O Grupo Silvio Santos (GSS) emparedou os Arcos do Beco do Teatro Oficina na manhã desta segunda-feira, 5, em São Paulo. Além disso, retirou a escada azul, alvo de uma ação judicial, que liga a arena do teatro ao terreno que pertence ao conglomerado de mídia. A intervenção pode ter alterado as características do prédio, que é tombado pelo Patrimônio Público.
Nas redes sociais, o Teatro Oficina protestou contra a atitude do GSS. “O Teatro Oficina foi surpreendido por uma ação truculenta de fechamento dos arcos do beco empreendida pelo Grupo Silvio Santos”, diz a legenda da gravação (veja o vídeo abaixo).
O Estadão entrou em contato com o GSS, que afirmou cumprir uma ação judicial, mas não comentou sobre o emparedamento dos Arcos (veja nota completa mais abaixo).
A autora do vídeo citou o projeto do Parque do Rio Bixiga, idealizado pelo dramaturgo Zé Celso, fundador do Teatro Oficina e morto em 2023 em um incêndio. Ela disse que o emparedamento dos arcos foi ilegal.
“A história do Teatro Oficina é uma história de abertura. Esse beco sempre foi desejado que fosse aberto para comunicar [a parte de] dentro do teatro com o parque, com o entorno. Em 2010, há 14 anos, os Arcos do Beco foram abertos”, dizia.
A versão do Teatro Oficina afirma que, ao contrário do que o GSS disse, não há uma decisão sobre a ação de reintegração de posse da escada azul. “O Grupo Silvio Santos se antecipou à ação judicial, cometendo a retirada precipitada da escada, antes que a juíza desse o parecer final da reintegração de posse”, completou.
Segundo a equipe jurídica do Oficina, o MP concluiu que “a escada poderia ser retirada, mas que o fechamento da referida abertura deveria ser precedido de autorização dos órgãos responsáveis pelo tombamento do teatro”. Ou seja, a retirada da escada não seria responsabilidade do grupo GSS..
Ao Estadão, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) afirmou que “a retirada da escada foi autorizada pela Justiça”. O órgão também disse que a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente instaurou um procedimento para apurar o emparedamento dos arcos (veja comunicado na íntegra mais abaixo).
Mais tarde, o Teatro Oficina emitiu uma nota pública com seu lado da história. “Após análise técnica do Ministério Público, e após largo tempo de discussão a respeito, o MP chegou à conclusão de que a escada poderia ser retirada, mas que o fechamento da referida abertura deveria ser precedido de autorização dos órgãos responsáveis pelo tombamento do teatro”, dizia o comunicado (leia na íntegra abaixo).
O Teatro Oficina alega sofrer uma retaliação política pela “luta coletiva pela preservação do último chão de terra livre do centro da cidade de São Paulo das garras da especulação imobiliária”.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) afirmou ao Estadão que a retirada da escada trata de um cumprimento de sentença.
“Em decisão proferida em 14/9/23, foi autorizada a retirada da escada, porque tanto a perícia judicial quanto o órgão técnico do Ministério Publico constataram que não se encontra dentro da área tombada do imóvel”, afirma.
“A perícia também constatou que não havia nenhum impedimento ao refazimento da parede do teatro, com fechamento dos arcos que dão acesso aos imóveis da autora. A decisão determinou, porém, que a empresa buscasse prévia aprovação de tal obra pelos órgãos responsáveis pela proteção do patrimônio (Conpresp, Condephaat e Iphan)”, finaliza.
Leandro Grass, presidente do Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan) afirmou que o órgão de São Paulo já foi acionado e que será feita uma “vistoria técnica” no local.
“Procederemos com as medidas determinadas pelas normas de preservação do patrimônio. Estamos acompanhando a situação e nos colocamos à disposição de vocês. Contem conosco”, comentou na nota da publicação do Teatro Oficina no Instagram.
Em comunicado oficial, o Iphan alegou que realizará a vistoria no Teatro Oficina nesta terça-feira, 6. Além disso, o órgão recebeu a notícia do emparedamento dos Arcos com surpresa (veja nota completo abaixo).
