The Washington Post - Os primeiros anos de Juliette Lewis transcorreram numa velocidade vertiginosa. Ela trabalhou com Martin Scorsese e Oliver Stone, foi indicada ao Oscar, namorou Brad Pitt e se livrou do vício em drogas. Tudo antes dos 22.
Ela nunca se sentiu inclinada a seguir uma linha reta. Então, em 2003, Lewis embarcou num período sabático de seis anos para se dedicar à música com sua banda Juliette and the Licks, abrindo para Pretenders e Cat Power. “Eu fui para quebrar tudo mesmo”, diz Lewis, que também descreve suas performances. “Quando estava em turnê, voava na classe econômica, desbravando o mundo feito um roqueiro, dormindo em beliche, viajando de ônibus”.
Quando ela voltou a atuar, a indústria a havia esquecido – sempre faz isso. Mesmo que ela tivesse sido indelével em Cabo do Medo de Scorsese (ao lado de Robert De Niro), Assassinos por Natureza de Stone e Gilbert Grape de Lasse Hallström. Dentro do ônibus, longe dos holofotes.
Mas Lewis é guerreira, nem um pouco esnobe. Pegou o rumo de volta, aceitando tudo o que apareceu no caminho: sexta opção na lista de chamada, papéis de melhor amiga, aparições fugazes em sitcoms, anúncios da Old Navy.
Agora, aos 49 anos, ela está numa suíte do Four Seasons – chega de vida de ônibus – como estrela do viciante e agitado Yellowjackets, do Showtime. A última temporada terminou com Natalie, personagem que passou cinco vezes pela reabilitação com pensamentos suicidas e – alerta de spoiler! – enfurnada num quarto de motel até ser sequestrada. O papel de Lewis é um presente, está entre os melhores de sua carreira. A segunda temporada começou a ser transmitida na sexta-feira.
“2022 foi o ano de Juliette Lewis”, declarou a IndieWire – e com razão. Ela apareceu em três séries de televisão: como a “mãe sensível e progressista” Judy, como ela disse, em Queer as Folk; como Denise, fã cabeluda e “louca pela vida” que virou figurinista em Welcome to Chippendale’s; e, acima de tudo, como Natalie em Yellowjackets.
As duas primeiras séries foram limitadas, mas Lewis interpretará Natalie por pelo menos uma terceira temporada, e os produtores esperam que sejam cinco, a mais longa atribuição de sua carreira.
“Filmes são meu elemento. São meu DNA”, diz ela. “Eu sabia que o texto da série era muito bom, mas a desvantagem era que eu tinha fobia de compromisso. Estava com medo do contrato de longo prazo. Você abre mão de uma certa liberdade de tempo.”
Mas ela foi atraída pela ambição da série e pela profundidade do papel. “Sempre quero tentar fazer coisas que me deixem com medo”, diz ela. “Natalie tem esse alcance e especificidade. Você fica meio que competindo consigo mesma. Você não quer se repetir. Não quer usar truques. Tento me esticar o tempo todo quando possível. Não é diferente da vida real.”
Vestida de jaqueta jeans, legging vermelha e tênis azul elétrico, Lewis explode em fogos de artifício de pensamentos. O linear lhe escapa. As sentenças tendem a perambular e acabar em território novo.
“Sou uma garota do interior”, diz ela, embora não pareça nada disso, filha da designer Glenis Duggan Batley e do falecido ator Geoffrey Lewis. Ela foi criada nas proximidades de Tarzana como cientologista, o que ela deixou de discutir publicamente. Hoje se descreve como “espiritualista”.
Yellowjackets, entre Senhor das Moscas e Lost
Para os não iniciados, Yellowjackets é um Senhor das Moscas feminino cruzado com Lost, mas também algo inteiramente novo. É macabro, comovente, surpreendentemente engraçado, pontuado por momentos de tensão e totalmente convincente ao dramatizar que poucas coisas são mais assustadoras do que um bando de adolescentes empoderadas. A série salta entre 1996, quando um time campeão de futebol é abandonado na floresta canadense após um acidente de avião, e a atual Nova Jersey, quando mulheres adultas lutam com os segredos e traumas de seu tempo na natureza selvagem.
