Como não desenvolver temas políticos dentro da categoria "Cultura", se um e outro são indissolúveis? Esta semana, mais de mil personalidades do mundo da cultura se reuniram na Filarmônica de Paris e mais de uma centena assinou um manifesto contra Marine Le Pen e a extrema direita. Archie Shepp, Renaud, Jeanne Moreau, Annette Messager, Valeria Bruni Tedeschi, Christian Boltanski, Cécile de France, Zazie, Karin Viard, Zabou Breitman, Laura Smet, Alexandre Chemetoff, Georges Didi-Huberman, Romane Bohringer, Catherine Frot, entre outros, denunciaram o caráter racista, antissemita, xenófobo e nacionalista de um programa cultural que defende uma identidade imutável, voltada para si mesma, e uma arte que deve servir a uma ideologia de Estado.
O vandalismo já é a prática dos políticos eleitos que representam o FN. O prefeito de Hayange pintou em azul a fonte do escultor Alain Mila porque a cor original não o agradava e ele não conseguia chamá-la de "arte". Maréchal-Le Pen, a sobrinha de Marine Le Pen, recusa-se a subvencionar arte contemporânea. O prefeito de Luc-en-Provence tirou da programação o filme de Lucas Belvaux, "Chez nous", simplesmente porque "o incomoda". O diretor da Frente Nacional, candidato à prefeitura de Reims, fala abertamente sobre obras importantes, para ele "pseudo-obras que poderiam ser feitas por crianças ou animais com um pincel no rabo". A senhora Neveux, candidata à prefeitura de Roche-sur-Yon denuncia "criadores decadentes", à maneira dos nazistas e do que eles chamavam de "arte degenerada", quando ela se refere a nomes reconhecidos da arte moderna. E o senhor Gollnisch, ex-vice-presidente do FN, designa "todos" os artistas contemporâneos como "gozadores grotescos que tiram dinheiro dos franceses", dizendo que gostaria que cedessem o lugar aos que "ele julga autênticos, talentosos e modernos".
Os eleitos do Front National excluem certos livros das bibliotecas públicas, tiram as subvenções de associações culturais julgadas "politizadas ou comunitárias" e também aquelas que acolhem migrantes, expulsam jornalistas indesejados dos meetings do seu partido. Exprimem desprezo por cineastas, autores literários, artistas plásticos, intelectuais, universitários e jornalistas que não entendem ou com os quais não concordam.
Google de Estado
E não é tudo. Na resposta feita por um representante do FN a uma organização do setor cultural, apresentou-se um projeto estruturado e metódico: a criação de um motor de procura nacional, uma espécie de "Google de Estado"(sic), cujo uso seria obrigatório, substituindo-se ao Google, e cujos critérios de procura, hierarquizados e ordenados, seriam decididos pelo "ministério da cultura".
Cereja sobre o bolo, Marine Le Pen quer instituir um "cartão profissional" para os artistas de todas as categorias. Ora, foi o regime de Vichy que criou, pela lei de 2 de outubro de 1940, um "cartão de identidade" para os profissionais do cinema, documento que devia ser renovado a cada três meses.
No campo audiovisual, a "ordem" de Marine Le Pen compreende uma sociedade de produção nacional financiada por doações públicas. O plano é criar um orçamento anual fixado pelo Estado a partir da "taxa cultural" que seria destinada apenas aos artistas com o tal do "cartão de identidade profissional". O ministério da cultura possuiria uma "direção da cultura francesa no Exterior"!
Se se quer recriar uma "arte oficial", deixar o Estado escolher os seus artistas, controlar a criação cultural e amordaçar a imprensa, a opção de voto para domingo está clara.
A cultura é a condição de acesso a um pensamento livre e crítico, fora do qual não existe real cidadania. É por isso que a liberdade absoluta de criação e expressão deve ser assegurada a todos os criadores, sem exceção. Até a próxima que agora é hoje e tomara possamos preservar a irreverência e a subversão da arte, condição e garantia de liberdade e democracia!
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