Pouco mais de 60% dos britânicos são a favor da manutenção da monarquia, enquanto outros 74% aprovam a atuação da rainha Elizabeth II, o membro mais popular da realeza no momento. Os números, de pesquisa feita pela empresa YouGov com 3 mil britânicos e divulgada em fevereiro do ano passado, oscilam conforme o escândalo da vez, mas a família real britânica se mantém firme no posto, apesar de custar mais de R$ 4,7 bilhões por ano aos bolsos dos súditos. Qual o segredo de um reinado tão longevo e popular? Para quem entende do assunto, trata-se de uma bem-sucedida mistura de tradição, marketing e capacidade de se adaptar aos novos tempos - esta última habilidade, é bom lembrar, aprendida a duras penas.
“Não existe outra dinastia com o grau de publicidade que eles têm. Os Windsors souberam se apegar a essa ferramenta como uma forma de sobrevivência”, afirma a professora Astrid Beatriz Bodstein, pesquisadora de monarquia e protocolo real, cujo perfil no Instagram, @royaltyandprotocol, tem mais de 49 mil seguidores. O poderio alcançado pelo império britânico a partir do século 16, que chegou a dominar quase um quarto do mundo, e o fato de Elizabeth ser a monarca do Reino Unido e chefe da Commonwealth, com seus 53 países-membros, também ajudam a explicar o alcance global da marca. Mas não é só.
A massificação do “produto família real” vem quando eles aprendem a usar os meios de comunicação de forma eficaz, o que fez com que, por exemplo, milhares acompanhassem os casamentos de Charles e Diana, em 1981, e o de William e Kate, em 2011 - dois dos eventos mais vistos em todo o mundo. A virada nesse sentido vem em 1953, quando a coroação de Elizabeth é televisionada e acompanhada por 20 milhões de pessoas, ou 40% dos moradores do Reino Unido então - em uma época em que menos de um terço dos lares britânicos tinha um aparelho de TV.
“Foi um golpe de mestre para que eles se popularizassem de vez”, diz a pesquisadora Astrid. “Hoje até mesmo os membros periféricos da família real têm suas legiões de seguidores nas redes sociais. Embora o marketing seja usado por outras dinastias, eles conseguem aparecer para um número maior de pessoas.”
Popularidade que pode ser conferida em qualquer loja de souvenir da Inglaterra, que vende de canecas a panos de prato e camisetas com os rostos reais. Sim, a monarquia britânica vende, e bem. Em 2017, uma consultoria independente estimou que o turismo em torno dos Windsors gerou 550 milhões de libras e que mais de 2,7 milhões de pessoas visitaram as atrações reais. A Torre de Londres, por exemplo, se mantinha, até antes da pandemia, entre os lugares mais visitados da capital inglesa, ao lado do Museu Britânico e da Tate Modern - estes dois últimos com entrada franca.
É verdade que essa imagem cuidadosamente construída volta e meia sofre arranhões. Séries como The Crown, cuja quarta temporada foi ao ar em novembro de 2020 na Netflix, mostram muito bem os altos e baixos da família real - do rei Edward, que abdica ao trono pela mulher, Wallis Simpson, ao dramalhão que foi o relacionamento entre Charles e Diana. Mesmo aí, o “gabinete de crise” entra em ação, e a imagem da monarca e dos outros atores reais é, de alguma forma, reconstruída.
“A rainha só faltou dar uma festa quando Lady Di morreu, demorou a aparecer, a se pronunciar. Até que percebeu a comoção que tinha tomado conta do país e organizou um enterro que foi quase um show”, afirma Maria Elisa Cevasco, professora titular de literaturas em inglês da USP.
Ser inglês
Maria Elisa também chama a atenção para o fato de que a realeza incorpora os símbolos da Inglaterra, o “ser inglês”. “Benedict Anderson (cientista político) dizia que nação é uma comunidade imaginária, e a família real me faz pensar isso. Um dos elementos do imaginário na Inglaterra é a família real, ela materializa significados e valores que os britânicos acreditam que os definem”, diz. Entre eles, afirma a professora, está justamente a resiliência, característica da qual se orgulham. “Eles gostam de dizer sobre si: ‘nós aguentamos as pontas’.”
Da mesma forma, Elizabeth e companhia se adaptam muito bem aos novos tempos, e tiram partido disso. O exemplo mais evidente foi a chegada de Meghan Markle - negra, americana e divorciada à casa real. “Se ela (Elizabeth) tivesse barrado esse casamento, haveria uma reação muito negativa na sociedade. Essa união mostrou que a monarquia britânica tem um senso aguçado de adaptação à realidade”, diz a pesquisadora da monarquia Astrid.
Mensagem
A moda também tem papel relevante na construção dessa imagem para o mundo. As mulheres da família real dominam como ninguém a arte de passar mensagens por meio de seu guarda-roupa. Lady Di foi a maior expoente nesse sentido, mas também a rainha ou Kate Middleton têm os seus momentos.
“As mulheres são as grandes protagonistas dessa história, que todo mundo acompanha como se fosse um reality show. Elas sabem muito bem conjugar os elementos de estilo para comunicar o que está acontecendo”, afirma Heloisa Marra, especialista em cultura de moda. Ela cita a mudança de paleta de cores usada por Elizabeth ao longo dos anos, dos tons sóbrios dos duros anos 80 a cores mais berrantes agora. “Ela usa sempre tailleur e chapéu, então, se comunica por meio das cores.”
E em matéria de mandar uma mensagem ao mundo, o inesquecível “revenge dress” seja talvez imbatível. Diana usou a peça, curta, decotada e preta - cor que a família real reserva para funerais - em um evento na mesma noite em que Charles admitia o adultério com Camilla em rede nacional.
“Lady Di representou a ruptura. Aos poucos, ela vai trocando os conjuntinhos, os tailleurs, e vai ficando menos formal, mais comunicativa e acessível”, afirma Heloisa. “Mas a reviravolta vem mesmo pouco antes da morte dela (em 1997), quando finalmente se liberta dos protocolos reais.”
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