A coisa mais rara é encontrar alguém que tenha ficado totalmente satisfeito com o final de Game of Thrones. Mesmo quem até achou que algumas coisas faziam sentido concorda que as duas últimas temporadas foram corridas demais, transformando Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) de libertadora de escravos que às vezes apelava à violência em tirana no espaço de poucos episódios.
Por isso, quando a HBO anunciou que estava desenvolvendo A Casa do Dragão, ou House of the Dragon, que estreia neste domingo, às 22h, muita gente reagiu com desdém e jurou que jamais pisaria em Westeros novamente. A esses, lamentamos informar que é bem possível que tenham de voltar atrás.
E não deve demorar muito para isso acontecer: a segunda sequência já traz o primeiro dragão voando imponente em torno da Fortaleza Vermelha, em plena luz do dia, ao som da música de Ramin Djawadi. Quentinho no coração: estamos em casa.
Se você é daqueles que não se maravilham com os dragões, mas com as intrigas familiares, pode ficar também. A Casa do Dragão tem de sobra. Só que, em vez de focar nos Lannister e nos Stark, agora é a vez dos Targaryen, a família mais doida de Westeros, que não apenas cavalga dragões, mas tem o hábito de casar-se entre si - Cersei e Jaime não são nada perto dos platinados de Valíria.
Gostava mesmo das artimanhas políticas? Não se preocupe. A nova série tem de sobra. No centro de tudo, afinal, está novamente a disputa para ver quem vai ocupar o Trono de Ferro. Só que, em vez de colocar várias famílias na corrida, aqui a luta é interna.
Os perigos do poder permanecem. O rei Viserys I (Paddy Considine) diz a sua filha, Rhaenyra (Milly Alcock), que o Trono de Ferro é o assento mais perigoso de Westeros. E ele tem razão. O Trono de Ferro, que parecia desconfortável em Game of Thrones, aqui aparece bem mais ameaçador, de acordo com a visão de George R.R. Martin.
A Casa do Dragão também deixa claro desde o princípio como esse mundo masculino trata as mulheres. Rhaenys (Eve Best), a prima de Viserys, preterida para governar os Sete Reinos por ser mulher, ainda precisa lidar com a fama de “rainha que não foi”. Rhaenyra (interpretada por Emma D’Arcy na fase adulta) nem é considerada herdeira de Viserys. Alicent (Emily Carey na adolescência) é usada pelo pai, Otto Hightower (Rhys Ifans), a Mão do Rei, em suas ambições políticas. A mulher do rei, Aemma (Sian Brooke), tem o papel apenas de fornecer um herdeiro homem para Viserys.
A violência é parte intrínseca deste mundo, e A Casa do Dragão não tem medo de mostrá-la de maneira chocante, seja em um torneio de comemoração da chegada de um potencial herdeiro ou na atuação da Patrulha da Cidade de Porto Real, comandada pelo Príncipe Daemon (Matt Smith), irmão do rei Viserys.
Game of Thrones revolucionou a televisão, mostrando que dava para fazer uma série com batalhas épicas e dragões voando. Se hoje elas viraram lugar-comum, é por causa de Game of Thrones. Mas poucas conseguem alcançar o mesmo nível. Dá para ver cada centavo dos estimados US$ 20 milhões por episódio de A Casa do Dragão na tela. Nesse aspecto, a diferença para séries como Sandman e Stranger Things, para ficar em exemplos recentes, ainda é gritante. Esse é o padrão de qualidade que O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, que estreia dia 2 e custou bem mais, tem de bater.
Resumindo: mesmo se você tiver se decepcionado com o fim de Game of Thrones, vale a pena, sim, dar uma chance para A Casa do Dragão. E, se não assistiu, não se preocupe: dá para acompanhar mesmo assim, ainda que algumas cenas percam a graça.
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