O diretor, ator e dramaturgo Michel Melamed fazia sua habitual caminhada matinal quando o celular tocou – o visor mostrava os produtores Felipe Argollo e Paula Rollo. “Eles me convidavam para assumir um projeto que me interessou meses antes, mas que não foi possível assumir”, conta ele que, depois de uma conversa pessoal, finalmente disse sim. Era setembro do ano passado e, dali a três meses, Melamed apresentou o texto de Los Hermanos – Musical Pré-Fabricado, que estreia no sábado, 13, no Teatro Liberdade.
Trata-se de um espetáculo que tem as músicas dos Los Hermanos como ponto de partida. “Foram quatro discos, com um total de 64 canções, uma obra sofisticada que, assim como os textos de Shakespeare, dialoga com o presente e cujo valor seria reconhecido há 100 anos como será daqui a 50″, observa Melamed, que buscou um formato original para o musical, distante das tradicionais biografias.
Assim, o cenário concebido pelo próprio Melamed e por Marieta Spada é formado por quatro cubos brancos, iluminados por luz de LED. O número não é aleatório, afinal era uma banda com quatro músicos, que gravaram quatro discos. “A ideia é exibir o mosaico de uma linha de montagem da criação, com as cores cada momento desse processo”, conta Melamed, que assina o texto e a direção.
O primeiro cubo é iluminado pela cor branca e conta a história das canções. O segundo, em azul, detalha como as letras foram criadas. Já o terceiro, iluminado pelo vermelho, trata da melodia e, finalmente, o quarto cubo, em verde, reproduz cenas da trajetória do quarteto. “É nessa linha de montagem, nessa casa pré-fabricada, que se constrói a formação do grupo diante do público.”
É uma história de dez anos, iniciada em 1997 quando os então estudantes cariocas Marcelo Camelo (jornalismo) e Rodrigo Barba (psicologia) formaram uma banda que equilibrava o peso do hardcore com a leveza de letras que versavam sobre o amor. Dois anos depois, já com a presença de Rodrigo Amarante e Bruno Medina, saiu o disco Los Hermanos que colocou o quarteto no cenário nacional. O sucesso do álbum foi puxado pela música Anna Júlia (que chegou a ter uma gravação em inglês pelo ex-Beatle George Harrison, em 2001), mas havia também Azedume, Descoberta, Primavera e Tenha Dó.
ESTÉTICA. Com sua capacidade renovadora, o grupo exibiu um refinamento sonoro a cada novo disco, consequência das escolhas estéticas e de uma vontade de experimentar, de buscar novidades. Em seus quatro álbuns Los Hermanos, Bloco do Eu Sozinho, Ventura, o quarteto ofereceu uma maioria de canções de grande beleza, arranjos simples, letras reflexivas e sinais constantes de amadurecimento profissional. Logo, os poucos que não conheciam o repertório sentiam-se deslocados, pois uma das coisas que mais impressionavam nos shows do grupo é que todo mundo cantava absolutamente todas as letras.
Ciente disso, Michel Melamed criou um momento no musical que comprova tal afirmação: é quando a atriz Ariane Souza, da ponta do palco, propõe um desafio, começando frases de diversas canções dos Los Hermanos e parando subitamente, aguardando o público continuar. E isso sempre acontece, como comprovou a temporada carioca do espetáculo, na qual a plateia formava coro, independente da composição, ou mesmo quando se tratava de um refrão, do começo ou do fim da música.
Ariane, aliás, faz parte do elenco que conta ainda com sete intérpretes (estão presentes ainda sete músicos), todos escolhidos por seleção. “Eu queria um grupo plural, que representasse bem essa falta de classificação específica dos Los Hermanos”, conta Melamed que, a partir de 800 candidatos, escolheu oito artistas distintos na raça e na orientação sexual.
Melamed também buscou apoio do grupo ao escrever o texto, especialmente de Rodrigo Amarante. “Foi no início do processo, quando eu ainda estava tateando”, conta. “Como o primeiro cubo conta a história das canções, conversei com Amarante em busca de informações sobre três canções específicas, mas ele acabou falando sobre todas, relembrando detalhes dos momentos das composições. São histórias pouco conhecidas e que são reveladas pelo espetáculo.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.