A abordagem crua de um tema tão sensível quanto a masculinidade tóxica e o efeito do ódio contra mulheres em jovens não é o único fator que chama a atenção em Adolescência. A série de quatro episódios da Netflix se destacou entre os espectadores por se desenrolar toda em planos-sequência —ou seja, é como se cada episódio, de cerca de 1h, fosse filmado inteiramente sem cortes. Mas será que foi assim mesmo?
A técnica é a mesma utilizada em filmes como 1917 (2019), de Sam Mendes, ou Birdman (2015), de Alejandro González Iñárritu, e consiste em apresentar uma cena (ou todo o filme) sem cortes, acompanhando normalmente a história a partir da perspectiva de um único personagem. Fazer isso, é claro, dá trabalho, e requer atenção redobrada de produtores, continuístas e atores, já que cada fala ou mudança de posição errada pode comprometer muito tempo de filmagem.
Em Adolescência, a história se desenrola em tempo real, e cada um dos quatro episódios mostra os efeitos do crime sendo investigado — o assassinato da jovem Katie por Jamie Miller (Owen Cooper) — a partir da ótica de personagens diferentes. A proposta é mostrar a corrente de devastação deixada por um crime tão bárbaro, e como a sociedade está despreparada para lidar com os perigos de discursos radicais.
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Como isso é feito?
Embora muitos filmes rodados em plano-sequência tenham cortes invisíveis, feitos em momentos que beiram o imperceptível, Adolescência abriu mão do truque e de fato encarou o desafio de gravar tudo em um único plano. Ao menos é o que garante o diretor de fotografia Matthew Lewis, em entrevista à Variety. “Não há costuras de takes. Foi tudo uma tomada só, quer eu quisesse ou não.”
Lewis e o diretor Philip Barantini, que comanda os quatro episódios, contam que as filmagens aconteceram de forma contínua para criar tensão e a sensação de nervosismo nos espectadores à medida que as reais intenções de Jamie eram reveladas.
“[O plano-sequência] cria tensão e força a perspectiva da audiência para onde eles não conseguem desviar o olhar, mesmo que isso crie ansiedade ou estranheza”, explicou Barantini à Motion Pictures Association. “O plano-sequência não funciona em todos os gêneros, mas para a série, queríamos que a audiência mergulhasse por uma hora, e somos nós quem os retiramos depois. Na próxima vez, é alguns dias depois, ou 13 meses depois, e cabe ao público entender as coisas.”
Mas, na prática, fazer isso exige muito trabalho colaborativo e semanas de ensaio. O diretor de fotografia detalhou a preparação e os desafios para a Variety.
Segundo ele, tudo dependia de o roteiro funcionar para o formato de plano-sequência, e houve um trabalho colaborativo com o roteirista Jack Thorne para garantir que o texto possibilitasse os movimentos de câmera necessários. “Phil e eu mandávamos e-mails para ele dizendo: ‘A câmera está indo muito longe sozinha, e precisamos de um motivo para ir até lá.’ Então, ele escrevia momentos adicionais. Durante os ensaios, ele reescrevia algumas coisas e tinha novas ideias. Acho que foi um desafio único para ele, assim que ele teve certeza que não éramos malucos e que iríamos fazer um bom trabalho com o roteiro dele.”
Em um vídeo de bastidores divulgado pela Netflix, o elenco e a equipe fornecem mais detalhes de toda a preparação. Na primeira semana, o objetivo era passar por toda a série, cena a cena, até que cada uma delas estivesse gravada na memória dos atores.
Depois, a equipe técnica entrou para estruturar como cada cena seria filmada, mapeando as transições para que tudo fluísse da forma mais natural possível. Lewis e Barantini trabalharam com maquetes e criaram miniaturas dos personagens em um iPad para entender por onde a câmera poderia entrar e sair. Afinal, para o plano-sequência funcionar, é preciso que as transições sejam imperceptíveis.
Pense, por exemplo, no primeiro episódio, quando acompanhamos o detetive Bascombe (Ashley Walters) ao telefone, depois entrando no carro, invadindo a casa de Jamie e, por fim, escoltando o garoto até a delegacia. A câmera segue algum personagem o tempo todo, e a intenção é que o público não sinta as mudanças de posição.
“Nós mapeamos a área que seria usada e olhamos como a câmera iria se movimentar, e ensaiamos como uma dança, entre mim e o elenco”, explica Lewis. “O maior desafio era como ir de uma casa real para uma delegacia falsa. Então, precisamos encontrar um estúdio perto das casas do subúrbio, e encontramos um em Yorkshire.”
Outro detalhe importante era decidir como tudo isso seria filmado. “Eu não queria que a câmera ficasse na mão, e Phil concordou. Eu estava preocupado, pois quatro horas de duração seria simplesmente enjoativo. Em um ambiente pequeno, como uma cozinha, funcionava, mas andando e subindo e descendo por longos corredores, você sentiria cada passo, e pareceria um documentário”, detalhou Lewis. Por isso, eles escolheram um modelo de câmera leve e prática acoplada a um eixo cardã, um dispositivo de estabilização.
“Tinha suas limitações, mas funcionava como precisávamos: era um eixo cardã pequeno que dava para passar entre os operadores, segurar na frente sem precisar prender à pessoa e, com o clique de um botão, dava para encaixá-lo na mão ou em um drone.”
Foi assim, com muitos operadores de câmera e um ensaio rigoroso, que foi possível filmar os quatro episódios em plano-sequência. Lewis conta que apenas uma cena contou com auxílio de efeitos visuais — quando um adolescente pula a janela no episódio 2 —, mas que mesmo assim não houve cortes.
No processo, nem sempre as coisas saíram como foi planejado. A equipe pensava em fazer 10 tomadas de cada episódio, sendo dois por dia, em um período de cinco dias. No entanto, alguns episódios precisaram ser refeitos 16 vezes.
O perfil da Netflix do Reino Unido fez uma sessão de perguntas e respostas com o público no X e revelou qual tomada foi escolhida para cada episódio:
- Episódio 1: Take 2, do dia 1.
- Episódio 2: Take 13, dia 5.
- Episódio 3: Take 11, dia 5.
- Episódio 4: Take 16, dia 5
