ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Em Três Mulheres Altas, peça escrita pelo americano Edward Albee no começo da década de 1990, um trio feminino discute questões pertinentes ao universo de cada uma delas. A mais velha, a senhora A (Suely Franco), tropeça na memória enquanto repassa, aos 92 anos, sua vida para a cuidadora, denominada B (Deborah Evelyn), que tem mais de 50. Responsável por administrar os bens da idosa, a advogada C (Nathalia Dill), de 26 anos, ouve quase tudo e, muitas vezes, discorda das outras duas.
Sob a direção de Fernando Philbert, o espetáculo estreia nesta sexta, 4, no Tuca, depois de ser visto por 10.500 pessoas em dois meses no Rio de Janeiro. A passagem do tempo e a forma como cada uma dessas mulheres lida com o envelhecimento são as protagonistas do texto, mas Philbert, consciente das transformações do mundo, especialmente nas últimas décadas, propôs às intérpretes uma releitura da obra. “O meu foco são essas mulheres de agora, Suely, Deborah e Nathalia, que têm uma postura e um caráter político, e como elas se percebem atravessadas pelos discursos das personagens”, explica o diretor.
Releitura
A única versão brasileira de Três Mulheres Altas até agora tinha sido dirigida por José Possi Neto em 1995 e contava com Beatriz Segall, Nathalia Timberg e Marisa Orth. Pode parecer que nem faz tanto tempo, mas Deborah levanta uma questão que evidencia diferenças dessa releitura. “Uma mulher de 90 anos hoje é bem diferente daquela de 30 anos atrás, pode estar em plena atividade e ter uma voz social, basta ver a Fernanda Montenegro”, comenta. Suely completa a fala da colega, justificando que essa mudança de comportamento se deve ao fato de as mulheres terem descoberto um lugar na sociedade. “A minha geração encontrou o prazer de fazer as coisas, de trabalhar, e isso nos faz envelhecer bem, com uma cabeça arejada”, diz a veterana do trio, aos 83 anos. “Se tivesse ficado às voltas de marido e filhos ou trabalhasse em um banco acho que já teria morrido.”
Philbert se lembra que foram muitos os questionamentos das intérpretes em relação às falas do original - e algumas passaram por revisões. Nathalia, de 36 anos, por exemplo, considerou estranho ler que a personagem C afirma que sua primeira experiência sexual tinha sido “maravilhosa”. A atriz argumentou que as mulheres sabem que a perda da virgindade não costuma ser “maravilhosa”, podendo até resultar no contrário disso. A fala foi adaptada e uma abordagem feminista se faz notar. “O mais bonito é perceber que o espetáculo continua se transformando durante a temporada, de acordo com a troca estabelecida com o público, e, hoje, considero que ele está bem diferente por causa desse olho no olho com os espectadores”, avalia Nathalia.
Deborah, aos 58 anos, salienta que as sutilezas de Albee na criação de tipos tão humanos foram sublinhadas por Philbert, e a peça traz à tona temas contemporâneos, como racismo, homofobia e exclusão social. Ela cita que a personagem C se revolta com colocações preconceituosas da personagem A, e as atrizes chegaram a debatera se alguém pode se tornar tão diferente com o passar dos anos.
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