O elenco adulto apresenta um trio de atrizes talentosas e não convencionais que eletrizaram o público pela primeira vez nos anos 90: Lewis, Melanie Lynskey e Christina Ricci. Ao vê-las na tela, você fica se perguntando como ninguém pensou em colocá-las juntas antes.
“Assistia Christina e Melanie naquela época e ficava pensando, ‘Oh, mais uma figura rara’, o que é um elogio”, diz Lewis. “Adoro ver as pessoas fazendo o que você não espera. Todos nós trabalhamos de maneira muito semelhante”. Ela também se refere a si mesma como “de meia-idade” e “veterana”, o que soa impossível para qualquer pessoa com memórias robustas de assistir Lewis quando adolescente em Cabo do Medo. Foi 32 anos atrás. Lewis descreve o trabalho com Scorsese e Stone “como minha escola de pós-graduação. Esses diretores foram meus professores”.
Como Natalie, Lewis aparece em estado permanente de angústia e desprovida de vaidade: roupas amarrotadas, cabelos despenteados, rímel escorrido. “A noção das águas tempestuosas bem na superfície da personagem, provavelmente para o bem ou para o mal de Juliette, é algo com que ela se identificou de imediato”, diz a diretora e produtora executiva de Yellowjackets, Karyn Kusama. “No final da segunda temporada, teremos muito mais informações sobre as muitas tragédias de Natalie, sobre a maneira como o peso do passado define a personagem adulta”.
Apesar de toda a dor de sua personagem, Lewis diz: “Sinto que Natalie é a mais sã de todas. Sinto que é assim que um ser humano muito quebrado se expressaria. Se você gosta de um pouco de tragédia na sua comédia, Natalie é a resposta para você.”
Lynskey, que estrela como Shauna, a dona de casa de Jersey com habilidades espantosas com a faca e uma miríade de segredos, diz que “trabalhar com Juliette transporta você. É uma loucura o que ela consegue fazer”. Filmando uma cena nesta temporada, “Juliette estava tão delicada, ferida e interessante que, quando disseram ‘corta’, foi meio embaraçoso, porque eu estava chorando um pouco e definitivamente não deveria estar chorando. Aí olhei e a Lauren Ambrose também estava chorando”, a atriz de Six Feet Under que se junta ao elenco como a Van adulta.
No set, Lewis costuma dizer antes de uma cena árdua: “Espero que os anjos apareçam”. Lynskey diz: “Realmente parece que ela está incorporando alguma coisa.”
“Há momentos em que Juliette está na tela e caminha por uma sala, nunca vi alguém esculpir um espaço assim”, diz Jonathan Lisco, showrunner da série junto com os criadores Ashley Lyle e Bart Nickerson. “Ela tem uma absoluta falta de autoconsciência. Esta temporada vai ser um passeio de altos e baixos para Natalie. O desafio é sobreviver a seus demônios. Apesar do que elas passaram na floresta, todas têm uma saudade dinâmica daquela época, de coisas que nunca mais sentiram.” Entre os produtores e roteiristas, diz Lisco, Natalie é conhecida como “a caçadora”. Ela demonstra habilidades loucas com as armas de fogo.
“Natalie vacila entre uma raiva explosiva – embora ela jamais machucaria ninguém – e uma poça de tristeza, culpa e vergonha”, diz Lewis. “Acho que os showrunners gostam de me ver com raiva. É cansativo. Eu me esgoto. Ela não demonstra muita leveza, felicidade, riso”. Em duas temporadas, cada uma exigindo filmagens de cinco meses perto de Vancouver, “acho que tem apenas uma cena em que eu dou risada, em que ela está se divertindo por um minuto”.
