Opinião | Emmy 2024 teve vitória inesperada, mas merecida, e se dividiu entre o frescor e a previsibilidade

A cerimônia de entrega do Emmy reconheceu ‘Xógun’ e ‘Bebê Rena’ - e escolha por ‘Hacks’ como a melhor série de comédia manda recado para a então favorita ‘O Urso’

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Por Mariana Canhisares
Atualização:

Até a última categoria da noite, que coroou Hacks como a Melhor Série de Comédia do ano, “surpreendente” não era um adjetivo que caberia para descrever o Emmy 2024. Na realidade, antes desta revelação, o dado mais incomum da cerimônia tinha sido o simples fato de que esta foi a segunda edição do prêmio realizada neste ano – uma das consequências das greves dos atores e roteiristas do ano passado. Quer dizer, nos 45 minutos do segundo tempo, “surpreendente” até passou a ser aceitável, mas o termo está longe de ser a característica predominante da premiação que ocorreu no último domingo, 15, em Los Angeles.

Com exceção desse prêmio específico, a Academia Internacional das Artes e Ciências da TV não se aventurou com zebras, nem se propôs a polêmicas. No final da noite, os favoritos ganharam e a cerimônia transcorreu sem muito combustível para os tabloides nem alfinetadas de cunho político-partidário.

Joe Manda, Rose Abdoo, Hannah Einbinder, Jean Smart e Jen Statsky celebram o prêmio de melhor comédia do Emmy por 'Hacks' Foto: Chris Pizzello/AP

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Em um ano eleitoral nos Estados Unidos, o mais próximo de um comentário dessa natureza foram as participações dos atores mexicanos Diego Luna e Gael García Bernal e da atriz Candice Bergen. Apresentando em espanhol para “ajudar com a audiência da cerimônia”, eles lembraram que há mais de 50 milhões de falantes de espanhol no país, um aceno direto para o tamanho do eleitorado latino. Já a estrela de Murphy Brown aproveitou a trama da sitcom dos anos 1980 para cutucar o candidato à vice-presidência J.D. Vance com um singelo “miau”, ironizando o comentário dele sobre cat ladies sem filhos.

Essa falta de surpresas, imprevistos ou controvérsias poderia ser sinal de uma cerimônia morna ou apenas enfadonha. Mas, por sorte, este não foi o caso. Desde o princípio, com o divertido monólogo de abertura dos apresentadores Eugene e Dan Levy, a condução do Emmy 2024 não deixou que o espectador sentisse tanto o peso das suas três horas de duração. Por um lado, porque a entrega dos prêmios foi dinâmica e ágil, dando espaço para ótimas piadas. Porém, por outro, o fez às custas dos discursos dos vencedores das categorias menos antecipadas e, na reta final, até das principais, tamanha a pressa.

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Ainda assim, por causa desse ritmo, quando chegou o momento de coroar as queridinhas, como Xógum: A Gloriosa Saga do Japão e Bebê Rena, a previsibilidade dos vencedores soou menos cansativa. Até porque, em ambos os casos, o favoritismo veio acompanhado do frescor que as produções trouxeram para o ecossistema televisivo desta temporada.

Como o produtor-executivo Justin Marks bem pontuou ao receber o prêmio máximo das categorias de Drama, Xógum soa um projeto pouco provável nesta Hollywood, tão focada em franquias e algoritmos. “Vocês deram sinal verde para uma obra de época muito cara, cujo clímax gira em torno de uma competição de poesia”, definiu. Apesar do seriado ser um remake de uma produção dos anos 1980, a atenção aos detalhes nesta versão é de fato sem comparação.

É verdade que as numerosas vitórias de Xógum foram facilitadas pela ausência dos pesos pesados da TV norte-americana, como Succession, The White Lotus e A Casa do Dragão. Sem nenhuma série para competir à altura do seu esmero narrativo, valor de produção e popularidade – com exceção, talvez, de Fallout, mas que ainda assim estava longe de ser uma candidata tão forte –, o Emmy 2024 não tinha como não estender um tapete vermelho para a série do Disney+.

