Uma das séries mais interessantes da atualidade é The White Lotus, com seus diálogos afiados e uma trama que mistura comédia satírica e drama de maneira sagaz, explorando temas complexos como privilégios, desigualdades sociais e preconceitos, sem nunca soar panfletária – pelo contrário, prefere se ater a reviravoltas inesperadas para deixar o espectador engajado.
Produzida pela HBO e criada pelo genial Mike White (roteirista e ator de Escola de Rock, de 2003), a franquia premida adota o formato antológico, onde cada temporada conta com enredos e elencos diferentes. Tudo gira, basicamente, em torno de um grupo de milionários idiotas hospedados ‘na bolha’ de um paradisíaco hotel de luxo mundo afora, pertencente à rede fictícia que batiza o programa.
O terceiro ciclo do projeto debutou no streaming da Max no último domingo, 16, sob altas expectativas após o sucesso das edições anteriores, que conquistaram mais de 50 indicações ao Emmy Awards. A primeira delas, de 2021, foi situada no Havaí e contou com astros como Alexandra Daddario, Sydney Sweeney, Murray Bartlett e Jennifer Coolidge, esta última que retornou para o ano seguinte, gravado na Sicília, acompanhada dos atores F. Murray Abraham, Michael Imperioli, Aubrey Plaza, entre outros.
Há uma parceria global da HBO com o Four Seasons, a rede de resorts onde a maioria das três temporadas de The White Lotus foi filmada (não há nenhum no Brasil). A quarta fase já foi confirmada, mas ainda não há locação definida.
O Estadão assistiu, de forma antecipada, a 6 dos 8 capítulos da 3ª temporada da série, que será exibida semanalmente. Nesta análise, livre de spoilers, serão comentados os princípios básicos da narrativa e suas temáticas, bem como os novos e excêntricos protagonistas.

Procura ou fuga?
“Quem vai para a Tailândia ou está procurando algo ou se escondendo de algo”. A frase é dita mais de uma vez na nova temporada, que dessa vez reúne os ricaços em uma ilha deslumbrante no país asiático. O ambiente transborda misticismo, ao contrário dos anos anteriores. A estrutura, porém, é similar: começa com um assassinato, dando aos espectadores a garantia de que, até o final, haverá mistério entremeado a críticas sociais.
Dessa vez, White faz questão de salientar a tradição budista e ilustrar o aspecto esotérico com takes das florestas tropicais, das estátuas sagradas e dos macacos observadores – que pode ser interpretada como uma referência aos três símios sábios (que não veem, ouvem ou falam o mal), representando o princípio moral da filosofia oriental para não se conectar a negatividades, ou simplesmente como um paralelo aos hóspedes, que aos poucos vão despertar seu lado primata.
Três núcleos principais guiam a história. O grupo familiar, vindo do sul dos EUA, tem a uma exagerada Parker Posey (Superman: O Retorno) na pele de Victoria Ratliff, sempre dopada por lorazepam e outros remédios. Ela é esposa do empresário Timothy, vivido pelo ótimo Jason Isaacs (Harry Potter), britânico que abandona com perfeição seu sotaque original. Eles são pais de três filhos: o bobão e ‘hétero top’ Saxon, interpretado com excelência por Patrick Schwarzenegger (filho de Arnold); a idealista Piper (Sarah Catherine Hook), a pedido de quem eles escolheram a Tailândia como destino de férias; e o doce Lochlan (Sam Nivola), um pouco perdido entre os dois irmãos tão opostos.

Temos também um casal excêntrico, com discrepância de idades. Rick e Chelsea, são encarnados por Walton Goggins (Os Oito Odiados) e Aimee Lou Wood (Sex Education). Ele é uma alma torturada e não se deslumbra com as pompas do resort – fica claro que viajou por outras razões, enquanto a ingênua jovem inglesa, com seus charmosos dentes salientes, tenta entender o comportamento do parceiro.
Há ainda o trio de amigas de meia-idade Jaclyn, atriz de sucesso em Los Angeles; Laurie, advogada em Nova York; e Kate, dona de casa no Texas – todas loiras, belas e à procura de diversão. Elas são interpretadas com magnetismo por Michelle Monaghan (True Detective), Carrie Coon (Fargo) e Leslie Bibb (Homem de Ferro). A relação delas, envolta de simpatias e elogios, na verdade esconde camadas problemáticas que retratam a toxicidade da amizade feminina com uma visão rara.

Um pouco mais distante deste centro, acompanhamos o romance florescendo entre o segurança do hotel Gaitok (Tayme Thapthimthong) e a colega de trabalho Mook (Lalisa Manoban, integrante do grupo de k-pop Blackpink), além da relação de Belinda (Natasha Rothwell), personagem que retorna da 1ª temporada, e outro funcionário do staff tailandês, com quem ela está trocando conhecimentos em um programa de intercâmbio profissional. Duas participações especiais, que não serão reveladas neste texto, contribuem ao cast excepcional.
Em suma, The White Lotus continua atraente em todos os sentidos. É uma série adulta, sobre adultos, feita para adultos e que atende a um fenômeno contemporâneo no qual o público se satisfaz ao ver os privilegiados em apuros – caso também de Parasita (2019) e Triângulo da Tristeza (2022).
Não se engane: a sedução em torno dos endinheirados certamente diverte e capta a imaginação do público. “Imagina se eu pudesse passar um fim de semana num lugar desses?” é uma pergunta que vai aparecer na sua cabeça hora ou outra. Mas, que fique claro, não se trata de entretenimento fugaz, e sim um exercício de reflexão antropológica, capaz de expor lado mais selvagem da natureza humana, sob olhar cínico e consideravelmente pessimista de seu criador.