Abril de 1968. Músicas longas já não eram novidade. Bob Dylan havia aberto o caminho três anos antes, com Like a Rolling Stone, uma faixa com 6,09 minutos. Um ano antes os Beatles lançavam Sgt. Peppers e encerravam o álbum com 5,33 minutos de A Day in the Life.
Nada a estranhar, portanto, com aquela longa, incomum e linda obra de 7,21 minutos. Mas houve estranhamento, sim. Em primeiro lugar, quem era aquele cantor de quem pouquíssimos já tinham ouvido falar? Que tipo de música era aquela, com vários andamentos? E a letra? O que ela significava? Era alguma ária de ópera? Era clássico? Era rock?
Na verdade, era um pouco de tudo. Tratava-se de McArthur Park, que acaba de completar 50 anos, obra-prima de Jimmy Webb. Para interpretá-la, um ator irlandês e cantor improvável, Richard Harris (Um Homem Chamado Cavalo, Gladiador e o feiticeiro Dumbledore, na saga Harry Potter, entre outros filmes).
A Tramp Shining - Em 1967, Harris havia terminado de atuar em Camelot, filme no qual cantou algumas músicas. Gostou de cantar e quis cantar mais. Foi atendido por Webb com um álbum: A Tramp Shining. Belas canções. Nenhuma como McArthur Park.
Difícil explicar tal obra, mas não impossível. McArthur Park existe de fato e fica em Los Angeles. Nele Jimmy Webb costumava encontrar Susie Horton, um relacionamento no qual apostou, mas que não durou. A música conta, então, a história de um amor perdido, mas nunca esquecido.
Metáforas - Para tanto, na letra, Webb utilizou-se de metáforas inusuais para descrever a dor de um rompimento e a saudade que insiste em permanecer. O fato é que Webb foi desafiado a compor uma música que unisse o pop e o clássico. Aceitou o desafio e compôs McArthur Park com a cabeça em Susie, entre o verão e o outono de 1967.
Concebeu a obra na forma de uma cantata (tipo de composição vocal, para uma ou mais vozes, com acompanhamento instrumental e coral. Bach compôs mais de duzentas cantatas, entre elas 'Jesus, Alegria dos Homens') e a ofereceu ao grupo vocal The Association, que a rejeitou de pronto. Não compreenderam a música.
Intrigante - McArthur Park nada tinha de Bach, mas era intrigante. Numa festa em Los Angeles, Richard Harris insistiu que Webb lhe compusesse algo. Já em Londres, onde Harris vivia, Webb apresentou-lhe A Trump Shining, um conjunto de canções da qual McArthur Park fazia parte.
No desafio que lhe foi proposto, Webb imaginou (e realizou) quatro movimentos. O primeiro, a abertura, foi intitulado In The Park com uma linha de piano e cravo, além de metais e orquestra.
O segundo movimento, em andamento mais lento, foi chamado de After the Loves of My Life. O terceiro, um Allegro poderoso, apenas instrumental, com guitarra, baixo, piano, metais e orquestra. Para terminar a peça, Webb propôs uma reprise da primeira parte, com um clímax dramático proporcionado pela voz de Harris e um coral de vozes femininas.
Amor e saudade - A letra de McArthur Park sempre intrigou muita gente. Ela fala em um bolo deixado na chuva e na impossibilidade de recuperar sua receita. Apenas uma metáfora. Webb e Susie costumavam comer no parque. O rompimento foi representado pelo bolo na chuva. A impossibilidade de retomarem o relacionamento foi representada pela receita perdida. A saudade de Susie, com uma tocante declaração de amor, está representada no segundo movimento:
After all the loves of my life, After all the loves of my life You'll still be the one.
And after all the loves of my life Oh, after all the loves of my life I'll be thinking of you And wondering why?
Ouça McArthur Park, com o ator Richard Harris:
46 anos depois - Em entrevista concedida ao Newsday em outubro de 2014, ou seja, 46 anos depois de tê-la composto, Jimmy Webb mais uma vez foi questionado sobre o sentido de sua letra.
Sua resposta:
"Tudo na música era visível. Não há nada fabricado. Os velhos jogando damas perto das árvores, o bolo que ficou na chuva. Todas as coisas cantadas na música eu as vi e vivi realmente. Trata-se de uma colagem musical de todo esse caso de amor que aconteceu entre mim e Susie em McArthur Park".
Essa separação inspirou outra canção muito bonita, intitulada By the Time I Get to Phoenix, gravada inicialmente por Johnny Rivers, em 1967, e pelo cantor e guitarrista country Glenn Campbell, recentemente falecido.
Ouça By the Time I Get to Phoenix, com Johnny Rivers:
A pior - Em 1992, o crítico Dave Barry, do Miami Herald, conduziu uma enquete entre seus leitores e o resultado foi curioso: a gravação de Richard Harris foi considerada a pior canção de todos os tempos, tanto no quesito Pior Letra como no de Pior Canção entre Todas. O comentário do crítico ficou entre a desolação e a imparcialidade: "É difícil argumentar com os entrevistados que escolheram o pior." De qualquer forma, é bem possível que nos próximos cinquenta anos McArthur Park continue intrigando alguém aqui e ali. Isso é bom. É o que torna certas coisas eternas.
Para quem quiser conferir:
A letra de McArthur Park:
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