Por que a família real britânica é tão popular?

Tradição, marketing e capacidade de se adaptar aos novos tempos fazem da dinastia chefiada pela rainha Elizabeth um sucesso em pleno século 21

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Foto do author Ana Carolina Sacoman

Pouco mais de 60% dos britânicos são a favor da manutenção da monarquia, enquanto outros 74% aprovam a atuação da rainha Elizabeth II, o membro mais popular da realeza no momento. Os números, de pesquisa feita pela empresa YouGov com 3 mil britânicos e divulgada em fevereiro do ano passado, oscilam conforme o escândalo da vez, mas a família real britânica se mantém firme no posto, apesar de custar mais de R$ 4,7 bilhões por ano aos bolsos dos súditos. Qual o segredo de um reinado tão longevo e popular? Para quem entende do assunto, trata-se de uma bem-sucedida mistura de tradição, marketing e capacidade de se adaptar aos novos tempos - esta última habilidade, é bom lembrar, aprendida a duras penas.

 

Família real reunida em 2015, para a celebração do aniversário de Elizabeth II. Foto: REUTERS/Stephen Wermuth

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“Não existe outra dinastia com o grau de publicidade que eles têm. Os Windsors souberam se apegar a essa ferramenta como uma forma de sobrevivência”, afirma a professora Astrid Beatriz Bodstein, pesquisadora de monarquia e protocolo real, cujo perfil no Instagram, @royaltyandprotocol, tem mais de 49 mil seguidores. O poderio alcançado pelo império britânico a partir do século 16, que chegou a dominar quase um quarto do mundo, e o fato de Elizabeth ser a monarca do Reino Unido e chefe da Commonwealth, com seus 53 países-membros, também ajudam a explicar o alcance global da marca. Mas não é só.

A massificação do “produto família real” vem quando eles aprendem a usar os meios de comunicação de forma eficaz, o que fez com que, por exemplo, milhares acompanhassem os casamentos de Charles e Diana, em 1981, e o de William e Kate, em 2011 - dois dos eventos mais vistos em todo o mundo. A virada nesse sentido vem em 1953, quando a coroação de Elizabeth é televisionada e acompanhada por 20 milhões de pessoas, ou 40% dos moradores do Reino Unido então - em uma época em que menos de um terço dos lares britânicos tinha um aparelho de TV.

“Foi um golpe de mestre para que eles se popularizassem de vez”, diz a pesquisadora Astrid. “Hoje até mesmo os membros periféricos da família real têm suas legiões de seguidores nas redes sociais. Embora o marketing seja usado por outras dinastias, eles conseguem aparecer para um número maior de pessoas.”

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Popularidade que pode ser conferida em qualquer loja de souvenir da Inglaterra, que vende de canecas a panos de prato e camisetas com os rostos reais. Sim, a monarquia britânica vende, e bem. Em 2017, uma consultoria independente estimou que o turismo em torno dos Windsors gerou 550 milhões de libras e que mais de 2,7 milhões de pessoas visitaram as atrações reais. A Torre de Londres, por exemplo, se mantinha, até antes da pandemia, entre os lugares mais visitados da capital inglesa, ao lado do Museu Britânico e da Tate Modern - estes dois últimos com entrada franca. 

Souvenirs da família real estão por toda parte; Windsors ajudam a movimentar o turismo. Foto: REUTERS/Henry Nicholls

É verdade que essa imagem cuidadosamente construída volta e meia sofre arranhões. Séries como The Crown, cuja quarta temporada foi ao ar em novembro de 2020 na Netflix, mostram muito bem os altos e baixos da família real - do rei Edward, que abdica ao trono pela mulher, Wallis Simpson, ao dramalhão que foi o relacionamento entre Charles e Diana. Mesmo aí, o “gabinete de crise” entra em ação, e a imagem da monarca e dos outros atores reais é, de alguma forma, reconstruída.

“A rainha só faltou dar uma festa quando Lady Di morreu, demorou a aparecer, a se pronunciar. Até que percebeu a comoção que tinha tomado conta do país e organizou um enterro que foi quase um show”, afirma Maria Elisa Cevasco, professora titular de literaturas em inglês da USP.

 

Elizabeth e princesa Margareth no funeral de Lady Di: mudança de postura diante da comoção nacional. Foto: AFP PHOTO/WTN

 

 

Ser inglês

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Maria Elisa também chama a atenção para o fato de que a realeza incorpora os símbolos da Inglaterra, o “ser inglês”. “Benedict Anderson (cientista político) dizia que nação é uma comunidade imaginária, e a família real me faz pensar isso. Um dos elementos do imaginário na Inglaterra é a família real, ela materializa significados e valores que os britânicos acreditam que os definem”, diz. Entre eles, afirma a professora, está justamente a resiliência, característica da qual se orgulham. “Eles gostam de dizer sobre si: ‘nós aguentamos as pontas’.”

Da mesma forma, Elizabeth e companhia se adaptam muito bem aos novos tempos, e tiram partido disso. O exemplo mais evidente foi a chegada de Meghan Markle - negra, americana e divorciada à casa real. “Se ela (Elizabeth) tivesse barrado esse casamento, haveria uma reação muito negativa na sociedade. Essa união mostrou que a monarquia britânica tem um senso aguçado de adaptação à realidade”, diz a pesquisadora da monarquia Astrid.

 

Sempre de tailleur e chapéu, rainha Elizabeth manda suas mensagens por meio das cores. Foto: Jack Hill/Pool via REUTERS

 

 

Mensagem

A moda também tem papel relevante na construção dessa imagem para o mundo. As mulheres da família real dominam como ninguém a arte de passar mensagens por meio de seu guarda-roupa. Lady Di foi a maior expoente nesse sentido, mas também a rainha ou Kate Middleton têm os seus momentos. 

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“As mulheres são as grandes protagonistas dessa história, que todo mundo acompanha como se fosse um reality show. Elas sabem muito bem conjugar os elementos de estilo para comunicar o que está acontecendo”, afirma Heloisa Marra, especialista em cultura de moda.  Ela cita a mudança de paleta de cores usada por Elizabeth ao longo dos anos, dos tons sóbrios dos duros anos 80 a cores mais berrantes agora. “Ela usa sempre tailleur e chapéu, então, se comunica por meio das cores.”

E em matéria de mandar uma mensagem ao mundo, o inesquecível “revenge dress” seja talvez imbatível. Diana usou a peça, curta, decotada e preta - cor que a família real reserva para funerais - em um evento na mesma noite em que Charles admitia o adultério com Camilla em rede nacional. 

“Lady Di  representou a ruptura. Aos poucos, ela vai trocando os conjuntinhos, os tailleurs, e vai ficando menos formal, mais comunicativa e acessível”, afirma Heloisa. “Mas a reviravolta vem mesmo pouco antes da morte dela (em 1997), quando finalmente se liberta dos protocolos reais.”