Kim Kardashian deve seu império a uma sex tape de 2007, que levou a Keeping Up with the Kardashians e alimentou a sanha pela criação de celebridades e pela espiadinha em suas vidas. Kim e suas irmãs foram alçadas de meninas ricas a ícones da beleza e da moda, indo das revistas de fofoca para a capa da Vogue.
Mas, doze anos antes, a internet era mato, e o cenário era bem diferente. Quando uma fita da lua de mel de Pamela Anderson e Tommy Lee vazou, o resultado foi bem outro – principalmente para ela. A minissérie Pam & Tommy, criada por Robert D. Siegel, que estreia os três primeiros de seus oito episódios nesta terça-feira, 1º, no Star+, busca destrinchar como.
Ao contrário de Kim Kardashian, na época uma mera assistente de Paris Hilton, Pamela Anderson era a estrela de Baywatch, a série cafona e popular sobre um grupo de salva-vidas nas praias de Malibu, na Califórnia. Já Tommy Lee (Sebastian Stan) era o baterista da banda de heavy metal Mötley Crue. Os dois se conheceram e, quatro dias mais tarde, estavam casados.
Mas Pam & Tommy começa com a história quase inacreditável de como a fita teria sido obtida. Pouco depois do casamento, Lee (Sebastian Stan) resolveu fazer uma reforma na sua mansão. Entre seus contratados, estava o carpinteiro Rand (Seth Rogen). Cansado de tantas mudanças no projeto, sem que o músico pagasse o que lhe devia, ele cobrou Tommy Lee e foi demitido sem pagamento. Rand decidiu então roubar o cofre da casa, esperando encontrar joias e dinheiro. Achou uma sex tape, com a qual tentou ganhar uma graninha – e se vingar.
Pamela (Lily James, de Cinderela) mal aparece no primeiro episódio. “Eu sabia que o público viria com suas expectativas e pré-julgamentos, então quis brincar com isso, mostrar o ponto de vista do Rand primeiro”, disse ao Estadão o diretor dos três primeiros episódios, Craig Gillespie – que usou uma estrutura parecida em Eu, Tonya, sobre outra figura polêmica dos anos 1990, a patinadora artística Tonya Harding.
O segundo episódio, porém, mostra como Pamela e Tommy se encontraram, se apaixonaram e se casaram, em pouco mais de 90 horas. Nesse capítulo, era importante que se entendesse a química entre os dois e como eles se deixam levar pelo momento. “Eu estava nervoso porque o cenário é caótico, com muita festa, drogas, era fácil o espectador julgar Pamela e Tommy”, disse o diretor.
Mas os dois têm atitudes quase inocentes, como só fazer sexo depois do casamento. Tommy Lee também conversa com seu próprio pênis. “Está em seu livro de memórias, ou jamais teria cogitado filmar, mas sabia que ia dar certo porque Sebastian Stan é um grande ator”, disse Gillespie. “Quando o espectador os conhece, acaba percebendo que é cúmplice do que a mídia fez com os dois. Torna-se um diálogo bem mais complexo com o público.”
Apesar de haver exposição corporal e sexo, o tom é exagerado, quase falso, com animação e próteses no lugar de pênis e seios. E é de propósito, claro, quase como dizendo ao espectador em casa que ele não tem direito de ver aquilo – como não tinha na época do vazamento da fita. Quando Pamela e Tommy descobrem que seus momentos íntimos estão rodando o mundo, há uma reviravolta no tom e na perspectiva. Os dois viram seres humanos mais completos. É impossível não simpatizar especialmente com ela, e fica bem claro que Pam & Tommy, na verdade, é a história de Pamela Anderson – não à toa, os cinco episódios finais são todos dirigidos por mulheres.
Porque foi ela quem mais perdeu com a história. Tommy Lee ficou com fama de garanhão, e Pamela, de mulher fácil. E Lily James, apesar de toda a maquiagem para ficar parecida com a atriz, em um trabalho de caracterização impressionante, consegue passar a clareza de Pamela quando ela percebe que isso vai acontecer. Anderson citava como seu modelo Jane Fonda, que podia ser múltiplas em uma. Mas ela nunca pôde ser nada mais do que a moça no maiô vermelho cavado de Baywatch ou a mulher dada que foi filmada fazendo sexo com seu marido.
“É muito bom poder voltar a esse episódio sob o ponto de vista de hoje e perceber como o tratamento das mulheres era atroz”, disse Gillespie. Na época, havia muitas histórias de mulheres tentando falar de abuso, como Anita Hill, que denunciou o assédio sexual do então candidato a juiz da Suprema Corte Clarence Thomas, ou Monica Lewinsky, que acusou o presidente Bill Clinton do mesmo. “E elas sempre saíram perdendo.”
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