Está marcada para novembro a apresentação do filme que conta a vida e o drama de um dos maiores ídolos do rock, Freddie Mercury, líder e fundador do grupo britânico Queen. Porém ninguém precisa esperar até lá para ter uma boa ideia do que foi um turbilhão que levou multidões a estádios e que viveu tão pouco, apenas 45 anos, mas intensamente. Sua obra-prima "Bohemian Rhapsody" é uma espécie de livro aberto sobre suas angústias e amores. Há quem diga que os versos de sua balada operística mesclada com hard rock e muita delicadeza são impenetráveis. Há gente para tudo, afinal. Vamos à rapsódia.
Há pelo menos quatro anos tenta-se concluir uma ideia genial: contar em filme a vida de Freddie Mercury, desde seu nascimento na distante Cidade de Pedra, em Zanzibar, hoje território da Tanzânia, África. Filho de indianos parsis zoroastrianos, Freddie nasceu Farroukh Bulsara. Pianista, compositor, cantor exuberante, morreu do mal de amor. Sua história deverá ser contada nas telas em novembro. Por ora, vale citar um outro episódio de sua vida: a composição e gravação da dramática e operística "Bohemian Rhapsody", tão magnífica quanto a apaixonada "Love of my Life".
Ouça Love of my Life, música inspirada, uma declaração de amor. Freddie e Brian May no violão de 12 cordas:
Origens - A grande verdade é que as origens de "Bohemian Rhapsody" são obscuras ou, pelo menos, multifacetadas. Freddie a teria escrito em sua casa, em Londres, uma versão questionada com doçura por Brian May, o guitarrista astrofísico do Queen. Sim, May é um respeitado astrofísico pelos círculos científicos britânicos. Para ele, a música teria sido composta em estúdio, como a maior parte das demais canções do grupo. Admite, porém, que ela estava na mente de Freddie há muito tempo.
Desde o final das década de 60, afirma Chris Smith, amigo próximo de Freddie. "Ele já dedilhava no piano pequenos trechos que mais tarde se transformariam na Rhapsody. Ele também insinuava sugestivamente no piano a canção Mama, gravada por Roy Orbison em 1962.
Em gestação -Só depois de mais de uma década a música começou a tomar sua forma final. O produtor Roy Thomas Baker disse que Mercury o chamou para mostrar-lhe uma ideia que o perseguia. "Ele sentou-se ao piano e tocou o começo da música. De repente, parou e disse que a partir daquele compasso entraria a seção da ópera. Não disse mais nada. Levantou-se e foi jantar".
Em 1975, o Queen já era uma banda famosa e seu líder personificava toda a força de um cantor que sabia cantar. Freddie humilhou o esteriótipo do cantor roqueiro de voz rouca e mais nada. Tinha a voz educada, potente, de um alcance quase infinito. Os demais integrantes da banda eram também bons cantores. Além de Brian May, cuidavam dos vocais o baixista John Deacon e o baterista Roger Taylor. Quem se recorda dos vocais de "Somebody to Love"?
Ouça Somebody to Love e a belíssima harmonização vocal do Queen:
A gravação - Apesar de todo esse aparato artístico, a gravação de "Bohemian Rhapsody" levou três semanas e contou com nada menos do que 180 overdubs (novas gravações sobre a gravação original) de vocais de apoio combinados com vários instrumentos: piano acústico, baixo elétrico, guitarras elétricas, bateria e até um imenso gongo chinês. Somente depois de pronta essa "cama" de apoio é que Freddie gravou o vocal principal. A partir daí, o Queen se tornaria a primeira banda de rock a usar elementos de ópera em uma música.
"Bohemian Rhapsody" é uma obra-prima composta por quatro movimentos: a balada do início, a força da ópera no meio, uma enérgica seção de hard rock e um final delicado. Há quem julgue a música confusa, hermética, especialmente a letra. Talvez seja, mas pode haver uma explicação. Antes disso, porém, representantes da indústria da música alertaram a banda que a "Rhapsody" era longa demais e que dificilmente seria um sucesso. Erraram.
"Absurdo aleatório" - A princípio, críticos do New York Times desmancharam-se em elogios, elogiaram a letra, mas deixaram dúvidas no ar quanto ao seu significado. Freddie, irredutível, recusou-se a dar explicações sobre sua composição. Pouco depois, mencionou que a letra refletia relacionamentos, mas logo mudou de ideia e a definiu como "um absurdo rimado aleatório".
Os demais integrantes do Queen, especialmente Brian May, respeitaram a proteção que Freddie fazia de sua canção, mas sabiam que ela continha referências ocultas a traumas pessoais do cantor.
Fausto - Especulações nunca faltaram, algumas consideradas delirantes, como a que compara a "Rhapsody" à tragédia de Fausto, o médico, mago e alquimista alemão Johannes Georg Faust (1480-1540), que vendeu sua alma a Mefistófolis, o diabo. A figura de Fausto foi resgatada em outras obras, entre elas a de Johann Wolfgang von Goethe, que a escreveu e reescreveu ao longo de quase 60 anos.
Há os que dão interpretações mais mundanas (ou simplesmente mais humanas) à obra. Ao compor "Bohemian Rhapsody", Mercury estava no ponto de não retorno em sua vida pessoal. Ela havia se separado de Mary Austin, companheira de sete anos e amiga por toda a vida, para viver seu primeiro relacionamento com um homem.
Ouça Bohemian Rhapsody, música na qual Freddie Mercury exporia seus traumas e sua orientação sexual:
A letra - Versos da "Rhapsody"permitem essa interpretação, ou seja, sua orientação sexual:
Mamãe, acabei de matar um homem / Coloquei uma arma contra sua cabeça / Puxei o gatilho, agora ele está morto / Mamãe, a vida acabou de começar / Mas agora eu joguei tudo isso fora.
Para os que vêem uma ligação com Fausto:
O minha mãe, minha mãe / minha mãe, deixe-me ir / Belzebu deixou um diabo para mim / Para mim / para mim...
Veja a letra completa de "Bohemian Rhapsody":
Expectativa - Quem sabe agora, no filme produzido pela Fox, a história por trás da rapsódia seja revelada. A revista Variety previa o lançamento da obras para 25 de dezembro, mas tudo indica que a vida de Freddie Mercury irá às telas um pouco antes, em 2 de novembro, sem data ainda para estreia no Brasil. No papel de Mercury, Rami Malek, de "Mr. Robot".
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