THE NEW YORK TIMES - A jogadora 450, vestida de agasalho verde e branco, corre para cruzar a linha de chegada. De repente, a cabeça de uma boneca gigantesca gira e ela congela, mas já é tarde demais. Ela cai no chão.
Quem assistiu ao thriller Round 6 vai se lembrar do banho de sangue da brincadeira “Batatinha Frita 1, 2, 3″, em que os jogadores tinham que correr e parar de se mover toda vez que a cabeça de uma boneca virava – ou então seriam mortos a tiros.
Mas, nesta versão do jogo, não era sangue que encharcava a roupa da Jogadora 450: era tinta preta de um dispositivo sob sua camiseta. E, não muito depois de cair no chão, a Jogadora 450 se levantou, desapontada, mas ilesa.
Ela e outros 455 concorrentes estavam competindo por um prêmio de US$ 4,56 milhões (cerca de R$ 22,3 milhões) como parte de Round 6: O Desafio, reality show da Netflix que estreou recentemente, recriando as brincadeiras diabólicas da famosa série coreana da plataforma de stream. Quando a Netflix abriu a chamada de elenco em 2022, mais de 80 mil pessoas se inscreveram para participar.
À medida que seu número diminui, os jogadores forjam alianças e quebram promessas, fazendo manobras maquiavélicas para evitar a eliminação e ganhar vantagem na busca pelo prêmio em dinheiro.
“Queríamos que o programa revelasse, assim como a série, um estudo da natureza humana sob pressão e do que as pessoas realmente são feitas”, disse John Hay, um dos produtores executivos do programa, em entrevista. O reality, filmado na Inglaterra, é coproduzido por The Garden e Studio Lambert.
Ao contrário da série original, os produtores do programa dizem que não sabiam de antemão quem venceria. No início do ano, alguns ex-jogadores disseram à revista Rolling Stone que as brincadeiras foram fraudadas, alegando que alguns participantes foram pré-selecionados para avançar para as próximas rodadas.
Em comunicado ao New York Times, a Netflix negou que isso tenha acontecido. “Todas as eliminações da série foram aprovadas por juízes independentes, que estiveram presentes o tempo todo para garantir a imparcialidade de todas as brincadeiras”, disse um porta-voz.
Em entrevista, os produtores executivos disseram que compilaram uma enorme quantidade de imagens de todos os competidores no início dos jogos, o que lhes permitiu editar o programa para focar nos competidores que sobreviveram até fases posteriores.
Para complementar os jogos, os produtores também introduziram uma série de “testes de personalidade”: minidesafios em que os competidores são obrigados a fazer escolhas difíceis. No início, dois competidores têm a opção de eliminar um jogador ou dar a outro jogador uma vantagem na próxima brincadeira. Em outro teste, um homem recebe um telefonema e é informado de que tem dois minutos para convencer outro jogador a pegar o telefone dele e ser eliminado.
“O drama gira em torno das alianças e dos grupos que as pessoas formam”, disse Stephen Lambert, um dos produtores executivos. “Precisávamos encontrar maneiras de criar desafios que estimulassem o senso de lealdade e confiança das pessoas”.
A recriação das brincadeiras exigiu uma engenharia complexa e atenção científica aos detalhes. Para reconstituir o jogo da dalgona, em que os participantes têm de extrair parte de um doce sem quebrá-lo, os designers do programa passaram meses testando várias receitas de biscoitos, para encontrar uma que evitasse as alergias dos participantes e não fosse muito mole nem muito quebradiça.
Reconstituir a brincadeira “Batatinha Frita 1, 2, 3″ também trouxe muitos desafios. Para projetar a boneca, que tem mais de 4 metros de altura, os designers do programa solicitaram as dimensões exatas de Hwang Dong-hyuk, diretor da série original.
Depois, eles fizeram desenhos para a maior impressora 3D do Reino Unido e a deixaram funcionar durante um mês para fabricar os componentes da boneca, disse o principal designer de produção, Mathieu Weekes.
A tarefa mais difícil foi projetar uma cabeça enorme que pudesse girar rápido o suficiente para eliminar os competidores sem voar do corpo da boneca, disse Ben Norman, chefe do design de brincadeiras. Assim que a boneca ficou pronta, os competidores foram levados a um gigantesco hangar em Cardington, ao norte de Londres.
Ex-competidores disseram à Variety e à Rolling Stone no início do ano que foram forçados a jogar sob temperaturas gélidas, o que resultou em alguns jogadores recebendo cuidados médicos, uma afirmação que a Netflix confirmou.
“No dia das filmagens “Batatinha Frita 1, 2, 3″, umas poucas pessoas foram atendidas por problemas médicos leves causados pelo frio, e uma pessoa foi atendida por uma lesão no ombro”, disse um porta-voz da Netflix. “Não houve outros problemas médicos com os competidores durante o restante dos jogos”.
O porta-voz acrescentou que médicos estiveram no set o tempo todo e que “todas as medidas apropriadas de saúde e segurança foram tomadas durante todo o período de filmagem”.
Um dos competidores, Bryton Constantin, 23 anos, disse em entrevista que se lembra de pessoas reclamando do frio, mas não se lembra de nenhum competidor que tenha sofrido problemas graves por causa disso.
“Não nos inscrevemos para uma viagem ao Havaí”, disse ele. “Nós nos inscrevemos no Round 6 para ganhar US$ 4,56 milhões”.
Um porta-voz da Netflix não disse se algum concorrente foi ou não compensado por seu sofrimento físico ou outras experiências desagradáveis no programa.
Depois de filmar “Batatinha Frita 1, 2, 3″, o reality se transferiu para estúdios no leste de Londres, onde os competidores ficaram hospedados em um imenso salão com beliches em estilo dormitório, semelhante aos alojamentos da série original. Uma vez dentro dos estúdios, os poucos sortudos que sobreviveram até o fim só saíram depois de 18 dias.
“Ninguém gosta de ficar junto com outras duzentas pessoas e comer comida ruim todos os dias”, disse Constantin. “Mas você fica lá batalhando porque todo mundo está lá exatamente pelo mesmo motivo”.
Este artigo foi originalmente publicado em The New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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