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Análise|Como ‘True Detective’ e ‘Fargo’, multi-indicadas ao Emmy, reforçam o primor das séries antológicas

Favoritas ao principal prêmio da TV, produções cujas narrativas e os personagens mudam a cada temporada se destacaram ao longo da última década

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Com a vasta oferta no streaming, maratonar produções intermináveis de 7 ou 8 (ou mais) temporadas é uma experiência que requer extrema dedicação do telespectador, aliada ao sacrifício de vários finais de semana. É por isso que as séries em formato antológico, aquelas cujas narrativas e os personagens mudam a cada temporada, despertaram tanto interesse nos últimos anos – mais do que isso: com roteiros instigantes e estruturas similares aos filmes, elas provam ser o melhor modelo de criação artística na indústria cinematográfica.

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Dois exemplos de excelência nesse gênero são Fargo (disponível na Amazon Prime) e True Detective (disponível na Max), cujas novas temporadas renderam 15 e 19 indicações ao Emmy 2024, respectivamente. A premiação ocorre em setembro.

Sucessos de público e crítica nos EUA, mas não tão populares no Brasil, ambas foram ao ar pela primeira vez em 2014 e ganharam novas sequências ao longo da última década, consolidando-se entre as melhores atrações televisivas da atualidade.

Novas temporadas de 'True Detective' e 'Fargo' concorrem ao Emmy 2024 Foto: Divulgação/Max; Divulgação/FX

‘Fargo’ é um ‘estado de espírito’

O projeto desenvolvido por Noah Hawley sob tutela do canal FX é inspirado no clássico filme dos irmãos Joel & Ethan Coen lançado em 1996, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro e Melhor Atriz para Frances McDormand.

Nenhuma das histórias retratadas nas cinco temporadas de Fargo, porém, têm ligação direta com o longa-metragem, apesar de existirem inúmeras referências à filmografia dos Coens de modo geral. A identidade está, sim, na energia daquele universo pacato, sarcástico, violento, místico e gelado, permeado de pessoas aparentemente amigáveis do meio oeste norte-americano, mas que no fundo subtraem os mais sombrios sentimentos. Os eventos retratados são fictícios, apesar da frase “Essa é uma história real” estampar, ironicamente, o início de cada capítulo.

No livro oficial da série, This Is a True Story, repleto de entrevistas inéditas e reproduções de scripts, Hawley explica a filosofia da franquia. “O filme se chama Fargo [cidade em Dakota do Norte], mas a maior parte da história se passa em Minnesota. Isso porque Fargo, para os Coens, é mais do que um lugar. É um estado de espírito. Uma metáfora para o limite do mundo.”

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Fargo é sobre as pessoas que nós desejamos ser versus aquelas que tememos ser.

Noah Hawley, criador de 'Fargo', no livro 'This Is a True Story'

Para a maioria dos fãs, a temporada inaugural é imbatível, trazendo uma história recheada de tensão e cinismo que segue Lester Nygaard (Martin Freeman), um agente de seguros semelhante ao imoral protagonista de William H. Macy no longa de 1996. Preso em um casamento infeliz, Lester é submisso e alvo de muitas piadas em seu círculo social. Sua vida muda para sempre quando ele mata acidentalmente sua esposa durante uma discussão e precisa recorrer à ajuda do psicopata Lorne Malvo (Billy Bob Thornton).

O segundo ciclo se passa no final dos anos 1970, com tom mais investigativo e personagens ainda mais excêntricos. Peggy e Ed Blumquist, magistralmente interpretados Kirsten Dunst e Jesse Plemons (casados na vida real), mergulham no caos após Peggy matar acidentalmente o membro de uma poderosa família da região em um atropelamento. As consequências levam a organização criminosa a procurar pelo assassino enquanto o policial Lou Solverson (Patrick Wilson) e seu leal aliado, Xerife Hank Larsson (Ted Danson), investigam o caso.

Na 3ª temporada, voltamos aos tempos contemporâneos para acompanhar a rivalidade entre os irmãos gêmeos diametralmente opostos Emmit (milionário e charmoso) e Raymond Stussy (fracassado e asqueroso), ambos vividos por Ewan McGregor – nessa que talvez seja a atuação mais brilhante de todo o seriado. A tensão entre eles escala quando Ray tenta roubar um precioso objeto da família com a ajuda de sua parceira, Nikki Swango (Mary Elizabeth Winstead, casada com McGregor na vida real). De forma paralela, Emmit enfrenta problemas empresariais ao ser visado por V. M. Varga (David Thewlis), outro monstro cartunesco que só Fargo é capaz de criar, enquanto a chefe de polícia Gloria Burgle (Carrie Coon) investiga o misterioso assassinato de seu padrasto.

