Pode parecer contraditório, afinal, tudo o que um artista persegue passa pelo sucesso e reconhecimento. Mas não foi bem assim para o ator Mateus Solano, de 43 anos, que, entre 2013 e 2014, atingiu a consagração como o Félix da novela Amor à Vida, exibida pela Rede Globo. O vilão, capaz até de jogar a sobrinha recém-nascida em uma lixeira, conheceu a redenção ao se apaixonar por Niko (papel de Thiago Fragoso), ganhou a simpatia do público, e a dupla protagonizou a primeiro beijo homoafetivo entre homens em uma novela das nove.
Solano, que vinha de uma popularidade crescente com a minissérie Maysa: Quando Fala o Coração (2009) e as novelas Viver a Vida (2009), Morde e Assopra (2011) e Gabriela (2012), começou a se perder de si mesmo e se sentir um figurante da própria biografia. “As pessoas que me entrevistavam queriam falar com o Félix e não comigo”, comenta. “Por mais celebrado que estivesse naquele momento, a fama era do personagem e não minha, não me encontrava mais em mim mesmo.”
O argumento do monólogo O Figurante, que estreia na sexta, 10, no Teatro Renaissance, em São Paulo, depois de passar pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília, ronda a cabeça do artista desde aquela época. “Eu me sentia um figurante na época do Félix e busquei uma forma de me expressar sobre isso”, diz. Com direção de Miguel Thiré, a peça teve a dramaturgia construída a seis mãos – as de Solano, Thiré e da atriz Isabel Teixeira – e narra a história de Augusto, um figurante profissional do audiovisual que em uma rotina pobre de sentido se enfraquece como ser humano por causa do cotidiano aquém do seu potencial.
Solicitado pelos produtores, o competente Augusto é convidado para um trabalho atrás do outro, estuda os personagens e, na hora em que a câmera dispara, fica quieto em um canto ou, no máximo, dá um sorriso na cena. “É uma peça sobre a invisibilidade, que deseja mostrar aquilo que não é visto tão facilmente e, a partir desta camada, ela fala de muitas outras coisas, além do Augusto”, explica o ator. “Ele é mais uma Macabéa, um Severino, um dos tantos brasileiros que apenas cumprem tarefas e se limitam a ser um funcionário da vida”, completa ele, citando os protagonistas dos livros A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (1920-1977), e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (1920-1999).
É a primeira vez que o intérprete sobe sozinho no palco, e tudo em O Figurante segue as bases de um teatro essencial. É texto, atuação, trabalho de corpo e limpeza cênica total. Não deixa de ser um imenso contraste ao seu espetáculo anterior, O Mistério de Irma Vap (2019), superprodução dirigida por Jorge Farjalla, em que contracenou com o ator Luís Miranda se desdobrando nos múltiplos tipos defendidos por Marco Nanini e Ney Latorraca (1944-2024) na versão brasileira original. “O Figurante é uma peça diferente em tudo”, garante. “Temos cenas enormes que contam apenas com áudios para reproduzir uma multidão em um set de filmagem e dispensamos qualquer parafernália.”
Como artista, Solano garante que, enfim, assumiu as rédeas da sua carreira e, apesar de grato aos bons papéis que fez na televisão, diz que só deixou de se sentir o tal figurante há pouco mais de três anos. Em 2022, depois de 13 anos, ele perdeu o contrato fixo com a Globo e ganhou a liberdade de escolher os seus projetos, seja no audiovisual ou no teatro. “Fiquei em uma situação muito confortável em todo aquele período e só agora enxergo que conquistei o protagonismo”, justifica. “Entre uma novela e outra, sempre voltei ao palco para não ficar cristalizado, para me apimentar, mas hoje entendo que o capital emocional é mais rico que qualquer estabilidade.”
O ator, porém, salienta que nem sempre é necessária a autoexigência do protagonismo. Como um exemplo, ele cita as relações pessoais e, especialmente, a paternidade. “Ser pai me fez ver que é preciso viver junto e o grande barato da vida se faz nas relações”, diz ele, que é pai de uma menina e de um menino, do seu casamento com a atriz Paula Braun. Sobre as redes sociais, Solano pensa que elas mais afastam do que unem as pessoas e corre-se o risco de que, de acordo com o uso, muitos deixem de acreditar nos próprios potenciais. “Eu sou de uma geração em que pensar diferente era uma oportunidade, um desafio para a gente se abrir e compartilhar novas ideias”, observa. “Por isso, considero o humor a grande ferramenta de reflexão, porque as pessoas saem de casa em busca de entretenimento e o artista deve usar a comédia para falar de coisas sérias com quem vive na defensiva.”
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Mesmo sem o contrato, Solano continua dando as caras na emissora que o popularizou. Até menos de um ano, ele foi o executivo Jonas, dividido entre o casamento com a milionária Helena (Isabel Teixeira) e o amor de juventude, Adriana (Thalita Carauta), na novela Elas por Elas. “Faz tão pouco e as pessoas já me perguntam quando eu volto às novelas como se fosse eu quem decidisse isto”, brinca. Mas, em breve, o ator retorna ao ar em uma série do Globoplay, já gravada. Em Juntas e Separadas, de Thalita Rebouças, ele contracena com Luciana Paes, Sheron Menezzes, Natália Lage e Debora Lamm em um enredo de mulheres na faixa dos 40 anos. “Os personagens masculinos são satélites que orbitam em torno destas mulheres para abordar empoderamento, mercado profissional e machismo.”
O Figurante
- Teatro Renaissance
- Sexta, 21h; sábado, 19h; domingo, 17h.
- R$ 150,00.
- Até 31 de março. A partir de sexta (10)