Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura no ano passado, o dramaturgo e romancista norueguês Jon Fosse, de 64 anos, é o autor da peça Mãe e Filho, que estreia neste sábado, 6, no Sesc Ipiranga. Ele é conhecido dos palcos brasileiros pelas montagens de O Nome, Um Dia, no Verão e Sonhos de Outono, dirigidas na década de 2000 respectivamente por Denise Weinberg, Monique Gardenberg e Emílio de Mello. A atual peça, escrita em 1997 e inédita por aqui, salta em relevância não apenas por ser a primeira obra do autor encenada no País depois do Nobel, mas pela temática sobre as escolhas da maternidade.
Em meio aos debates sobre a Projeto de Lei 1904/24, que equipara o aborto feito depois de 22 semanas de gestação ao homicídio simples, o texto de Fosse, sob a direção de Carlos Gradim e Lavínia Pannunzio, oferece uma nova visão sobre o polêmico assunto.
A atriz Vera Zimmermann e o ator Tiago Martelli interpretam uma mãe e um filho que se reencontram depois de uma década. Ela engravidou aos 16 anos, teve negado o direito de interromper a gestação por um comitê médico porque o feto passava de 12 semanas e, poucos anos depois, deixou a criança com os avós para investir na sua carreira profissional em Oslo.
Hoje, é uma alta funcionária do governo federal, e o filho, perto dos 30 anos, formou-se em literatura e filosofia. O rapaz, porém, descobriu pelo pai a intenção da mãe em abortar no passado. Agora, quer ouvir as razões que a levaram a acreditar que seria melhor ele não ter nascido.
“Não dá para esvaziar o trauma do filho que não foi desejado, mas é preciso trazer o ponto de vista dessa mulher, e Fosse nos coloca o desafio de não a julgar sob a ótica patriarcal”, afirma Gradim. “Ela cresceu em uma família religiosa no interior e buscava uma vida diferente, então, talvez se pense em condená-la pelo abandono ao filho, mas pode ser que não tenha tido outra saída.”
Vera Zimmermann, de 60 anos, defende a personagem e salienta que o diferencial da obra de Fosse é tratar das escolhas possíveis para uma mulher em relação ao seu futuro. “Ela não foi irresponsável, deixou o filho com a família depois de tomar uma decisão que acreditou ser melhor para todos, já que não teria condições de trabalhar e ser mãe em uma cidade tão pequena”, ressalta.
Para a atriz, nenhum homem é criticado por ser ausente na formação de um filho e, mesmo que o autor não deixe claro, ela deve ter dado toda a assistência ao garoto. “É o tipo de texto que deixa para a gente intuir, mas acredito que, mesmo com a ausência física, ela contribuiu para esse rapaz morar e estudar fora e, imagino, que eles tenham tido contatos por telefone, talvez breves, nestes últimos dez anos.”
Idealizador do projeto, Tiago Martelli, de 37, encontrou o texto de Fosse em 2018 – muito antes da premiação do Nobel e das polêmicas em relação ao aborto. “O que mais me chamou a atenção foi a questão da maternidade e o contraste das personalidades”, diz ele, que, no ano passado, protagonizou O Dia das Mortes na História de Hamlet, do francês Bernard-Marie Koltès, dirigido por Guilherme Leme Garcia. “O filho é monossilábico, hesitante, e a mãe, falastrona, expansiva e nada os conecta, com exceção do gosto pela literatura.”
Uma questão importante, segundo Martelli, era a possibilidade de o texto ser decifrado por olhares masculinos e femininos, então veio a ideia da direção dividida por Gradim e Lavínia Pannunzio, que representou a Rainha Gertrudes em O Dia das Mortes na História de Hamlet. Para Gradim, de 58 anos, a parceria foi fundamental para a angulação de pontos de vistas.
“Venho de um modelo de família diferente do da Lavínia, meus pais foram casados por 60 anos e minha mãe sempre foi um farol para mim”, diz. “Lavínia tem uma trajetória que se assemelha com a da personagem porque saiu de uma cidade pequena que a oprimia, veio para São Paulo e criou os filhos em um modelo distante do ditado pela sociedade.”
Lavínia, de 58, é mãe de Arthur, 33, e Klauss, 32, e garante que teve os seus meninos na hora em que se julgou preparada. A gravidez do segundo foi uma surpresa, afinal o primeiro mal tinha completado nove meses, e, mesmo que seu casamento tenha acabado dois anos depois, ela se orgulha ao ver os dois filhos criados e tocando suas vidas.
“Quando se tem afeto, a maternidade é uma experiência milagrosa, mas esse não era o caso da personagem, que já foi policiada desde que cogitou abortar”, afirma a codiretora. “A peça estreia na hora certa porque na nossa cultura cristã a mulher é perseguida pela culpa e sofre a criminalização mesmo diante de uma gravidez indesejada.”
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Mãe e Filho
- Teatro do Sesc Ipiranga (Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga)
- Sextas e sábados, 20h; domingos e feriado (9), 18h.
- R$ 50
- Até 11 de agosto. A partir de sábado (6).
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