Quando pensamos em Brian Cox, fica difícil não evocar a frase anglo-saxônica de duas palavras que ele tão pontualmente fala em "Succession", da HBO. (A segunda palavra é "off.") Difícil, também, não ouvir essa frase retumbando sob as linhas do livro de memórias picante e digressivo de Cox, "Putting the Rabbit in the Hat", que acompanha sua jornada de um aguerrido rapaz da classe trabalhadora em Dundee, na Escócia, para, aos 75 anos, ícone improvável da cultura pop - e que não perde nada da sinceridade espinhosa que o levou até lá.
Cox é o produto de um clã deslocado de ascendência irlandesa e escocesa, "sitiado pelas forças do tribalismo e da fé católica". A morte repentina de seu pai, dono de uma mercearia, quando Cox tinha 8 anos, colocou sua família na "roda da pobreza". Com uma mãe mentalmente doente e regularmente ausente, Cox acabou oscilando de parente em parente, como uma criança mal alimentada e sem vida doméstica estável.
Naquele momento veio seu chamado, tão inesperado para "um jovem frouxo e cheio de espinhas em roupas sujas" quanto inabalável. “Eu não acredito que você tenha que viver uma tragédia para retratá-la, mas isso ajuda a esclarecer as coisas para você, e para mim tudo se somou ao que parecia ser uma formidável unicidade de propósito”, ele explica. "Esse foi o meu superpoder. Ele me colocou no meu caminho.". Ele conseguiu um emprego “de pau pra toda obra” no Dundee Repertory Theatre, depois uma vaga na London Academy of Music and Dramatic Art. Soldando sua energia proletária ao treinamento clássico, ele se afirmou como um dos protagonistas mais requisitados do teatro inglês, conquistando triunfos particulares como Macbeth e Tito Andrônico (e sendo apalpado, ele diz, por nomes como a princesa Margaret). Lá ele poderia ter permanecido, discretamente somando suas honras e aberturas de cortina, mas em meados da década de 1980, ele voltou seus olhos para Hollywood.
Cox não tinha ilusões. Ele sabia que, em um mundo de grandes orçamentos, só poderia sobreviver em papéis coadjuvantes, e tudo bem. "Fui influenciado pelos atores maravilhosos dos anos 1930 e 1940. Aqueles que tinham uma maneira de criar um arco para si mesmos, não importa quão grande ou pequeno seu papel." Para ver esse processo em ação, dê uma olhada em "Caçador de Assassinos" (1986), de Michael Mann, onde Cox tem apenas alguns minutos na tela para mostrar um serial killer chamado Hannibal Lecter (ou Lecktor, como era então escrito). Este não é o psicopata de olhos esbugalhados mais tarde imortalizado por Anthony Hopkins, mas um sujeito calmo, quase banal, com a insanidade levemente escondida na manga. De fato, se há algum fio que une a obra lotada de Cox – mais de 230 créditos de atuação, variando de Trotsky e Churchill a Agamenon – é essa sensação de um conhecimento secreto, uma agressão mal disfarçada, vibrando sob sua pele áspera.
Não é à toa que os produtores de "Succession" o escolheram como seu anti-herói, Logan Roy, um magnata da mídia de direita que recusa o papel de Rei Lear atribuído a ele e gira como um centavo entre o silêncio e o barulho raivosos. Cox admite que "pode ser quase dolorosamente fácil colocar minha pele de Logan Roy", em parte porque "estamos ambos desapontados com o resultado do experimento humano. Compartilhamos de certo desgosto".
E, como Logan, ele não se importa de desabafar um pouco. Quentin Tarantino: "Mecânica de enredo no lugar da profundidade. Estilo onde deve haver substância." Steven Seagal: "Sofre daquela síndrome de Donald Trump de se achar muito mais capaz e talentoso do que realmente é." Ian McKellen: "Um mestre no que eu chamaria de atuação 'de frente'." Michael Caine: "Ser uma instituição sempre será melhor do que ter alcance." Johnny Depp: "Tão exagerado, tão superestimado." Cox não gosta do excesso de Método (embora ele seja tolerante com as autoflagelações de Jeremy Strong, que interpreta um de seus filhos em "Succession"), e não o faça começar a falar de diretores com suas notas inúteis ou atores que decidem reescrever suas falas (estamos te vendo, Edward Norton). Ou atores em geral, que são "prostitutas para elogios, presas da aprovação, capazes de matar nossa descendência em troca de validação e que vivem apenas para aplausos, literal e figurativamente".
Cox se inclui bastante nessa descrição e também na de marido infiel, de um "pai bastante ruim" e "um pouco diva". Talvez seja esse substrato de autoconhecimento que mais claramente o separa do sujeito profundamente introspectivo que ele habita na HBO. Bem, isso e seu cartão de maconha medicinal do estado de Nova York e a devoção irrestrita ao seu próprio ofício.
"É realmente sobre mostrar para as pessoas como somos. Os grandes escritores fazem isso, e os atores não devem atrapalhar ... Não se trata de 'eu vou te mostrar isso' e sim de 'vou compartilhar isso com você'". /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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