“O casarão, localizado no bairro do Bexiga, em São Paulo (SP), encontra-se tombado em nível federal pelo Iphan desde 2010″, diz o Iphan.
“Na oportunidade, foram definidas as medidas que garantem a preservação do imóvel, o que implica na necessária aprovação, pela Superintendência do Iphan em São Paulo, de qualquer obra de intervenção direta ou indireta no bem ou no seu entorno”, completa.
Projeto do Parque Rio Bixiga
A ação do Grupo Silvio Santos ocorre após o Ministério Público e a Prefeitura de São Paulo anunciarem, em dezembro de 2023, R$ 51 milhões para a criação do Parque do Rio Bixiga. O projeto poderá sair do papel desde que a Universidade Nove de Julho (Uninove), a Prefeitura e o MP firmarem um acordo financeiro.
Conforme o anúncio da Prefeitura, mais de R$ 1 bilhão de uma ação civil de improbidade administrativa e transação tributária da Uninove retornará aos cofres públicos e deverá ser destinado para, entre outros projetos, a compra do terreno no qual o parque deverá ser construído.
Leia também
O que dizem os envolvidos
Nota do MP
“A retirada da escada foi autorizada pela Justiça (processo 0037379-97.2022.8.26.0100). A Promotoria de Justiça do Meio Ambiente instaurou procedimento para apurar a emparedamento dos Arcos do Beco no Teatro Oficina. A instalação do Parque do Bixiga depende da desapropriação da área pela Prefeitura”.
Nota TJSP
“Trata-se de Cumprimento de Sentença em razão do trânsito em julgado do acórdão na Apelação 1018860-38.2014.8.26.0100.
Em decisão proferida em 14/9/23, foi autorizada a retirada da escada, porque tanto a perícia judicial quanto o órgão técnico do Ministério Publico constataram que não se encontra dentro da área tombada do imóvel.
A perícia também constatou que não havia nenhum impedimento ao refazimento da parede do teatro, com fechamento dos arcos que dão acesso aos imóveis da autora. A decisão determinou, porém, que a empresa buscasse prévia aprovação de tal obra pelos órgãos responsáveis pela proteção do patrimônio (Conpresp, Condephaat e Iphan).”
Nota Iphan
“O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) recebeu com surpresa a notícia do emparedamento da fachada posterior do edifício que, desde 1961, abriga o Teatro Oficina. O casarão, localizado no bairro do Bexiga, em São Paulo (SP), encontra-se tombado em nível federal pelo Iphan desde 2010. Na oportunidade, foram definidas as medidas que garantem a preservação do imóvel, o que implica na necessária aprovação, pela Superintendência do Iphan em São Paulo, de qualquer obra de intervenção direta ou indireta no bem ou no seu entorno.
Caberia, portanto, ao Iphan aprovar qualquer intervenção no bem tombado por parte do proprietário do imóvel vizinho ao Teatro Oficina, o que não ocorreu. Em decorrência, o Iphan irá realizar vistoria de fiscalização nesta terça-feira (6/2).”
Nota Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP)
“Nesta segunda-feira, 5 de fevereiro, foi noticiado pela imprensa que integrantes do Teatro Oficina foram surpreendidos com o fechamento dos Arcos do Beco, no fundo da arena teatral, localizada na Bela Vista, tradicional bairro da capital paulista. Foi retirada também uma escada azul de metal, que fazia a conexão entre o teatro e a área externa.
O Grupo Silvio Santos admitiu que fez a intervenção, alegando que “obteve uma decisão judicial favorável, que entendeu que a escada não fazia parte do projeto original de tombamento do Oficina”.
Há mais de 40 anos, a companhia teatral e o Grupo Silvio Santos travam uma batalha pelo uso do terreno.
Ocorre que o Teatro Oficina, projeto da arquiteta Lina Bo Bardi, é tombado em grau municipal, estadual e federal pelos três órgãos de patrimônio, Conpresp, Condephaat e Iphan. O tombamento é um dos instrumentos mais antigos de proteção ao patrimônio cultural no Brasil, tendo sido instituído em 1937.
