Análise: Zé Celso transgrediu as regras e criou ilusões eloquentes

Diretor, que morreu na quinta-feira, 6, fez sua arte a partir de sua inquietação e insatisfação

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Foto do author Ubiratan Brasil

A inquietação, fomentada por uma persistente insatisfação, era o principal combustível criativo de José Celso Martinez Corrêa, que morreu nesta quinta-feira, 6, aos 86 anos. E, como nos anos 1960, quando ele começou, os projetos pessoais se confundiam com os coletivos, era normal que sua arte fosse essencialmente política.

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Entre diversos trabalhos, Zé Celso poderia ser imortalizado por apenas um, a montagem de O Rei da Vela, em 1967, a partir do original de Oswald de Andrade. Fiel adepto do teatro ritualizado, o encenador dialogou na época com outras duas obras-primas, o filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, e as músicas de Caetano Veloso, em especial Alegria, Alegria e Tropicália.

É pouco provável que os três artistas tivessem trocado ideias estéticas, mas o fato é que os três refletiram com incrível visão estética a desintegração política e social sofrida pelo Brasil no auge do regime militar.

Zé Celso, em 2017, na estreia da remontagem de 50 anos de 'Rei da Vela' Foto: Daniela Ramiro/Estadão

E Zé Celso apostou no que seria o fio condutor de seu trabalho a partir de então, ou seja, um teatro em que a existência e a sexualidade ocupavam tanto o plano da discussão como o da ação cênica. A fim de driblar a censura, a alegoria tornou-se obrigatória, não apenas no jogo de palavras, mas também na atuação, cada vez mais carnavalizada no sentido da preponderância da festa da carne.

Ze Celso, em atuação no Teatro Oficina  Foto: Marcos Camargo / EFE

Ao longo dos anos, o teatro de Zé Celso tornou-se mais bacante – no qual o fato de se estar vivo é motivo de sobra para celebração. E também mais explícito, como se o pudor representasse alguma forma de censura. No centro de tudo, sempre o ator libertário – para ele, a qualidade de corpo ardente é tão essencial para a arte do ator quanto a disciplinada consciência do ofício. Assim, ao mesmo tempo em que afastava o espectador tradicional, Zé Celso atraía jovens interessados na forma despudorada, mas repleta de símbolos, com que criticava a violência social sofrida pelos mais humildes.

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Zé Celso tornou-se um dos poucos diretores brasileiros com a capacidade de criar ilusões sempre eloquentes, em que festas regadas a vinho e cantoria significam uma exaltação ao corpo, entendido sempre como algo coletivo que guarda e revela as marcas da cultura.

Era um homem verborrágico, que não se contentava em transmitir suas ideias apenas pela palavra, que era obrigatoriamente completada por gestos coreográficos e inesperadas inserções musicais. Como grande artista, sabia como poucos transgredir as regras.

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