direto das escolhas que a indústria fez no que diz respeito a seu sistema de valores e a seu lugar na mentalidade do consumidor.

Em termos de pura biografia, os dois são muito diferentes. Lagerfeld, que era branco e alemão, cresceu em uma estufa de alta cultura e elitismo na primeira metade do século passado, escapou para Paris quando adolescente e foi aprendiz nas mais históricas casas francesas (Balmain, Patou) antes de começar sua carreira na Chloé.

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Abloh, negro e americano, cresceu nos subúrbios de Chicago, filho de imigrantes ganeses, estudou engenharia e depois arquitetura; trabalhou com Kanye West por uma década e abriu a Off-White em 2013. Seu aprendizado formal na indústria se reduz a seis meses na Fendi. Um vem da tradição da alta-costura, o outro construiu sua carreira na streetwear. Um se viu como protetor do patrimônio artístico (sob Lagerfeld, a Chanel adquiriu ateliês especializados de bordadores, chapeleiros e fiadores de caxemira para conservá-los); o outro tem uma profunda consciência de si mesmo como prenúncio da mudança cultural e da quebra de fronteiras.

Abloh é um dos raros diretores criativos negros de uma casa de origem francesa, o que torna sua posição incomum e sobrecarregada. E, no entanto, de muitos modos, os dois se encontraram no meio do caminho, que é mais ou menos onde a moda está agora. Como Burke disse: Abloh “é digital, como o Karl. Cruza as gerações, como o Karl. Trabalha duro, como o Karl. É inteligente, como o Karl”. A criatividade de Lagerfeld era extraordinária quando estava concentrada - seus desfiles de alta-costura às vezes pareciam transcendentes e ele transformou a Fendi - mas muitas vezes não era. No entanto, esse era o seu mito no fim do século 20, e até mesmo os críticos muitas vezes ignoravam seus desenhos desajeitados, bem como o fato de que uma parte do que ele fazia podia parecer superficial.

Desfile Louis Vuitton do outono 2020 Foto: Charles Platiau/ Reuters

Ainda assim, houve quem tratasse Lagerfeld como mero “estilista”, assim como muitos se referem a Abloh como “diretor de arte”, embora em ambos os casos existam outros que argumentam de maneira diferente.

“Acho que ele é criador e diretor de arte”, disse Didier Krzanowski, proprietário da Galerie Kreo, onde Abloh recentemente apresentou mostra de móveis de concreto cortados com grafite. “Nesse caso, concordo que ele seja como o Karl. Para mim, o que ele fez foi genuinamente único, e isso é muito difícil de fazer. Você não consegue fazer isso se for apenas um diretor de arte. Mas talvez ele seja um diretor de arte quando se trata de moda.”

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Uma das coisas que mais incomodam o mundo da moda no que diz respeito à ascensão de Abloh é sua propensão ao atalho. Na New Yorker, ele chamou de “método dos 3%” (a teoria de que alterar um desenho nessa porcentagem é suficiente para qualificá-lo como novo). Em Harvard, ele se referiu ao método como “código de trapaça”.

Há uma noção, muito apreciada no mundo da moda, de que o designer deve ser uma alma torturada, que agoniza durante o processo criativo (em parte por causa da insegurança em relação às formas mais clássicas de arte). Gabar-se de fazer tão pouco é, de certa forma, indecoroso. No entanto, Lagerfeld não queria ter nada a ver com essa ideia, e Abloh também não.

Quando as pessoas tentavam se desvencilhar da comparação entre Lagerfeld e Abloh, costumavam dizer que “a moda mudou muito, o mundo mudou muito” e que por isso não conseguiam conectar os dois. Isso é verdade. E, exatamente por isso, Abloh pode não ser o herdeiro de Lagerfeld que queremos. Mas pode ser o herdeiro de Lagerfeld que fizemos. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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