A trilogia O Senhor dos Anéis provou que produções com elfos, anãos, hobbits e magos podiam ser levados a sério, render muito dinheiro e ganhar muitos Oscars - os longas dirigidos por Peter Jackson levaram 17 estatuetas, incluindo melhor filme para O Retorno do Rei.
Em 2011, Game of Thrones provou que séries de fantasia podiam ter cenas de ação e efeitos visuais melhores que os de muitos filmes, ser um sucesso de público, crítica e prêmios.
O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, que estreou na noite desta quinta-feira, 1º, no Prime Video, chegou para juntar as duas coisas: uma série inspirada em notas de apêndice e anotações de J.R.R. Tolkien que não fica devendo nada em termos de efeitos visuais para as obras de Peter Jackson.
**A seguir, spoilers dos dois primeiros episódios de 'O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder'. Só leia depois de assistir**
A maior diferença é que a série é menos branca e tem muito mais personagens femininas de destaque, a começar por Galadriel (Morfydd Clark), que aparecia bem diferente na trilogia em um papel marcante, mas pequeno, de Cate Blanchett. Aqui, ela é uma guerreira determinada a provar que Sauron, o seguidor de Morgoth, mestre do mal, não desapareceu, nem os seus orcs. Sauron matou o irmão de Galadriel, um elfo que, se não fosse por isso, teria vivido para sempre.
Em uma missão, provavelmente a última, ela acredita estar na pista certa. Mas, depois de enfrentar um Troll das Neves, sua companhia a abandona. De volta a Lindon, a capital dos Altos-Elfos, recebe a notícia de que o Alto-Rei Gil-Galad (Benjamin Walker) decretou que a Terra-Média vive tempos de paz, que Sauron e os orcs foram eliminados. Galadriel é enviada para uma espécie de aposentadoria no paraíso, sentindo-se traída por seu amigo, o político Elrond (Robert Aramayo, que coincidentemente fez o jovem Eddard Stark em GoT e é bem diferente de Hugo Weaving, o intérprete do personagem nos filmes de Jackson). Galadriel, porém, decide que essa vida não é para ela e pula do barco. Encontra um grupo de náufragos em alto-mar, do qual só sobrevive o misterioso Halbrand (Charlie Vickers).
Enquanto isso, a personagem principal do núcleo dos Pés-Peludos, antepassados dos hobbits, é Nori (Markella Kavenagh), uma jovem aventureira e destemida que destoa do jeito pacato e precavido dos outros integrantes da sua comunidade. Logo na sua primeira cena, ela leva as crianças para colher amoras e quase acabam atacados por um lobo. Depois, segue a bola de fogo que caiu do céu e encontra um homem alto, cabeludo, de olhos azuis apertados, nu (Daniel Weyman). E decide ajudá-lo. Ainda há generosidade na Terra-Média.
Nas Terras do Sul, habitada por humanos, Bronwyn (Nazanin Boniadi) cuida sozinha do filho Theo (Tyroe Muhafidin), trabalha e mata um orc se preciso. E é, mesmo que Gil-Galad tenha decidido retirar os elfos que vigiam o local. Entre eles está Arondir (Ismael Cruz Cordova), que tem uma queda por Bronwyn. Mas elfos como ele não são bem-vistos pela comunidade, que inclusive apoiou Morgoth em sua tentativa de espalhar o Mal pela Terra-Média. Por causa da nova ameaça, eles evacuam a cidade.
Já no Reino Anão de Khazad-Dûm, o príncipe pode ser Durin IV (Owain Arthur), mas é sua mulher, a Princesa Disa (Sophia Nomvete) quem provoca a reaproximação dele com Elrond. O elfo vai propor um negócio ao amigo. Só que Durin ficou magoado com Elrond, que não compareceu ao seu casamento nem ao nascimento dos seus dois filhos - 20 anos são nada na vida de um elfo, mas são tudo na vida de um anão. É um dos momentos de leveza dos dois primeiros episódios.
Elrond está trabalhando com o elfo artesão Celebrimbor (Charles Edwards), que deseja construir a maior forja para desenvolver a Terra-Média. Isso e o título dão uma dica do que na verdade ele vai criar, o que liga essa saga a O Senhor dos Anéis. Como A Casa do Dragão explica o que acontece depois em Game of Thrones, Os Anéis de Poder é um prelúdio da jornada para destruir o anel desejado por Sauron.
Teve gente reclamando da presença de pessoas não-brancas no elenco, especialmente de Ismael Cruz Cordova no papel de um elfo. É bom lembrar que elfos nem existem na vida real. Pessoas negras, sim. Tem espaço para todo o mundo.
Os dois episódios são introdutórios, com bastante exposição e muita trama acontecendo. Ainda não deu para se apegar muito aos personagens. As que geram mais simpatia são Nora e a Princesa Disa, duas adições mais que bem-vindas ao universo feminino de Tolkien.
O que chama a atenção mesmo é a qualidade da produção. O fã de fantasia vai ficar satisfeito com as cenas de ação e de terror e com a construção do universo.
Pontos para prestar atenção
- É bem legal ver o magnífico Reino dos Anãos Khazad-Dûm, que aparece em A Sociedade do Anel já sem seu esplendor. No filme, a expedição precisa passar pela cidade abandonada, escura e cavernosa e conhecida como Moria. Gimli tinha razão.
- Galadriel passa o primeiro episódio inteiro tentando avisar que Sauron não está acabado. Ninguém acredita. É apenas um erro ou o desejo de normalidade simplesmente faz com que os Altos-Elfos não enxerguem a realidade?
- Aliás, onde ela vai parar no final do segundo episódio, hein?
- E quem desses todos vai se encantar pelos poderes de Sauron? Celebrimbor é candidato. Homens obcecados por seu legado costumam ser presas de promessas fáceis. Theo, que encontra um pedaço de uma antiga espada com o símbolo de Sauron, também.
- Por fim, a pergunta que não quer calar: quem é o humanoide grande e misterioso que cai perto de onde os Pés-Peludos estão acampando? Ele tem barba e cabelos longos, rosto comprido, olhos azuis e conversa com insetos, vagalumes, no caso - na cena mais linda dos dois primeiros episódios, aliás. Não sei, não, mas ele não lembra um certo mago?
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