O Tiranossauro Rex andou para o Avatar poder correr e Ariel poder nadar. Ok, a brincadeira talvez não seja a melhor porque o T-Rex já corria, mas deu para entender.
A questão é que a revolução digital feita por Jurassic Park é a responsável pela grandiosidade dos efeitos que o cinema produz hoje. E pelo filme não ter usado stop motion, como muitos do gênero antes.
A cadeia de acontecimentos que levou a isso é a mesma que permitiu aos cineastas adotarem a manipulação computadorizada de imagens para dar vida a animais.
Em resumo, os live-actions de faces inexpressivas da Disney como O Rei Leão e A Pequena Sereia só existem porque no comecinho dos anos 90 Steven Spielberg apostou na tecnologia que estava nascendo. E fez dela o que é hoje.
Jurassic Park foi lançado em 13 de junho de 1993 no Brasil, dois dias antes dos Estados Unidos. E foi um marco para a forma de fazer cinema no mundo.
O chroma key, a revolução anterior, já tinha mudado tudo vários anos antes. E virou tão arroz de festa que é quase norma no cinema. Mas a próxima barreira estava prestes a cair.
Spielberg estava empolgado com a perspectiva de filmar dinossauros e acreditava no roteiro que tinha nas mãos. Também estava conformado com a tecnologia disponível na época. Mas tudo pode melhorar.
Efeitos práticos e virtuais
Para fazer os animatrônicos, os “robôs” usados para as tomadas mais fechadas, dos detalhes, foi escalado ninguém menos que Stan Winston. A equipe dele é a responsável pelas criaturas de Alien e Exterminador do Futuro.
Já para os planos abertos, em que daria para ver os dinossauros de corpo inteiro, o diretor chamou Phil Tippett. Uma lenda do stop motion, figura que fez mexer exércitos inteiros de Star Wars e máquinas em Robocop.
O problema é que stop motion em live-action gera uma sensação de estranheza no espectador, de artificialidade. Falta à imagem um certo borrão de movimento que a filmagem comum produz, e é mais agradável aos olhos.
É aí que entra Steve ‘Spaz’ Williams. Ele e colegas vinham desenvolvendo animação computadorizada para vídeo. O que na época se popularizou como computação gráfica.
A empresa para a qual trabalhava já estava encarregada de cuidar do stop motion e até aprimorar a técnica. Com o chefe enfaticamente proibiu desenvolvimento de computação gráfica. “‘Não’ para mim significa ‘sim’. E me diziam ‘não’ o tempo todo”, disse Steve ao documentário Filmes que Marcam Época.
A ‘emboscada’ que mudou o cinema
Steve resolveu ‘emboscar’ a produtora do filme. No dia em que exibiriam o progresso do que tinham feito até ali para Kathleen Kennedy, ele montou um monitor posicionado estrategicamente no trajeto que ela faria. E botou esta imagem para rodar:
Pode parecer pouco hoje, mas bastou o esqueletinho de dino andando para tudo mudar. Eles criaram o modelo digital do Tiranossauro e a suavidade do movimento eletrônico fez todo mundo pirar e os planos alterarem para sempre.
Spielberg ficou fascinado com o que viu. E descartou de imediato a ideia de stop motion. O episódio gerou até fala para o filme, porque o diretor foi comunicar a Tippett a decisão e perguntou como ele se sentia. ‘Me sinto extinto’, respondeu.
O cineasta pegou então a frase e colocou na voz do personagem de Jeff Goldblum. Em uma passagem, o especialista em teoria do caos diz aos paleontólogos que, com a clonagem de dinossauros, eles seriam extintos.
Daí em diante, além do T-Rex, outros coleguinhas pré-históricos foram criados. Sendo intercalados com os animatrônicos construídos pelo departamento de arte.
A história completa de como Jurassic Park foi criado e chegou às telas é contada em detalhes no documentário. Na realidade, Filmes que Marcam Época é uma série da Netflix, que mostra como grandes clássicos do cinema foram feitos.
Até agora, são três temporadas disponíveis com títulos como Dirty Dancing, Esqueceram de Mim, De Volta Para o Futuro e Uma Linda Mulher. Vale assistir no original em inglês, o narrador é impagável.
Efeitos como recurso narrativo
O realismo alcançado permitiu alternativas cinematográficas antes impossíveis. Como filmar com a câmera em movimento, acompanhando os animais em tempo real.
E também favoreceu a narrativa, criando talvez a cena mais angustiante do cinema. Quando as crianças estão na cozinha, perseguidas pelos velociraptors. O teste em stop motion não chega aos pés do terror que a versão final provoca.
Esse novo jeito de fazer cinema foi virando a norma. E hoje assistimos a deslumbres visuais como Avatar de forma absolutamente natural. Nem sequer questionamos como aquele mundo inteiro - não apenas as criaturas - é virtual.
Uma história que marcou a história
Além do absoluto fenômeno de bilheteria e do sucesso de audiência, com legiões de fãs, o resultado veio em forma de prêmios. Spielberg venceu o Oscar de Melhores Efeitos Visuais naquela temporada. Merecidamente, depois de outra vez fazer história.
O feito não foi pequeno. Ainda hoje os efeitos de 1993 passam muito bem por novas audiências. Envelheceram como vinho. E são até superiores aos vistos em filmes e séries novos da Marvel, por exemplo. O pecado na finalização nem sempre depende do tamanho ou do orçamento das produções.
O filme também ganhou Oscars de Melhor Som e Melhor Edição de Som. Que por si só mereceriam também uma coluna separada, pois ali inventaram a maneira como escutamos e imaginamos os sons dos dinossauros.
Onde ver
Jurassic Park e as sequências da antiga trilogia estão no catálogo da Netflix. Assim como o primeiro longa da nova trilogia: Jurassic World.
Já Jurassic World: Reino Ameaçado só está disponível para aluguel em várias plataformas. Da mesma maneira que Jurassic World: Domínio, que também pode ser visto no streaming do Telecine.
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