Street Fighter, Assassin’s Creed, Resident Evil. O histórico das adaptações de videogames para o cinema e a TV não é dos melhores. Mas The Last of Us, baseada nos jogos desenvolvidos pela Naughty Dog, que venderam impressionantes 37 milhões de cópias no mundo todo, pretende mudar essa sina. A série, que estreia no domingo, 15, é a maior aposta do ano da HBO, que não costuma atirar para errar. Craig Mazin (Chernobyl), que divide o posto de showrunner com o roteirista do game, Neil Druckmann, mostrou otimismo na CCXP: “Eu acho que nós acertamos”.
Druckmann criou The Last of Us quando tinha acabado de ser pai pela primeira vez, adaptando um game de zumbis feito como trabalho de faculdade. “Ele é uma exploração do amor incondicional de um pai por seus filhos, as coisas belas e horríveis que podem surgir daí”, disse ele em mesa-redonda com a participação do Estadão, em São Paulo. O jogo é conhecido por explorar os personagens e a história muito além das ações exigidas do gamer.
Joel (Pedro Pascal) é um sujeito de classe média, viúvo, que tem uma filha adolescente, Sarah (Nico Parker), e um irmão que vive se metendo em confusão, Tommy (Gabriel Luna). No espaço de um dia, uma pandemia causada por um fungo infecta a maior parte da população da Terra. Vinte anos depois, Joel, que só se preocupa com a sobrevivência, recebe, a contragosto, a missão de levar a adolescente Ellie (Bella Ramsey) em uma travessia pelos Estados Unidos, em meio a um governo autocrático combatido por grupos de resistência. A relação entre Ellie e Joel está no centro da narrativa.
Lágrimas
Como Mazin, Druckmann também está confiante. Uma das razões são as diversas videoconferências durante a produção, em que mostrava clipes para seus colegas na Naughty Dog. “Quando terminava de compartilhar a minha tela, todos estavam se debulhando em lágrimas”, contou ele em entrevista coletiva. “Porque não apenas a série é boa - e é. Mas ela honra o que a equipe fez esses anos.”
Não que alguns tenham deixado de manifestar discordâncias. Como se sabe, muitos dos fãs de produtos da cultura pop gostam de se apegar a detalhes desimportantes, como a aparência. Choveram mensagens maldosas sobre o fato de Pedro Pascal não poder ter uma barba farta como o personagem no videogame. Ou críticas a Bella Ramsey, conhecida por roubar a cena como Lyanna Mormont em Game of Thrones. A atriz disse que entende os fãs, que criaram vínculos fortes com Joel, Ellie e outros. “Para mim foi uma honra fazer essa personagem, que me parecia familiar”, afirmou ela em mesa-redonda com participação do Estadão.
Se Craig Mazin sentiu qualquer pressão, escondeu bem, pelo menos nas entrevistas. Ele lembrou que se afastar da interatividade inerente ao videogame foi libertador. “Os momentos do jogo de que mais gosto são aqueles em que não estou no controle”, contou, referindo-se às muitas passagens em que há apenas o relacionamento entre os personagens, sem que o jogador precise fazer nada. “Porque são esses que separam The Last of Us dos outros games. Para mim, é quase como se fosse uma série de TV tentando se libertar.”
Em sua opinião, as adaptações anteriores de videogames falharam por tentar reproduzir as ações do jogador. “Nós não fazemos isso. Nossa série é inspirada na história e nos personagens que Neil criou.” A interatividade, aqui, é mais sutil, com o intuito de fazer o espectador se deixar levar pela jornada de Joel e Ellie. The Last of Us é uma história sobre as superações e limitações dos seres humanos, sua capacidade de sobrevivência, de altruísmo e de amor diante da adversidade.
História
Para Druckmann, fazer a série permitiu expandir o mundo e os personagens, focando no drama. Sua abordagem foi sempre pensar em como fazer a melhor série de TV possível e isso implica algumas mudanças (leia o quadro). “Não podíamos ficar muito presos ao que já tínhamos feito. A televisão tem pontos fortes e fracos diferentes de um videogame. Então, às vezes o melhor era fazer de forma idêntica o que estava no game e, às vezes, desviar totalmente, por ser o melhor para a história.”
Ele quis fazer uma adaptação do videogame justamente porque nem todo mundo joga. “Minha maior esperança é que alguém assista à série e se emocione com ela. E aí pense: ‘Como assim ela é baseada em um jogo?’”, acrescentou, sabendo que, para muitos, o sinônimo de videogame é Pac-Man. “Elas vão perceber que esse outro meio é rico em narrativas e experiências.”
Como foi a adaptação
Em vez de 2013, o começo da série acontece em 2003 - assim, quando a ação pula para 20 anos mais tarde, ela coincide com o nosso tempo. “Eu gosto de pensar que é como um universo paralelo, algo que poderia estar se passando conosco agora”, disse Craig Mazin.
Como se trata de uma série e não de um jogo, não é preciso incluir os passos necessários para que determinada coisa aconteça. “Não precisamos descobrir que é preciso apertar o triângulo para pegar a escada”, lembra o ator Pedro Pascal.
Por isso, há menos ação e mais drama. Os personagens ganham mais substância, incluindo os coadjuvantes, como Frank (Murray Bartlett), o companheiro do sobrivencialista Bill (Nick Offerman). Kathleen (Melanie Lynskey) é uma personagem de Kansas City, que originalmente não aparece no game.
Joel também deixa de ser um homem branco para ser vivido por um latino, com Tommy, seu irmão, também sendo latino. Sarah, a filha de Joel, não é loira como no jogo.
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