Fosse feita uns 15 anos atrás, Industry, ambientada no mundo das finanças, provavelmente teria no centro homens brancos vindos das melhores escolas inglesas. “Mas não tínhamos interesse nisso”, disse Mickey Down, que criou a série da HBO com Konrad Kay, em entrevista ao Estadão. “Queríamos pessoas que você nunca tinha visto na TV.”
Então a personagem principal é Harper (Myha’la Herrold), americana, negra, de classe média baixa. Os outros protagonistas também são todos “outsiders” de alguma maneira, segundo Down. Mas nem sempre de maneira óbvia: Yasmin (Marisa Abela) vem de família iraniana abastada, Hari (Nabhaan Rizwan) é filho de imigrantes, Gus (David Jonsson), negro que estudou em Eton, a escola frequentada pelos príncipes William e Harry, e Robert (Harry Lawtey) tem uma origem mais simples.
A escolha de personagens femininas, de classes sociais menos privilegiadas ou que não são brancas não foi uma tomada de posição. Para eles, era o que tornava a história mais interessante. E, a bem da verdade, ainda que o mercado financeiro seja ainda majoritariamente branco, heterossexual e masculino, a diversidade existe. Down e Kay sabem, porque trabalharam na indústria. “Isso porque os bancos estão preocupados com sua imagem.”
“Os bancos dizem que não importa sua origem socioeconômica, sexo, cor da pele, todos começam na mesma linha de partida”, afirmou Kay. “Então colocamos esses personagens que não vemos tanto na TV na mesma linha de partida e perguntamos em que diferentes tetos eles vão bater e quando?”
Por exemplo, Yasmin é chefiada por Kenny (Conor MacNeill), que faz dela uma garçonete de luxo e sente raiva porque a moça tem dinheiro. Já Harper fica sob a asa de Eric (Ken Leung), americano e não branco como ela e que lhe dá mais espaço para errar e aprender. “A verdade é que os dois abusam do seu poder com essas mulheres”, disse ao Estadão a atriz Marisa Abela. “Dá para perceber as microagressões diárias que as duas sofrem. É o cenário de uma cultura de assédio.”
Industry, que tem Lena Dunham (da série Girls) entre seus produtores, é uma espécie de Grey’s Anatomy, uma história de início de carreira, só que com um banco no lugar de um hospital, e mais sexo e drogas. Mas a narrativa é bem menos novelesca e mais sutil, com personagens surpreendentes que podem ser amados num momento e odiados em outro.
Harper, por exemplo, fará tudo para dar certo, afirmou a atriz Myha’la Herrold ao Estadão. “Sou negra, mulher, queer, então sei que sempre vou ter de ser melhor do que a pessoa a meu lado, porque estou começando de uma posição mais atrás.” Numa cena, diz para a insegura Yasmin que ela deve agir como os homens brancos heterossexuais, simplesmente sentindo ter o direito de estar ali e fazer sua voz ser ouvida. “É interessante porque Yasmin está acostumada, em seu mundo, a ter privilégios. Ela espera portas abertas. E Harper sabe que os bancos não estão configurados para elas e que ninguém vai dar nada de graça para as duas. Elas precisam tomar”, acrescentou Abela.
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