Dos mais de 60 romances que Stephen King escreveu, Love – A História de Lisey, lançado no Brasil pela Suma, é seu favorito. “Fala de amor e casamento e do impulso criativo”, disse ele em um evento da Associação de Críticos de Televisão. King teve a ideia depois de quase morrer por conta de uma pneumonia e chegar em casa e encontrar seu escritório, em processo de nova decoração pela sua mulher Tabitha, ainda vazio. “Eu pensei: É assim que este ambiente vai ficar quando eu morrer”, contou o autor.
Foi por isso que resolveu escrever todos os episódios de A História de Lisey, minissérie em oito episódios disponível no Apple TV+. J.J. Abrams, que já tinha trabalhado com o escritor, sabia quanto o livro era importante para King. “Trabalhar com Stephen King não é algo que aparece toda hora”, disse Abrams em entrevista ao Estadão. “E eu fiquei muito empolgado de ele estar tão empolgado.” Ajuda também que, por mais que seja famoso, Stephen King não seja difícil. Então ele jurou não ter hesitado quando era preciso fazer alguma observação sobre os roteiros. “Ele é uma lenda e um ídolo para mim, mas também um ser humano decente. Trabalhar com King é só alegria. Não era difícil fazer críticas, porque ele é muito aberto à colaboração. Ele escreve sobre pessoas irracionais e malucas, mas não é uma delas.”
Em A História de Lisey, Lisey Landon (Julianne Moore) tem dificuldades de lidar com a morte de seu marido, o escritor genial Scott Landon (Clive Owen). A relação com as irmãs (Jennifer Jason Leigh e Joan Allen) é complicada, e com os admiradores de Landon. Enquanto é perseguida por um fã obcecado (Dane DeHaan), ela se abriga do luto na Lua Boo’ya, um refúgio particular e imaginário criado pelo casal. “Há muito essa ideia de que um gênio, mesmo um romancista que trabalha mais isoladamente, não recebe nenhuma ajuda, nem a influência de quem está à sua volta. Mas na verdade o mais comum é ter pessoas fundamentais na sua criação que simplesmente não recebem a mesma atenção ou crédito”, disse J.J. Abrams. Para deixar claro, Stephen King faz questão de frisar que Scott e Lisey não são Stephen e Tabitha, sua mulher.
Para dirigir a minissérie, Abrams e King escolheram o chileno Pablo Larraín, que anda ocupado ultimamente – seu Ema, de 2019, finalmente chega aos cinemas brasileiros, e ele já tem outro filme, Spencer, sobre a princesa Diana, no Festival de Veneza, em setembro. “Fazia tempo que queria trabalhar com ele, é um diretor brilhante”, disse J.J. Abrams. “E tem uma abordagem poética e ao mesmo tempo pé no chão, perfeita para uma história que precisava ser realista para que, quando as coisas horríveis, estranhas e malucas começam a acontecer, o espectador ache crível e esteja junto com os personagens. Ele coloca o público dentro da história em vez de simplesmente apresentar algo para ser observado.”
Como tantas outras produções, A História de Lisey foi afetada pela covid-19. Durante muitos meses, a produção ficou parada por conta da pandemia. Mas foi possível retomar as gravações ainda durante a crise mundial. E aí ganhou uma relevância ainda maior. “Claro que não poderíamos prever, mas é uma história sobre alguém cuja vida é interrompida, que está lidando com a perda, questiona o que sua vida era, o que eram seus relacionamentos”, disse Abrams. “A lua e o elemento fantástico são uma metáfora, um conto de fadas, mas com esse lado sombrio e maluco que não é tão distante assim da história sombria e maluca que estamos vivendo.”
Ele acha que os Estados Unidos estão passando por uma mudança sísmica, não apenas por causa da covid-19. “Há a questão racial, de classe, e a política, porque tivemos pessoas de atitudes desumanas no poder. E a pandemia é mais um fator”, disse J.J. Abrams. “Todo o mundo está questionando: o que vai ser o entretenimento? O que deveria ser? O que é relevante e o que não é?”, perguntou Abrams. As respostas ainda não estão disponíveis. Mas ele acha que o DNA das histórias vai ser afetado.
Abrams, que foi revelado na televisão, em séries como Felicity, Alias e Lost, espera que a sala de cinema continue. “Meu filho outro dia falou que a gente pode rezar em casa e em um templo. Um não é melhor que o outro, são coisas diferentes”, contou. “A experiência de estar com centenas de pessoas que você não conhece, gritando, rindo, vivendo uma história juntas, é algo poderoso e importante.” Uma coisa, para ele, é clara: histórias sempre serão necessárias. “Na verdade, talvez ainda mais, porque elas podem aproximar as pessoas.
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