Franz Kafka pode ser associado a um mundo denso. Por exemplo, podemos observá-lo como um escritor que narra a eterna burocracia do sistema capitalista e jurídico, ao trabalho repetitivo, à tirania familiar, à mecanização dos tempos modernos, a uma certa melancolia desesperançada. A obra de Kafka tem tudo isso, mas também pode ser lida como ele gostaria: como uma grande piada de gosto duvidoso.
A abordagem bem-humorada foi a escolhida para Kafka, série que estreia neste domingo, 30, no canal Arte1. Os seis episódios narram a amizade entre Kafka e Max Brod, escritor a quem pediu que seus manuscritos fossem queimados após a morte. O amigo ignorou a ordem e o restante, como dizem, é história.
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Kafka morreu há um século, aos 40 anos, em um hospital de Viena, vítima de uma tuberculose. Era um advogado, com noções de filosofia, devoto de exercícios físicos, que mastigava dezenas de vezes antes de engolir por supostas indicações médicas. Era também um mulherengo, que batia ponto em bordeis, o que, recentemente, o fez ser cancelado na internet pelo consumo de material pornográfico.
Enquanto era tudo isso, também era um homem que se divertia em histórias com narrativas absurdas e com a sonoridade das palavras usadas para compô-las.
No primeiro episódio, por exemplo, ele e Brod observam cachorros abandonados, artistas de rua e garotas de programa de Praga. Kafka, então, com um leve sorriso, diz ao amigo: “há esperança, uma quantidade infinita de esperança, mas não para nós”.
A fala consta na biografia do escritor escrita por Brod, em 1960. Embora pudesse soar como uma frase bonita entre amigos metidos a artistas, a fala era, na verdade, um diagnóstico.
Na série, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em 1939, Brod também é retratado fugindo das forças nazistas com manuscritos do amigo, à época morto há 14 anos.
A guerra ao redor, na verdade, era uma consolidação da visão de Kafka, que havia sido aprimorada na Primeira Guerra Mundial: uma sociedade que tentava impor o controle autoritário à natureza indomável e com tendências decadentes do ser humano. Kafka via nisso um produto tragicômico. O que o impelia a escrever tal qual um comediante. “A Alemanha declarou guerra à Rússia. Aulas de natação à tarde”, anotou em seu diário, escrito em 1914.
Essas sensações o levaram à escrita de obras como A Metamorfose, O Castelo e O Processo, com indivíduos que lidam com acontecimentos maiores do que podem controlar até serem diminuídos a um inseto, a uma consoante ou a um réu de um processo que sequer sabe o crime que teria cometido.
A direção de Kafka por David Schalko, com roteiro de Daniel Kehlmann, distribui o peso da tragédia e do humor assim como nos romances de Kafka, mas não o impõe a ser como mais um dos seus próprios personagens.
Kafka
- Onde assistir: Arte1
- Estreia: Domingo, 30, às 23h (dois episódios consecutivos)
Assista ao trailer:
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