Enquanto filmavam a série As Aventuras de José e Durval, estreia da Globoplay nesta sexta-feira, 18, os atores e irmãos Rodrigo, 31 anos, e Felipe Simas, 30, dividiram o mesmo apartamento em São Paulo. “A gente se olhava estranho. Era bom, mas, aos mesmo tempo, era esquisito a gente estar resgatando algo que não era mais também, que vinha da nossa infância”, diz Rodrigo.
Escolhidos para viver, respectivamente, Chitãozinho e Xororó na série ficcional dirigida por Hugo Prata, Rodrigo e Felipe redescobriram o amor fraternal, agora, amadurecido.
“Nossos pais nos ensinaram o amor, mas, na infância, ele é quase um instinto. Atualmente, amo Rodrigo de maneira mais racional, por tudo o que ele representa, por tudo o que ele é e pelo o que vivemos juntos. E eu pude perceber isso por conta desse projeto (a série)”, diz Felipe, surpreendendo o irmão que estava na mesma chamada de vídeo para a entrevista com o Estadão. ”Bonito isso”, diz Rodrigo, emocionado.
Com oito episódios de 45 minutos cada - apenas os três primeiros serão disponibilizados nesta sexta-feira -, a série tem inevitável comparação com o filme Dois Filhos de Francisco, de Breno Silveira, lançado em 2005 para contar a vida de Zezé di Camargo e Luciano. As histórias se assemelham: meninos pobres, do interior do País, que, incentivados pelos pais, se tornam grandes astros da música sertaneja.
Entretanto, na série As Aventuras de José e Durval, há justamente esse elemento que a difere do filme de Silveira: a cumplicidade que Prata e os atores conseguiram na representação de Chitão e Xororó. Se por um lado há histórias muito tristes a serem contadas, por outro, a empatia com os personagens deixa tudo leve e bastante fluido.
“O Hugo usou o que eu e o Rodrigo poderíamos entregar da nossa história, da nossa intimidade, das nossas brigas, confortos e consolos. Quando a gente leva isso para a tela, é possível enxergar também a irmandade de Chitãozinho e Xororó”, diz Felipe.
O diretor conseguiu extrair essa companheirismo também dos atores mirins, Pedro Tirolli e Pedro Lucas, que interpretam Chitão e Xororó nos três primeiros episódios, retratando os adolescentes que sonham em cantar. A cena em que eles descobrem o violão elétrico e as possibilidades que esse instrumento daria a eles é de pura emoção.
Rodrigo e Felipe, a princípio, não tiveram, a pedido de Prata, contato com a dupla. Isso, segundo os atores, lhes deu a liberdade necessária para criar. Observaram detalhes e tempo de fala. Criaram um sotaque neutro - a dupla nasceu no interior do Paraná - para ser identificado em diferentes regiões do País.
Para Rodrigo, o mais difícil foi aprender violão, ou, pelo menos, como ser o mais realista possível com o instrumento nas mãos. “Quando eu estava cansado de treinar, o Felipe dizia ‘vamos!’”, conta Rodrigo. O ator também precisou cantar em uma cena, quando Chitão quer impressionar a moça que trabalha em uma cabaré. Já Felipe, dubla a voz aguda e tão particular de Xororó.
Apesar do processo intenso, os dois atores se divertiram em cena. Embarcaram nas aventuras propostas pelos roteiristas. “É como se abríssemos um livro e pudéssemos criar em cima da história proposta e não das personalidades”, diz Felipe. “É uma série para assistir em família”, aponta Rodrigo.
A série retrata a trajetória da dupla entre os anos de 1968 a 1990. Termina quando eles gravam Evidências, um de seus grandes hits. Outras histórias para uma segunda temporada existem, mas, por ora, não há plano para uma continuação.
Uma mãe tipicamente brasileira
Em uma das cenas da série As Aventuras de José e Durval, Dona Araci, mãe de Chitão e Xororó, dá banho nos filhos ainda pequenos. Como duas crianças absolutamente normais, eles começam a se provocar, em uma típica briga de irmãos.
Àquela altura da trama, os dois, ainda menores de idade, estão prestes a embarcar na caravana do radialista Geraldo Meirelles. Dona Araci os adverte: como eles poderiam sair em excursão se não fossem unidos, se não se respeitassem mutuamente?
Essa é apenas uma das lições que a matriarca da família Lima, presente nos oito episódios da série, oferece aos filhos. Dona Araci, interpretada pela atriz Andréia Horta, se parece com tantas outras mães brasileiras, pobres, que levam a família adiante, mesmo quando tudo no jogo da vida parecia desfavorável. Ainda apoiava o marido, Marinho, papel que coube ao ator Marco Ricca.
Andréia não conheceu Dona Araci, morta em 2010, aos 76 anos. Pensou, então, em suas avós e em outras tantas mulheres brasileiras e latino-americanas, fortes, para dar vida a sua personagem. “Essas mulheres são o centro emocional e as responsáveis por manter a família unida”, diz a atriz.
E foi não só pela dor - além da pobreza, Dona Araci tinha crises nervosas, mais tarde diagnosticadas como um transtorno bipolar -, mas também por essa força do amor que Andreia construiu a personagem.
O resultado, segundo Andreia, emocionou Chitão e Xororó. “A coisa mais linda que eu escutei deles foi: ‘por meio de seu trabalho, a gente pôde compreender o sofrimento pelo qual nossa mãe passou’. Isso, para mim, valeu tudo”, diz.
Como em todo roteiro na série, há, na personagem de Andreia, elementos ficcionais. Ela, apesar de ter consciência do que era ou não real, desconsiderou essa informação em seu processo criativo.
“A magia está justamente na união de ficção com realidade. Para mim, tudo é verdade, tudo é ficção. Como intérprete de uma personagem que não está mais viva, com quem eu não posso conversar, olhar nos olhos, aquela ficção tem que ser uma verdade para mim”, diz Andréia, que já tinha trabalhado com o diretor Hugo Prata no filme Elis, de 2016.
Se em Elis Andréia dublou a voz da cantora, em As Aventuras de José e Durval ela solta a voz - os filhos aprendem a cantar com os pais. Cantar, a serviço da personagem, emocionou a atriz. “No texto da música do sertanejo raiz está o sofrimento do caipira. É muito bonito”, diz. “Eu amo cantar. Eu sou atriz porque não sei cantar”, completa, divertindo-se.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.