Estrelada por Jodie Foster, True Detective está de volta, exatos dez anos após o lançamento da primeira temporada. Em 2014, a série virou fenômeno da televisão mesclando uma investigação criminal no passado e no presente e reflexões sobre o sentido da vida.
Criada por Nic Pizzolatto, dirigida por Cary Joji Fukunaga e estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, foi a primeira série a atrair astros de Hollywood para a TV, hoje algo comum. As duas temporadas seguintes, porém, não tiveram o mesmo sucesso.
A quarta, True Detective: Terra Noturna, que chega à HBO e HBO Max no próximo domingo, 14, às 23h, é praticamente o oposto da primeira. No lugar de dois investigadores, duas investigadoras. Em vez de cores quentes, do sol, do calor e do suor da Louisiana, os tons frios, o gelo, a noite eterna e a fumaça saindo pela boca do Alasca.
“Meu objetivo era justamente fazer um espelho”, disse a produtora executiva e diretora Issa López em entrevista ao Estadão, em São Paulo. “Por que, se era para fazer a mesma coisa, melhor deixar o cara que tinha feito as outras, certo?”
Para ela, o fundamental era manter as coisas que realmente importavam. “Um professor me disse certa vez que o melhor tipo de adaptação foca no que realmente ficou com você. No caso de True Detective, o que permaneceu para mim são pessoas feridas tentando resolver um mistério envolvendo outras pessoas problemáticas, em um mundo dilacerado.”
O lugar é a fictícia cidade de Ennis, no Alasca, que passa os meses de inverno em uma noite eterna. As pessoas feridas, aqui, são as detetives Liz Danvers (a vencedora de dois Oscars Jodie Foster) e Evangeline Navarro (a boxeadora e atriz Kali Reis).
As duas não se dão muito bem, tanto por terem personalidades bastante distintas quanto por carregarem um segredo do passado. Mas vão ter de dar um jeito de trabalharem juntas depois de oito cientistas da Estação de Pesquisa Ártica Tsalal desaparecerem e serem encontrados congelados no meio do nada.
Navarro acredita que o caso está relacionado à morte de uma amiga, vários anos atrás. Um símbolo misterioso seria um elo entre as duas coisas – como na primeira temporada de True Detective, o inexplicável também aparece aqui.
Além disso, Ennis é uma comunidade majoritariamente de indígenas, que vêm sofrendo com diversos problemas, incluindo o desaparecimento de mulheres. Liz Danvers é uma das poucas pessoas brancas do local, junto com os policiais Hank Prior (John Hawkes) e seu filho, Peter (Finn Bennett).
Danvers, claro, não é a primeira investigadora da carreira de Jodie Foster. Ela ganhou o Oscar de melhor atriz por sua interpretação de Clarice Starling em O Silêncio dos Inocentes (1991), dirigido por Jonathan Demme, uma das inspirações de Issa López para criar a quarta temporada junto com O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, e filmes de John Carpenter.
“Eu amo a Liz porque ela é ‘sincerona’, e isso significa que ela é babaca boa parte do tempo”, disse Foster em São Paulo. “Eu descobri fazendo ‘O Silêncio dos Inocentes’ que a investigação é sempre apenas uma desculpa para os personagens se revelarem para os outros e para si mesmos.”
True Detective: Terra Noturna é a primeira produção para TV de Jodie Foster em sua fase adulta – ela começou sua carreira aos dois anos de idade e fez várias séries no início. A atriz tem trabalhado pouco, com grandes intervalos entre um projeto e outro. Coincidentemente, lançou no final de 2023 o longa-metragem Nyad, dirigido por Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, contracenando com Annette Bening – as duas atrizes concorrem ao Globo de Ouro pelo filme da Netflix.
Recentemente, apareceu no noticiário por ter dito que sente falta de mais dramas nos cinemas, em vez de produções de super-heróis. “Eu não retiro o que disse!”, afirmou ao Estadão. “Há espaço para todos. Mas os dramas são meu primeiro amor. Hoje, eles podem ser encontrados nos serviços de streaming”, explicou.
Filmes que fez no passado, como Nell (1994), de Michael Apted, não seriam realizados hoje, pelo menos não para o cinema. Sua decisão de fazer True Detective, portanto, tem a ver com isso. “O streaming é onde as narrativas estão hoje. É empolgante. As minisséries são a melhor coisa, pois permitem explorar o drama de maneira que não era possível em uma hora e meia.”
Ela também está feliz de poder fazer produções escritas e dirigidas por mulheres, cercada de outras mulheres no elenco. “Praticamente não havia diretoras até os meus 30 anos”, disse. E por poder contar narrativas centradas em outras perspectivas e culturas, como no caso, aqui, dos povos originários do Ártico.
É bonito e original ver a experiência indígena como uma experiência universal, já que na série quase todos os personagens são indígenas. Vemos todos os aspectos da vida indígena, do cara engraçado ao chato, da mulher cheia de filhos à professora.
Jodie Foster
Para Issa López, tudo já foi feito. Por isso, os detalhes são fundamentais. Mexicana, ela precisou mergulhar naquele universo gelado do Ártico para poder retratá-lo. Mas, ao mesmo tempo, acha que True Detective: Terra Noturna é seu projeto mais mexicano, até por incorporar alguns elementos sobrenaturais, que podem ou não ser reais.
“Não há como você me contratar e esperar que isso não entre”, disse López, que escreveu comédias românticas e até novela antes de encarar True Detective. “Faz parte de quem eu sou. Cresci na América Latina, e isso está na nossa comida, na nossa água, em tudo.”
Uma voz que nunca foi ouvida pode ter coisas interessantes a dizer. Centrar a história em duas personagens femininas, por exemplo, traz um frescor à narrativa batida de dois investigadores muito diferentes que vivem às turras. “Todo o conceito da chamada televisão de prestígio foi criado em torno do anti-herói masculino, de Tony Soprano a Walter White e Donald Draper”, disse López.
“Todos eram pessoas terríveis, extremamente problemáticas e fascinantes. Nós torcíamos por eles, mesmo sendo um pouco errado. Para mim, uma série como True Detective é perfeita para aprofundar a figura da anti-heroína, mulheres cheias de defeitos, problemáticas e por quem torcemos, mesmo que cometam muitos erros.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.