'Sgt. Pepper' completa 50 anos como o mais influente disco conceitual pop

Obra-prima dos Beatles aponta para ápice do experimentalismo sonoro do rock dos anos 1960

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Por Sérgio Augusto
O álbum 'Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band' completa 50 anos como o principal disco conceitual da música pop Foto: EMI/Universal Music

Faltam apenas cinco dias. Sexta-feira que vem a Banda do Sargento Pimenta voltará a desfilar. Quando ela desfilou pela primeira vez, há 50 anos, o mundo descobriu que o pop podia ser outra coisa, a soma de inúmeras e antinômicas vertentes estilísticas: rockabilly, vaudeville inglês, music hall americano, big band, música erudita, indiana, circo, jazz, blues, até absorver Stockhausen. Que o rock, enfim, podia fazer parte da alta cultura. 

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A banda está de volta, mais completa e luxuosa. O que antes era um álbum duplo, gravado em mono e tesouro de colecionadores de bolachas, ressurge em mix estéreo, com áudio 5.1 surround, potencializando ao máximo o experimentalismo das gravações originais, comandadas por George Martin, agora entregues ao talento de seu filho Giles Martin. Em dois formatos: CD e vinil. Ou numa caixa com vários mimos: CD, DVD, Blu-ray,vídeos, fotos, memorabilia, um livro de capa dura de 144 páginas e um inédito filme com o making of de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, produzido em 1992. 

É uma cornucópia de outtakes e 30 versões alternativas exumadas dos arquivos, inclusive as duas primeiras faixas gravadas para o álbum original, Penny Lane e Strawberry Fields Forever, que dele sobraram e saíram num single de face dupla. Das novidades, as mais esperadas são o primeiro teste de Lucy in the Sky with Diamonds, um arranjo instrumental de George Martin para She’s Leaving Home e um Lovely Rita animado por um lero-lero entre Paul, John e George. Quem esperava pela inclusão de Carnival of Light, tido como o Santo Graal do grupo, pode tirar o cavalinho da chuva. 

Sgt. Pepper foi um dos êxtases musicais da minha mocidade. A frase é meio ridícula, mas verdadeira; e o êxtase, sincero e permanente. Uns continuaram preferindo Revolver, o álbum anterior, mas foi a banda que passou com mais galhardia pelo teste do tempo. Era um caleidoscópio do seu tempo, da cultura psicodélica londrina, do Flower Power e seus baratos, um prelúdio alegre e por vezes nostálgico à utopia que a juventude 68 levaria às ruas menos de um ano depois. Gravado entre 24 de novembro de 1966 e 21 de abril de 1967, chegou às lojas em 1.º de junho. Sete faixas no lado A, seis no lado B, 39 minutos e 52 de som. 

Lançamento mundial simultâneo, uma novidade, Sgt. Pepper vendeu de cara 11 milhões de cópias só nos EUA. Outra novidade: a capa e a contracapa (com as letras de cada faixa). A partir de um esboço rabiscado por McCartney, os designers Peter Blake e Jann Haworth juntaram-se ao desenhista Robert Fraser e montaram uma colagem de fotos com dezenas de celebridades das mais variadas procedências e heróis infantis e juvenis do quarteto, de difícil reconhecimento fora da Inglaterra e por quem não curtira a BBC em criança. Consegui identificar 34 figuras, modéstia à parte, um assombro 50 anos atrás. Elvis não entrou no puzzle por ser o Rei do Rock, sacrossantificado pelo quarteto. Lennon queria incluir Jesus e Hitler, não emplacou. 

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Além do puzzle, havia a disputa sobre a melhor faixa. Árdua escolha, em permanente mutação. Minha favorita sempre foi A Day in the Life, que começa com uma desalentadora leitura matinal: “I read the news today, oh boy.” Lennon inspirou-se na capa do Daily Mail de 17 de janeiro de 1967. 

Sgt. Pepper nasceu de uma crise – de identidade e criatividade. Os Beatles não suportavam mais participar de shows e ouvir aqueles gritinhos histéricos das fãs. “Não queríamos mais ser tratados como adolescentes, mas como adultos”, desabafou McCartney. “E fazer experiências musicais e sonoras em estúdio, irreproduzíveis em apresentações ao vivo.” E assim surgiu o Clube dos Corações Solitários de Sargeant Pepper, alter ego inspirado numa banda militar eduardiana.

Já na época me pareceu bizantino discutir se ao álbum se aplicava ou não o rótulo de conceitual. Depende do que se entende por isso, como se define o termo, pela costura de uma narrativa entre as letras ou por variações em torno de melodias afins ou pelas relações melódicas e harmônicas entre os temas selecionados. Os próprios Beatles recusaram a distinção. Alguns músicos de jazz e o Sinatra da fase Capitol já haviam feito discos conceituais; Sgt. Pepper teria sido o primeiro da discografia roqueira se o grupo Mothers of Invention não tivesse lançado Freak Out, dois anos antes, e os Beach Boys não tivessem inventado seus Pet Sounds em 1966. Por sinal, duas influências, entusiasticamente assumidas por McCartney e Lennon. 

Três dias depois do lançamento do álbum, Jimi Hendrix surpreendeu Paul, John, George e Ringo abrindo um show em Londres com uma interpretação personalíssima do tema que dá título ao disco. Mas ainda não é esse o melhor episódio do folclore de Sgt. Pepper. Terminada a mixagem, o quarteto levou uma cópia em acetato ao apartamento da cantora Cass Elliot (Mama Cass), em King’s Road. Já (ou ainda) eram seis da manhã quando puseram o disco para tocar, no volume máximo e com as janelas abertas. As janelas vizinhas se encheram de gente. Que ouviu sem reclamar, em primeira mão, o futuro Disco do Ano. Ou do século, na opinião de milhões de beatlemaníacos. 

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