É curioso imaginar que um diretor tão renomado como Fernando Meirelles possa sentir-se desqualificado em algum aspecto de sua profissão. O brasileiro, indicado ao Oscar de melhor diretor por Cidade de Deus e um dos principais expoentes do cinema nacional, no entanto, admitiu o sentimento ao receber a proposta para dirigir os episódios de Sugar, nova série de investigação do Apple TV+ estrelada por Colin Farrell, que estreia na plataforma nesta sexta-feira, dia 5.
A produção narra a história de John Sugar (interpretado por Farrell), um enigmático detetive particular encarregado de resolver o mistério do desaparecimento da neta de um produtor de Hollywood. Sugar é cheio de peculiaridades, não gosta de “seguir as regras” e enfrenta os seus próprios demônios, aspectos que podem remeter aos personagens interpretados por Elliott Gould em A Grande Despedida (1973) ou Jack Nicholson em Chinatown (1974), dois grandes exemplos do cinema neo-noir.
E é exatamente por isso que o cineasta brasileiro recebeu o projeto em mãos com certo receio. “Eu não sabia nada sobre cinema noir. Quando recebi o projeto, achei que não tinha nada a ver comigo. Mas mudei de ideia após conversar com o Colin [Farrell]. O que era para ser um papo de 20 minutos se estendeu por mais de uma hora, e pensei: ‘Quero trabalhar com esse cara’”, revelou Meirelles em entrevista ao Estadão.
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“Como não conhecia muito do gênero, pensei ‘vou aprender’. E adoro entrar em projetos para os quais sei que não sou muito qualificado. Sempre que eu me sinto muito seguro, sinto que os trabalhos são menos interessantes. Faz parte da minha personalidade”, explica o cineasta.
Após uma maratona de filmes recomendados por Mark Protosevich, roteirista de Eu Sou a Lenda e produtor executivo da nova série, Meirelles iniciou seu trabalho na produção.
E é fácil perceber como ele se inspirou em longas como Relíquia Macabra (1941) e Pacto de Sangue (1944): os episódios de Sugar trazem um clima de incerteza, alternando entre sequências com a fachada de Los Angeles, close-ups desorientadores dos personagens e um protagonista que dialoga constantemente com os espectadores por meio de uma narração em off. “Fui entendendo também quais os tipos de lentes e angulações de câmera também deveria usar”, acrescenta.
Parceria com o ex-bad boy
Sugar inicia mostrando o detetive retornando à cidade de Los Angeles após uma temporada em Tóquio. Chegando lá, Jonathan Siegel (interpretado por James Cromwell, de Babe - O Porquinho Atrapalhado), um produtor de cinema lendário e ídolo de detetive o convoca para uma missão: encontrar sua neta, uma jovem com histórico de vícios.
Assim, o protagonista percorre a cidade dos astros em um Corvette azul, conduzindo entrevistas e estabelecendo conexões. Parte do charme de Sugar se deve à performance de Farrell no papel.
Recém-saído de uma indicação ao Oscar de melhor ator por Os Banshees de Inisherin, em 2023, após ter passado anos tachado com fama de bad boy em Hollywood, o ator imprime no personagem uma maturidade que combina sedução e mistério.
“A gente batia muitas decisões o tempo inteiro, ele virou um parceiro, então nós demos as mãos e seguimos adiante”, recorda Meirelles. “Foi uma experiência fantástica porque tivemos a chance de tomar muitas decisões, que foram aprovadas pela Apple”.
Falando sobre a plataforma, o diretor também expressa elogios. “Tivemos muita liberdade para criar, sem restrições. Conseguimos improvisar cenas e diálogos sem ninguém controlando o tempo todo. Hoje em dia, as plataformas exercem muito controle, querendo mudar vírgulas e palavras com frequência. Mas na produção de Sugar não foi assim.”
Além de Farrell, Sugar é estrelada por Kirby Howell-Baptiste (Sandman), Amy Ryan (Only Murders in the Building), Anna Gunn (Breaking Bad), Nate Corddry (Law & Order) e Dennis Boutsikaris (Better Call Saul). Os dois primeiros episódios da temporada estreiam hoje na plataforma, e os demais serão exibidos todas as sextas-feiras. Composta por oito episódios, a primeira temporada chega ao fim em 17 de maio.
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