
Dentre sua obra colossal de 5 mil desenhos e 10 mil pinturas, serão apresentadas no Brasil100 peças de Paul Klee entre pinturas, desenhos, documentos, gravuras, fantoches e objetos pessoais, de modo a fazer o público brasileiro descobrir o artista (depois de São Paulo, a mostravai percorrer outras cidades como Rio de Janeiro eBelo Horizonte). Contudo, se esta exposição inédita chamada Paul Klee - Equilíbrio Instável tiver as mesmas qualidades da última exposição francesa, ela revelará além do mais os ângulos inimagináveis da sua obra.
São raras as mostras que modificam o nosso olhar sobre um artista. Paul Klee, Ironia à Obra, exibida há dois anos no Centro Pompidou foi uma delas. A retrospectiva não apenas oferecia ao espectador uma aventura como a do Grand Palais, em 1969. Os 230 trabalhos revelavam uma prática que antes não se percebia forçosamente e que, no entanto, perpassa de fato todo o caminho de Klee: a ironia, a sátira e o humor, advindos já do primeiro romantismo alemão e sua "zombaria transcendental".
Um Klee nunca se parece a outro Klee
Tratava-se, segundo a curadora Angela Lampe, "de desvelar como Klee, em todos os períodos, denuncia os dogmas, a doxa e as normas estabelecidas por seus contemporâneos". O que, na verdade, penso ter sido também um esforço no sentido de nos devolver a dimensão "terrena" e a humanidade de um artista diante do qual ficamos sempre suspensos, em estado de leveza, voo e elevação. Duchamp dizia que Klee tinha tanto a dizer que "um Klee nunca se parece a outro Klee". Eu diria que cada porção de cada trabalho também não se parece, transformando uma só peça em caleidoscópio infinito de traços, formas, espaços, superfícies, profundidades, perspectivas e cores.
A sua obra feita com inteligência e criatividade espaciais infinitas, os seus espaços múltiplos e complexos, a sua sensibilidade ilimitada, a facilidade e abundância de seus exercícios gráficos, tudo isso sempre nos pareceu quase impalpável, feito apenas de poesia, sonho e espiritualidade. E de música, principalmente. Sabemos que ele, nascido em família de músicos e violinista aos 7 anos numa orquestra de Berna, hesitou bastante tempo entre as notas musicais e o pincel.
Ver Paul Klee dessa maneira, inédita e muito mais completa, confirmava o fato de que ele é um dos raros artistas verdadeiramente fundamentais do século 20. Uma grandeza só equiparável talvez a Picasso ou a Duchamp dentro, é claro, dos domínios específicos de cada um. Nem Malevitch, nem Kandinsky, Miró, Morandi, nem os surrealistas, ninguém chega à altura de Paul Klee.
Dois monstros sagrados, Klee e Picasso
O percurso foi exultante! Sete formidáveis seções temáticas, que se percorria de maneira fluida: Os Começos Satíricos, primeiros anos solitários nos quais ele zombava da sociedade burguesa e depravada de Berna; Klee e o Cubismo, que mostrava a sua insubordinação à ortodoxia cubista; Teatro Mecânico, quando a sua obra, influenciada pela Bauhaus, onde lecionava, entra em uníssono com Dada, o Surrealismo e particularmente com o trabalho de Oskar Schlemmer; Klee e os Construtivismos, em que ele também passa transversalmente pelas doutrinas; Olhares ao Passado, o confronto discreto no qual ele opõe o seu ceticismo e ironia às certezas e ao proselitismo de seus colegas, durante os anos 1930; Klee e Picasso tratava do efeito causado pela sua visita à retrospectiva de Picasso em Zurique, em 1932; e, finalmente, Os Anos de Crise, período sombrio no qual o artista trabalha apesar da política nazista (que define a sua arte como "degenerada"), da guerra e da doença.
Naturalmente, a parte mais anedótica, e também a mais deliciosa da exposição, foi a do encontro cômico entre os dois monstros sagrados, Klee e Picasso que, na época, têm quase a mesma idade. Neste segmento, as humoradas telas e desenhos "à maneira de Picasso" são a pura e inteligente paródia do virtuosismo picassiano. Menos por provocação ou hostilidade do que para ver realmente como as deformações do mestre funcionavam por dentro, Klee se esbaldava em criar os seus pastiches. O fato é que, como ocorre com todos os grandes, o artista alemão não se levava a sério, possuía distância e desprendimento tanto em relação à vida quanto à arte.
Até a próxima, que agora é hoje, aniversário do gênio que, em 1906, dizia: "Ninguém precisa ironizar à minha custa. Eu me encarrego disso sozinho"!

Suíço naturalizado alemão, Paul Klee (18 de dezembro de 1879 - 29 de junho de 1940) nasceu em uma família de músicos, em Münchenbuchsee perto de Berna. Com formação em Munique, na Alemanha, conheceu artistas como Kandinsky e Franz Marc e com eles participou da segunda exposição do grupo Blaue Reiter (Cavaleiro Azul), em 1912. Também lecionou na Bauhaus entre 1921 e 1931; teve sua arte classificada como "degenerada" pelos nazistas; e morreu na Suíça.

