Uma garota descalça, de camisola, corre desesperada por uma floresta nevada. Ela cai em estacas dentro de um buraco e, enquanto morre, uma figura humana mascarada e coberta de pele observa na beira da armadilha. Com essa cena inicial sugerindo canibalismo, Yellowjackets fisga o espectador logo de cara. “Sempre conversamos sobre como não queríamos que se tratasse do que aconteceu, mas por quê. Então a melhor maneira era mostrar as cartas no início”, disse Ashley Lyle, showrunner junto com Bart Nickerson e Jonathan Lisco, em painel durante evento de imprensa da Associação de Críticos de Televisão. “Queríamos sugerir fortemente o que tinha acontecido, para que a pergunta fosse: mas como elas foram do ponto A ao ponto B?”
Essa é uma das razões pelas quais, antes mesmo de sua primeira temporada chegar ao final – o último episódio entra no Paramount+ do Brasil na próxima segunda-feira, 17, – a série foi indicada a dois prêmios Critics Choice e entrou em oito de cada dez listas de melhores de 2021 na televisão. Ela também já teve sua segunda temporada confirmada. Mas há vários outros motivos.
Yellowjackets fala de um time feminino de futebol em uma escola de Nova Jersey na década de 1990. Elas vão disputar uma final em outro Estado, e o pai de uma das meninas aluga um jatinho. O avião cai. Quem não morre na queda, caso de Shauna (Sophie Nélisse), Natalie (Sophie Thatcher), Misty (Samantha Hanratty), Taissa (Jasmin Savoy Brown) e Jackie (Ella Purnell), fica 19 meses perdido na floresta tentando sobreviver. “Uma situação dessas traz à tona o melhor em cada um de nós, e também, o pior”, disse Nélisse.
A série não é a primeira a replicar um cenário meio Senhor das Moscas, o clássico de William Golding sobre garotos tentando sobreviver em uma ilha deserta. Mas a diferença aqui é que o grupo é formado majoritariamente por meninas, à exceção de um técnico e os dois filhos de outro técnico.
Além de mostrar essa luta pela sobrevivência sob um ponto de vista feminino, Yellowjackets traz as personagens nos dias de hoje, quando Shauna (Melanie Lynskey), Natalie (Juliette Lewis), Misty (Christina Ricci) e Taissa (Tawny Cypress), que sempre esconderam o que realmente aconteceu durante aqueles 19 meses, precisam reviver o trauma ao lidar com um chantageador e uma repórter.
Yellowjackets explora as relações entre essas mulheres de maneira complexa. “Meus relacionamentos com minhas amigas são a coisa mais preciosa da minha vida”, disse Lynskey. “Então eu amo como a história realmente vai ao coração das relações femininas, sem ser aquela coisa vaga de ‘esta aqui está com inveja daquela’. Há complicações. E esse é um assunto que eu gosto de explorar.”
Um elenco assim é motivo de sobra para dar uma chance a qualquer série, mas impressiona também como as atrizes jovens parecem mesmo versões adolescentes das personagens mais velhas – uma questão sempre delicada na televisão e nos filmes. “Foi um milagre, porque na verdade procuramos as melhores atrizes para cada papel, simplesmente”, disse Lyle. A verdade é que a semelhança não é exatamente física, mas de caracterização e de espírito. “Nós nos conectamos pela música, que é importante para a personagem”, explicou Thatcher, citando Nina Hagen como influência. Até a voz da atriz mais jovem replica a de Juliette Lewis. “Ela me disse que buscou filmes meus para fazer isso”, contou Lewis.
Mostrando quem essas mulheres eram quando adolescentes e quem são como mulheres de 40 e poucos anos e como cada uma lida com os traumas daqueles eventos, Yellowjackets se distancia de outros filmes e séries do gênero e oferece estudos fascinantes das personagens, que permitem explorar diversos caminhos. “Eu fiquei tão empolgada de ler algo tão diferente e ousado, sem estar tentando apenas ser ousado”, disse Lynskey. “É uma série centrada em mulheres, e cada uma delas é muito bem delineada e interessante. Ao final do piloto, eu senti como se conhecesse todas, e cada uma era um indivíduo único.”
Filmes como O Bebê de Rosemary também foram uma inspiração para a série, que tem alguns elementos sobrenaturais. “Mas estávamos mais interessados em explorar o que sobrenatural significa”, disse Karyn Kusama, diretora do piloto e produtora-executiva da série. “No fim, falamos dos mistérios do comportamento humano e do que as pessoas são capazes.”
E, para quem ainda não se convenceu, a série ainda tem uma trilha sonora matadora dos anos 1990, com PJ Harvey, Portishead, Jane’s Addiction, The Prodigy.
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