Chris Rock lidera um sindicato criminoso na 4ª temporada de 'Fargo' Foto: Divulgação/Elizabeth Morris/FX

A quarta edição da série mudou o estilo da narrativa ao abrir mão das tramas de menor escala e apostar na ambição. Houve clara intenção de Hawley para tratar questões sérias e tentar explicar a história do racismo nos EUA em 11 capítulos, o que se provou um desafio e tanto. Para isso, ele levou Fargo ao início dos anos 1950, concentrando-se numa guerra de território entre a máfia italiana de Kansas City, liderada pelo impulsivo Josto Fadda (Jason Schwartzman, emulando Fredo Corleone, de O Poderoso Chefão), e o crescente sindicato afro-americano, comandado pelo ambicioso empresário Loy Cannon (Chris Rock, em rara e excepcional atuação dramática).

Após pouco entusiasmo do público com a 4ª temporada, prejudicada pela pandemia da covid-19 (as gravações precisaram ser interrompidas), o autor disse que daria um fim à marca – afirmação que parece ter caído por terra graças ao sucesso da nova fase, reconhecida no Emmy.

Ambientado em 2019, o quinto ano de Fargo aborda temas atuais como machismo e nacionalismo exacerbado ao se concentrar em Dorothy Lyon (Juno Temple), uma dona de casa ordinária cujo passado oculto começa a emergir quando ela se confronta com as autoridades da região, controlada pela milícia reacionária do Xerife Roy Tillman (Jon Hamm).

‘Nós temos o mundo que merecemos’

A frase acima, dita pelo detetive Ray Velcoro (Colin Farrell) em algum momento da 2ª de temporada de True Detective, dá o tom da série, que é guiada, basicamente, por um crime hediondo investigado por detetives atormentados, sempre naquele clima sombrio e cinematográfico típico das produções da HBO.

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Os três primeiros ciclos da saga foram idealizados por Nic Pizzolatto. E, assim como Fargo, a edição de estreia segue insuperável para grande parte dos fãs, especialmente graças ao entrosamento da dupla Rustin Cohle (Matthew McConaughey) e Martin Hart (Woody Harrelson), e a perseguição por um serial killer durante um período de 17 anos.

Mahershala Ali em cena de 'True Detective' Foto: HBO

Na 2ª temporada, o enredo sofreu uma queda de impacto considerável, fruto das narrativas múltiplas e da trama nada especial. As performances de Colin Farrell, Rachel McAdams e Vince Vaughn (no papel de um empresário-gângster), se destacam e merecem elogios. O roteiro, no entanto, ainda que tenha momentos notáveis, simplesmente ficou abaixo das expectativas.

O brilho de True Detective é retomado na terceira parte da franquia, protagonizada por Mahershala Ali. Ele interpreta o policial Wayne Hays, veterano da Guerra do Vietnã, em três momentos distintos da vida, inclusive na velhice (com a doença de Alzheimer), em busca de solucionar um brutal assassinato do passado.

Eu apenas gosto de uma boa história. Fundamentalmente, estou preocupado com o humanismo dos personagens na situação. E se você vai trabalhar com tramas realistas, aquelas que apresentam alguma forma de criminalidade são as mais fáceis para eu me apegar.

Nic Pizzolatto, criador de 'True Detective', ao portal Mystery Scene

Após três temporadas, Pizzolatto abandonou o projeto sem muitas explicações e a HBO contratou a mexicana Issa López para assumir o batente. A cineasta, especializada na temática de horror, trouxe elementos do gênero para a nova história, veiculada no início do ano com o subtítulo Terra Noturna. Ao longo de apenas 6 episódios, o público segue a detetive Liz Danvers (Jodie Foster) e sua investigação em torno da morte de um grupo de cientistas no Alaska. O final chocante dividiu os fãs, mas não abalou o esplendor da franquia.

No fim das contas, Fargo e True Detective provam a excelência do formato mais adequado da atualidade, no qual o espectador investe menos tempo e, em troca, recebe o mais alto nível de conteúdo. E por mais que ambas as produções concorram entre si em várias categorias no Emmy, é injusto compará-las – apenas fica a torcida para que elas permaneçam por muito mais tempo no ar.

Análise por Gabriel Zorzetto

Repórter de Cultura do Estadão

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