Se o streaming foi salvador durante a pandemia, nenhum remédio foi mais eficaz contra o isolamento social e a falta de perspectivas quanto Ted Lasso, que estreou em agosto do ano passado no Apple TV+ disseminando otimismo e generosidade. Seu ator principal, Jason Sudeikis, ganhou o Globo de Ouro e o prêmio do Sindicato dos Atores de performance masculina em comédia e concorre ao Emmy na mesma categoria no dia 19 de setembro. A série tem outras 19 indicações, um recorde para um programa estreante. A segunda temporada foi lançada nesta sexta-feira, 23, no Apple TV+, com uma boa notícia: serão dois episódios a mais do que a primeira, lançados semanalmente, às sextas.
Ted Lasso começou como uma propaganda de televisão para o anúncio da exibição da Premier League pelo canal NBC. O personagem era um técnico de futebol americano pateta que ia treinar um time de futebol do campeonato inglês, sem entender patavina do esporte. O sucesso do anúncio de 2013 foi tamanho que ganhou uma nova versão em 2014.
Mas foi só no ano seguinte que a então parceira de Jason Sudeikis, Olivia Wilde, sugeriu uma série. Na época, claro, o ator e produtor não tinha ideia do que os Estados Unidos e o mundo seriam na sua estreia. “Era começo de 2015, então algumas mudanças culturais gigantes ainda não tinham ocorrido, como Donald Trump descendo a escada rolante e anunciando sua candidatura e os movimentos Me Too e Time’s Up”, disse Sudeikis em entrevista ao Estadão. Outro momento fundamental citado por ele, os protestos em Ferguson, Missouri, depois do assassinato do jovem negro Michael Brown pela polícia, tinham acabado de ocorrer. “Mas obviamente havia algo já vibrando que me fez sentir que eu pessoalmente não queria fazer um bufão arrogante, ou um anti-herói que precisaríamos humanizar.” Isso já tinha sido feito com muito sucesso em séries como The Office, Mad Men e Família Soprano. “Eu pessoalmente queria interpretar alguém mais otimista. E já tinha fazia anos a crença de que uma das minhas versões menos favoritas de um ser humano eram homens ignorantes, porém arrogantes. É uma mistura ruim. Uma versão melhor é ser ignorante e curioso. Era algo que eu queria retratar.”
O Ted Lasso da série, desenvolvido em parceria com Joe Kelly e Brendan Hunt, que também interpreta o assistente de Lasso, Beard, é assim. Ele não tem a mínima noção do que é o futebol ou a Inglaterra, mas está disposto a aprender. Também é mais otimista, doce e menos irritante do que sua versão nas propagandas. E não é só engraçado. Ted aceitou o emprego porque seu casamento não vai bem, e sua mulher pediu uma distância para decidir o que fazer. Com isso, ele fica longe do filho. Mas encontra uma nova família na Inglaterra, povoada por personagens adoráveis, mesmo quando não são.
A experiência de Sudeikis fazendo comédia com Kelly e Hunt no projeto Boom Chicago em Amsterdã também foi fundamental para a criação de Ted Lasso. “Ela me fez perceber que talvez nós, seres humanos, sejamos mais parecidos do que o mundo nos permite notar no momento”, analisou o ator. “E embora eu honre nossas diferenças e goste de ver a zona cinzenta em tudo, porque é mais interessante, não acho que Ted seja unicamente americano, embora ele seja especificamente americano.”
Sudeikis também acredita que ser gente boa espalha coisas boas no mundo. “Eu acredito em natureza e em criação”, afirmou ele, que é pai de Otis, 7, e Daisy, 4, de seu relacionamento com Olivia Wilde, que terminou em novembro do ano passado. “É mais importante que eles me vejam dizendo por favor e obrigado do que falar para eles: ‘Sempre diga por favor e obrigado’. Nós damos muito espaço para negatividade e comportamento de bullying. E eles existem e sempre vão existir. Mas eu digo a meus filhos que eles não precisam reagir toda vez quando o outro está provocando. Podem deixar para lá.”
Ted Lasso é sua chance de colocar um pouco de coração em vez de dureza no mundo. “Eu acho que vale muito mais a pena ser bom. Você vê isso o tempo todo online: tem muita coisa negativa, mas tem muita resposta positiva. E eu acho que, dependendo do que você escolhe ver, o grande algoritmo da vida vai colocar na sua frente. Ou seja, é uma escolha. Então, nem que seja por uma razão egoísta, de que uma atitude boa vai voltar e afetar você algum dia, vale a pena ser bom.”
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