Na primeira vez em que Juno Temple ouviu falar do ator Jason Sudeikis, ela presumiu que ele tivesse mandado mensagem para a atriz errada.
Por uma década e meia, Temple interpretou um desfile de mulheres jovens e perturbadoras em filmes como Desejo e Reparação, Killer Joe - Matador de Aluguel e Desejos da Tarde. Ela quase nunca tinha feito comédia. Então, quando Sudeikis mandou para ela a mensagem sobre um papel na série Ted Lasso, a série extravagantemente agradável e ultra-indicada ao Emmy que começa sua segunda temporada na Apple TV+ na sexta-feira, ela achou que ele a tinha confundido com outra pessoa.
‘Eu fiquei pensando, tipo, nossa, esse negócio vai ser esquisito”, disse Temple, 32 anos, recostada num travesseiro peludo na varanda de sua casa em Los Angeles durante uma videochamada dias atrás.
Mas Sudeikis não tinha se enganado. Ted Lasso, uma sitcom sobre um técnico de futebol americano despachado para treinar um clube da liga inglesa, é uma série predominantemente masculina. Brendan Hunt, um dos criadores, caracterizou o programa como “muito, muito carregado nos caras”. Mas tinha dois papéis excelentes para as mulheres: Rebecca Walton, a dona do time, e Keeley Jones, a namorada de um jogador famoso. Os produtores estavam com dificuldade para escalar Keeley.
Keeley é uma garota glamorosa e, às vezes, modelo topless. “Eu sou meio que famosa por ser quase famosa”, ela explica num dos primeiros episódios. As atrizes com quem os produtores tinham feito o teste acabavam enfatizando a aparência brilhante do corpo de Keeley, não a cabeça e o coração por baixo dele. Temple, que se define como uma “esquisitona” não muito voluptuosa, não era a escolha mais óbvia.
Brett Goldstein, ator e roteirista de Ted Lasso que interpreta o interesse amoroso de Keeley na 2ª temporada, lembrou-se quando o nome de Temple surgiu. “Eu pensei, uau, está aí uma bela escolha para o time dos desajustados. Você sabe, por causa de todo aquele ar sombrio”, disse ele.
Mas Sudeikis a vira trabalhar em Vinyl, uma minissérie de Martin Scorsese que estrelou a então namorada de Sudeikis, Olivia Wilde. Ele intuiu que ela interpretaria Keeley de um jeito diferente.
E foi o que ela fez. O rabo de cavalo alto e os sapatos de salto alto ajudam Temple - que tem um metro e sessenta - a ficar alta na pele de Keeley. Um sutiã arquitetônico e um par de enchimentos fornecem aquele glamoroso look de modelo. Mas Temple empresta a Keeley algo todo seu: uma generosidade de espírito e um brilho incessante que a maquiagem dos olhos por si só não consegue explicar.
“Ela é incrível”, disse Goldstein, que tem uma tendência para usar palavras coloridas dentro e fora das telas. “Ela é pura luz”. E também é indicada ao Emmy, concorrendo na categoria de melhor atriz coadjuvante em comédia por seu papel como Keeley - uma das vinte indicações que a série recebeu na sua primeira temporada.
Para Temple, filha do diretor de cinema experimental Julien Temple e da produtora Amanda Pirie, atuar sempre pareceu inevitável. Ela se lembra vividamente de ter pegado catapora quando tinha quase 4 anos e só encontrar consolo numa cópia em laserdisc de A Bela e a Fera, de Jean Cocteau.
“É a primeira memória que tenho de ver um filme e acreditar na magia”, disse ela. “Lembro de pensar que queria fazer parte daquilo”.
Quando tinha 14 anos, ela disse aos pais que precisava ser atriz. “Posso aprender sobre mim mesma e aprender sobre todas as diferentes esferas da vida, e todas as diferentes perspectivas e todas as diferentes mágoas”, ela explicou a eles. “Aí os dois disseram: ‘Sério? Tem certeza? Por favor, não. Oh, meu Deus, não’”.
Mas sua mãe a levou a uma audição para o filme Notas sobre um Escândalo. Ela ficou com o papel. E logo depois veio a participação no filme Desejo e Reparação. Em 2013, ela ganhou um prêmio Bafta de Estrela em Ascensão. Três anos mais tarde, o Guardian a chamou de “uma rosa inglesa, com bochechas rosadas e toneladas de sexualidade esperando para sair”. (Toneladas?).
As pessoas às vezes perguntam a Temple se ela é uma atriz do método. Ela diz que não. “Eu já teria morrido umas quinze vezes até agora”, disse ela. “Mas eu com certeza aprendi muito com essas personagens femininas extraordinárias”.
Stacie Passon, que dirigiu Temple em Little Birds, a adaptação de Starz dos contos eróticos de Anaïs Nin, percebeu seu profundo interesse pelo comportamento humano e sua clara inteligência cinematográfica. Ela sempre disse a Temple que ela seria uma boa diretora, mas Temple nunca pareceu se interessar.
“Ela dizia: ‘Tenho muito mais coisas para contar para a câmera’”, disse Passon.
Desde seus primeiros filmes, Temple gravitou em torno de papéis sexualizados. Ou talvez esses papéis gravitassem em torno dela. Nas entrevistas, ela às vezes encarnava essa persona, dizendo a um jornalista do Guardian que falou em “toneladas de sexualidade”: “Eu finalmente cheguei à puberdade diante das câmeras. Uhuuu!”. Ela confessou ao Independent que compra lingerie para cada personagem que interpreta e, em 2016, fez uma campanha para a marca de artigos íntimos de luxo Agent Provocateur. No ano passado, quando estava promovendo Little Birds, ela apresentou um tom blasé a outro jornalista do Guardian: “Eu realmente não fico nervosa nas cenas de sexo. Já fiz um monte delas agora”.
Como Temple raramente fazia comédia, ela teve de aprender em Ted Lasso, passo a passo, cena a cena. O elenco foi paciente, disse ela. E todo mundo se dispunha a responder a perguntas como “Como isso é engraçado?”.
Temple nunca interpretou uma personagem tão gentil quanto Keeley, nem alguém que gostasse da amizade feminina amorosa e descomplicada que ela desenvolve com Rebecca (Hannah Waddingham, também indicada ao Emmy). Keeley ajudou Temple a sobreviver ao lockdown pandêmico”.
“Foi uma coisa muito boa para o meu cérebro não interpretar uma personagem que estava passando por muitas transições problemáticas, ou experimentando autoaversão ou um monte de outras coisas complicadas que eu tentava botar na tela”, ela disse. “Eu pude ser mais gentil comigo mesma”.
Há algo de viciante nessa gentileza. Temple quer interpretar mais personagens como Keeley, disse ela, mas não apenas personagens como ela. O objetivo, disse ela, é fazer com que as mulheres se sintam menos sozinhas, um papel de cada vez.
“É uma coisa que o cinema fez por mim, e espero ser capaz de fazer por outras mulheres”, disse ela. “Porque às vezes ser mulher é a maior, mais bela e mais maravilhosa coisa do mundo. E às vezes é uma tragédia”.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.
Tradução de Renato Prelorentzou.
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