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Opinião|Este filme tem mais de 2h em um único take de verdade e é de tirar o fôlego: saiba como ver online

‘Victoria’ é uma montanha-russa de sensações, cenários, ingenuidades e consequências. Num fluxo contínuo impossível de parar depois que começa

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Foto do author Simião Castro
Atualização:

Qual a chance de prestar um filme em que a câmera nunca corta? Eu respondo: baixa. E não é como em Birdman, em que 16 grandes planos-sequência são colados quase imperceptivelmente para formar o longa. Ou Festim Diabólico, de Alfred Hitchcock, também uma junção de planos longos com essa impressão. É um take, único, do início ao fim. Assim é Victoria, disponível no Mubi e no Reserva Imovison.

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A façanha do diretor alemão Sebastian Schipper não finge ser um enorme plano sequência. Ele é. São exatas 2h12m54s filmando sem parar. O que faz dele um dos maiores do gênero no mundo. Liga a câmera e só desliga no fim. Passando por várias locações em Berlim, no espaço de também pouco mais de duas horas num final de madrugada.

É o filme sobre um roubo a banco em que o assalto nunca é mostrado. Mas está tudo ali. A parceria entre os ladrões. O plano. O desfecho. As consequências. Tudo fruto de uma conexão inesperada e até profunda. Mas de um jeito que deixa as coisas perigosamente fora de lugar.

Entre os mais longos do mundo

Sebastian disse em entrevista ao programa no YouTube ligado ao Yahoo AOL Build que a maratona é coisa de louco. E que não aconselha ninguém a repetir. Mas a iniciativa está longe de inédita antes e depois da dele (quem não lembra da A Banda Mais Bonita da Cidade?). No ano seguinte, inclusive, uma equipe indiana lançou um filme ainda mais comprido que entrou no Guinness World Records como “Filme sem cortes mais longo”.

One Shot Fear Without Cut tem 3h28min4s, excluídos os créditos de abertura e final. Dirigido por Haroon Rashid, ele foi filmado em Mumbai, em 30 de setembro de 2010. Mas não consegui encontrá-lo disponível online assistir e avaliar se é um bom filme. O trailer é no mínimo questionável.

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Sujeito à imprevisibilidade das ruas

Victoria é o nome da protagonista, uma jovem espanhola que, na saída de uma balada alemã, topa com quatro amigos meio esquisitos e trespassados de bêbados. A ideia era sair da festa virada direto para o café em que ela trabalha.

Mas ela se deixa levar ao encontrar os rapazes que, impedidos de entrar, exalam delinquência além do álcool. E fazem uma promessa, mostrar que “a Berlim de verdade está nas ruas”.

Esse é um dos grandes trunfos da produção. Não foi feita no ambiente controlado e seguro do estúdio. Ela deriva entre locações. Subterrâneos, lojas, apartamentos, dentro e fora de carros, ruas e até bairros. Deriva também de planos, desde muito abertos e gerais até close-ups e detalhes, como um dedo tocando o número de um elevador.

Com uma montanha-russa de sensações e cenários, o fluxo contínuo de 'Victoria' consegue capturar atenção e reações como muito filme editado por aí é incapaz de fazer Foto: Monkeyboy/Divulgação

Jogo de improvisação, causa e consequência

O que se segue é um jogo de causa e efeito, numa tensão permanente, que só se intensifica sob a vigilância ininterrupta da câmera sobre as personagens. Por tudo isso, é necessário o reconhecimento do diretor de fotografia Sturla Brandth Grøvlen, que foi quem operou brilhantemente as lentes.

O ousado projeto de Sebastian não era apenas o exercício de manter a ação após o “gravando”. O roteiro era composto basicamente de orientações gerais para os atores, apenas com as situações que viveriam a cada etapa da história.

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E aí eles improvisavam o resto. Ou seja, praticamente tudo. Porque também não havia falas definidas. “Eu acho que roteiros são supervalorizados”, disse o diretor em entrevista ao AOL Build. E ele mesmo admite que a declaração é um tanto presunçosa.

Mas ele pode, afinal, conseguiu o resultado com apenas 12 páginas escritas que mais de um ator não leram, inclusive a protagonista Laia Costa. Ela contou a curiosidade na mesma entrevista e disse que só o que o diretor cobrou foi que eles não repetissem o que já tivessem feito ou uma frase que já tivessem falado.

O assalto nunca é visto, mas angústia que provoca é ainda pior Foto: Monkeyboy/Divulgação

Sem chance de errar demais

Eles tinham três chances para acertar. Foi tudo o que o diretor conseguiu com os patrocinadores. Afinal, mesmo para um enorme estúdio, a empreitada é cara. Mesmo com uma equipe comedida, ainda assim todos os atores, figurantes, locações, assistentes de direção e som tinham que estar de prontidão por duas horas direto.

Sebastian prometeu respeitar este custo oferecendo uma versão editada do filme caso o plano de um único take não dar certo. E ele conta que a primeira tentativa foi sem sal, porque os atores ficaram com medo de errar. Na segunda vez, o resultado foi o completo oposto.

“Eles foram com tudo e foi muita maluquice. Totalmente fora de proporção em tantos níveis que ficou contraprodutivo”,

diz o diretor.

E mais do que uma estratégia de marketing para o causo ficar bonito, é crível que a terceira tentativa era a última e também a que deu certo. Porque, ao assistir o filme, é perceptível que eles só fizeram funcionar porque tinham que fazer.

'Victoria' é uma mulher despedaçada por dentro, num misto de ingenuidade e inconsequência, interpretada com sensibilidade por Laia Costa Foto: Monkeyboy/Divulgação

Retrato de sentimentos e impulsos obscuros

O produto é um mergulho no íntimo de uma garota que praticamente fugiu da Espanha, despedaçada por estar em ambientes tóxicos e que minavam a própria autoconfiança e sonhos. Isso é muito bem traduzido na cena em que Victoria toca brilhantemente o piano, completamente absorta, e para subitamente como se arrancada de um transe.

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O filme constrói um emaranhado de diferentes relações, enquanto sai de uma boate, sobe ao terraço de um prédio, entra num café e foge da polícia. Elos resistentes e que se tornarão permanentes, apesar dos desfechos.

Mas ainda resta a dúvida se Victoria é uma mulher desamparada e ridiculamente influenciável, ou alguém inconsequente que vive atrás da próxima injeção de adrenalina e manipula o contorno para ser incluída ainda que no lugar errado, na hora errada.

Como muitos filmes europeus, os dois primeiros atos até parecem arrastados não são mas a narrativa deixa o espectador sem fôlego. Inclusive esperando o que vem adiante nesse fluxo contínuo. Ao final, público e Victoria encontram o que procuram. Só que ela claramente não está preparada para lidar com as consequências.

Opinião por Simião Castro

Repórter de Cultura do Estadão

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