Hiroyuki Sanada, no centro, e o elenco de 'Xógun', a grande premiada do ano, com prêmios técnicos e outros das categorias principais, como melhor série de drama, ator e atriz Foto: Chris Pizzello/AP

Assim, depois de bater o recorde de indicações da história da premiação, Xógum merecidamente encerrou a noite com a confirmação de que é a série que mais venceu prêmios com uma temporada: 18 troféus, no total. E mais: se tornou a primeira série em língua não inglesa a levar o principal prêmio das categorias de Drama. Ou seja, em um cenário em que a indústria evita o risco, a produção encabeçada pelo ator Hiroyuki Sanada evidenciou não só como há apetite para títulos novos e diversos, como também a ousadia pode compensar e muito.

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O ano de Bebê Rena

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De modo análogo, Bebê Rena também soa como um ponto fora da curva dentro da indústria. Idealizada pelo comediante Richard Gadd com base em uma experiência real que teve com uma stalker, a minissérie se tornou um fenômeno na Netflix graças ao boca a boca dos assinantes. A verdade é que ninguém esperava que esta história tão conturbada, estrelada por até então desconhecidos, poderia ganhar tanta atenção mundo afora – muito menos competir e ganhar de minisséries verdadeiramente ótimas. Porque, diferente do caso de Xógum, a concorrência de Bebê Rena era mais apertada, sobretudo considerando como três dos seus cinco concorrentes já eram obras de alguma forma estabelecidas.

Mas verdade seja dita: tanto Fargo quanto Ripley eram dignos do reconhecimento da Academia. Contudo, a obra original de Gadd foi implacável. Das 11 indicações que recebeu, a produção da Netflix ganhou seis, dentre os quais Melhor Minissérie, Antologia ou Filme para TV. E não tem como negar: Bebê Rena foi de fato um dos títulos que mais marcou esse ano.

Estrelas de 'Bebê Rena': Jessica Gunning ganhou como atriz coadjuvante em minissérie e Richard Gadd, como como ator Foto: Jae C. Hong/AP

As boas comédias do Emmy

Agora, as categorias que poderiam abrir brecha para surpresas mesmo eram as de Comédia. Em uma das temporadas mais prolíficas dos últimos anos, o Emmy indicou séries de altíssimo nível, como O Urso e Hacks. Veja, até diante da eventual inconstância de algumas delas, como no fraco terceiro ano de Only Murders in the Building, haveria performances que justificariam prêmios – sim, me refiro especificamente à Meryl Streep. Além disso, o timing seria pertinente para celebrar a última temporada de Curb Your Enthusiasm – série criada e estrelada por Larry David, um dos nomes mais influentes da comédia na TV americana –, assim como a ótima, mas pouco conhecida Reservation Dogs.

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É claro que O Urso era a favorita, sobretudo por concorrer com sua segunda temporada, a melhor das três já lançadas até aqui. Mas sua presença nesta lista era marcada desde a edição anterior do Emmy por um asterisco. Afinal de contas, ainda que tenha senso de humor, é consenso que a série disputa nas categorias de Comédia apenas por uma tecnicalidade. Ela é essencialmente um drama, como bem reconheceu Eugene Levy neste domingo, 15, ao brincar que “no espírito da série, não faria piadas” sobre isso.

Essa discussão sobre o gênero da série ganhou peso nas últimas semanas, e isso ficou nítido no resultado final do Emmy 2024. Embora ainda tenha levado a melhor em quatro dos seis prêmios principais, incluindo Melhor Atriz Coadjuvante para a carismática Liza Colón-Zayas, as derrotas de O Urso vieram como um recado. Melhor Roteiro e Melhor Série foram justamente para o título que não só é inegavelmente uma comédia, como ainda celebra toda a riqueza deste universo: Hacks.

Encaminhando-se para sua última temporada, a série estrelada por Jean Smart e Hannah Einbinder dá forte sinal de que virá ainda mais forte para a próxima edição do prêmio. Enquanto isso, O Urso vive um momento mais morno, após lançar uma terceira temporada boa, mas claramente inferior às anteriores. Mas calma: isso é papo para os próximos Emmys…

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Opinião por Mariana Canhisares

é jornalista especializada em séries e cultura pop

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