Lewis compara suas cenas muitas vezes cômicas com Ricci, que interpreta a semissociopata Misty, com Bette Davis e Joan Crawford em O que Terá Acontecido a Baby Jane?, embora “seja difícil dizer quem é Joan e quem é Bette”.
Ela ficou encantada com a variedade de fazer três séries de televisão recentes, por serem muito procuradas, “mas isso é uma coisa que acho que nunca mais vou fazer”. Ela descreveu seus papéis em Welcome to Chippendales e Queer as Folk como muito mais leves, um prazer, ao passo que “Natalie está raspando o fundo do poço.”
Tate Taylor dirigiu Lewis em Ma, Breaking News in Yuba County e três episódios de Filthy Rich, da Fox. Ele queria escalá-la em seu hit, The Help, mas Lewis não estava disponível. (Qual papel? “Não vou dizer”, diz Taylor). “Ela é uma atriz muito enérgica, uma atriz muito visceral, com muito movimento”, diz ele. “Acho que é um dos talentos mais subutilizados no nosso negócio. Ela precisa estar em tudo.”
Música e novos projetos
Longe do set, Lewis se desvia de qualquer roteiro. É uma roqueira em recuperação que está mais feliz na sua casa de campo no sul da Califórnia com seus cachorros, em busca de uma cômoda para o quarto. Casada com o skatista e empresário Steve Berra de 1999 a 2003, Lewis está solteira e é uma tia dedicada. Ela é a orgulhosa proprietária de um Dodge Challenger turbinado, não muito diferente daquele que ela e Woody Harrelson dirigem em Assassinos por Natureza. Certa vez, resgatou um cavalo de “uma vida no cinema” depois de filmar um com o animal na Espanha e no México. “Paguei muito dinheiro para trazer o cavalo para o país. Aí descobri que o cavalo era completamente impossível de montar”. Então ela mandou o cavalo para uma fazenda para animais feridos. “Foi muito simbólico.”
Lynskey lembrou de ter sentado com Lewis no ano passado no Hollywood Critics Association Awards, onde ambas foram indicadas a melhor atriz em série dramática. (Lynskey venceu). Lewis começou a se preocupar com o atraso do evento, dizendo a sua incrédula colega que ela tinha um encontro depois. “Para a maioria das pessoas, seria a noite inteira”, diz Lynskey.
Durante o intervalo entre as temporadas dois e três de Yellowjackets, Lewis está filmando The Thicket em Calgary. É um thriller de faroeste sombrio com Peter Dinklage. Ela interpreta uma assassina violenta chamada Cut Throat Bill. Sim, Bill, diz Lewis, “vou ficar um pouco irreconhecível”.
Depois de um papel como o de Natalie, “eu gostaria de interpretar uma aristocrata simpática e cheia de manias”, diz ela. Difícil de imaginar. “Talvez não. Talvez uma cantora de jazz”. Ela está escrevendo um filme, “um exagero de temas de coisas pelas quais passei. É vagamente, vagamente autobiográfico” – e também quer dirigir. “Provavelmente vou produzir algumas coisas. Adoro contar histórias. Quero lançar uma série de TV, da qual não vou participar, sobre o início da cena punk.” Ela está interessada em “maneiras de contar histórias onde não estou na frente da câmera”.
Ah, e ela quer fazer óleos essenciais. Sério. Lewis adora óleos essenciais.
“Juliette tem uma visão verdadeiramente específica e única do mundo”, diz Kusama. “Há momentos em que ela simplesmente me deixa louca com sua curiosidade e franqueza.”
Lewis entende o negócio. “Você sempre pode trabalhar. Sempre pode conseguir um trabalho ruim”, diz ela. “Mas tenho um nome agora”, o que significa que ela está igualando as performances e os papéis de sua primeira explosão, três décadas atrás.
Nunca foi uma linha reta. Para Lewis, isso nem faria sentido. “Mas criei esse caminho engraçado e descolado que chamo de meu”, diz ela. E agora ninguém vai esquecê-la tão cedo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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