O ‘Manual de Orientações às Políticas Municipais de Patrimônio Cultural’ produzido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP) orienta que o tombamento não retira o direito de propriedade, mas regula este direito de acordo com o interesse público em ‘manter o bem cultural preservado. Isso significa que é necessário que sejam obedecidas às diretrizes de preservação definidas pelo tombamento’.
Qualquer intervenção que venha a ser feita nos bens tombados ou em seu espaço envoltório, tais como ‘novas construções, reformas, demolições, instalação de anúncios, colocação de mobiliário urbano, dentre outras, deverá ser previamente aprovada, de acordo com as legislações e resoluções vigentes, mediante a apresentação de pedido e projeto para anuência dos órgãos de preservação’.”
Nota do Grupo Silvio Santos
“O GSS só buscou reparar o estado original de nosso imóvel após longa e exaustiva discussão Jurídica que reconheceu, nos autos do processo, que a referida escada nunca havia sido parte do tombamento do Teatro Oficina. Comprovado nosso direito, obtivemos decisão favorável nesse sentido, e cumprimos com a decisão Judicial. O correto teria sido a outra parte ter executado o reparo, mas, pela incapacidade financeira alegada, o Juízo entendeu que se o GSS poderia fazê-lo. Reforçamos que temos muito respeito pelo Teatro Oficina e esperamos que compreendam.”
Nota do Teatro Oficina
O Grupo Silvio Santos ajuizou ação em 2014 buscando, dentre outros pleitos, a retirada da escada colocada no entorno do Teatro Oficina, cedido em comodato ao referido Teatro, bem como o refazimento da parede divisoria, com o fechamento de uma abertura.
O desfecho se deu em 2019, favoravelmente ao grupo Silvio Santos, e desde então está sendo discutido, no cumprimento de sentença, se a retirada da escada e o fechamento do espaço não estariam porventura violando as regras de tombamento do teatro.
Após análise técnica do Ministério Público, e após largo tempo de discussão a respeito, o MP chegou à conclusão de que a escada poderia ser retirada, mas que o fechamento da referida abertura deveria ser precedido de autorização dos órgãos responsáveis pelo tombamento do teatro. Tal manifestação do Ministério Público foi reiterada em janeiro desse ano, com amparo no Parecer Técnico elaborado pelo CAEX, ‘enquanto a Executada obtém junto aos órgãos preservacionistas responsáveis a aprovação da obra para refazimento da parede divisória’.
Ocorre que na terça-feira passada (dia 30 de janeiro de 2024) o Teatro requereu a suspensão do feito por 90 dias, devido à superveniência de fatos novos fundamentais: em dezembro de 2023, num acordo celebrado entre Ministério Público e a Prefeitura de São Paulo, se decidiu que parte dos recursos que integram ajuste judicial feito com a Uninove, seriam destinados à construção do tão desejado Parque do Rio Bixiga — exatamente na área do entorno do teatro. Ou seja, exatamente a área onde se localiza a escada.
Na última sexta-feira (dia 02 de fevereiro), o Juiz intimou o grupo Silvio Santos para se manifestar sobre o pedido de suspensão.
A resposta não poderia ser mais insólita: exatamente na manhã do primeiro dia útil após a intimação, o Grupo Silvio Santos decidiu promover a retirada da escada, sem nenhum aviso prévio, além de promover e o fechamento da referida abertura numa das paredes do teatro.
Se é verdade que existe autorização judicial para a retirada da escada, também é verdade que o momento escolhido para esse ato — exatamente quando se aguarda a decisão do juiz sobre o pedido de suspensão do processo - causa estranheza, e surpreende pela precipitação.
De outra parte, o fechamento da mencionada abertura foi feita ao arrepio da determinação judicial, pois o posicionamento do MP a esse respeito é o de que se aguarde a autorização prévia dos órgãos responsáveis pelo tombamento, o que efetivamente não ocorreu. Em outras palavras, existe a possibilidade de que tal fechamento viole as regras do referido tombamento.
Por essa razão, o teatro Oficina pleiteará hoje ao Juiz que sejam apuradas as responsabilidades do grupo Silvio Santos pela possível violação às referidas regras.
São Paulo, 5 de fevereiro de 2024
Teatro Oficina - Uzyna Uzona
Juca Novaes - OAB / SP 70.772
Novaes e Roselli Advogados.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.