“Fiquei muito na dúvida se aceitaria o papel de Bibiana ou não. Foram algumas semanas pensando no que fazer”, começa Larissa Luz em conversa com o Estadão. Após uma breve pausa, ela dá uma meia risada e completa: “Confio muito na minha intuição e decidi aceitar, mesmo estando no meio da criação do meu novo álbum. Acho que tomei a decisão certa”.
A cantora e atriz dá vida a Bibiana no musical Torto Arado com uma intensidade que remete à complexidade da personagem criada por Itamar Vieira Junior no romance homônimo. Com direção de Elísio Lopes Junior, o musical teve sua estreia em Salvador, na Bahia. Em 20 de novembro, a peça chega em São Paulo, no SESC 14 Bis. Assim como no livro, a Bibiana do palco é uma mulher marcada por uma luta ancestral, cujos passos são guiados pelo som da terra, pela força do silêncio e pela dor que transita entre o passado e o presente.
O incentivo da mãe
A relação de Larissa com o livro já vem de longa data, algo que ela compartilha com carinho. “Minha mãe é muito fã de Torto Arado. Desde que o livro saiu, ela me convidava a ler, falava sobre a história com um carinho especial. Eu demorei, mas quando finalmente li, tudo fez sentido para mim. Me conectei profundamente com aquelas personagens e, de alguma forma, senti que seria eu a dar vida a Bibiana no palco”, reflete Larissa, enfatizando como a decisão de aceitar o papel foi também uma questão de intuição.
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Essa conexão com a personagem Bibiana não se deu apenas pela história, mas também pelo simbolismo místico que permeia a obra de Itamar. “O livro tem muitas camadas e, por ser baiana, nordestina e também mulher preta, senti que a profundidade da Bibiana me atravessava de uma maneira única. Cada dia de preparação para o musical foi um mergulho em mim mesma, nas minhas raízes e nas questões ancestrais que o livro traz”, compartilha Larissa.
Com uma carreira marcada por atuações e performances intensas, seja como cantora, atriz ou compositora, Larissa não vê limites nas suas expressões artísticas. “Eu sempre tive artistas multifacetados como referência, que não se limitavam a uma só linguagem. Para mim, a arte é uma ferramenta poderosa de transformação. Canto, atuo, componho... São várias formas de contar histórias, e eu acredito que a gente deve explorar todas essas possibilidades”, ela diz, refletindo sobre sua trajetória desde a época como vocalista do Araketu até sua carreira solo.
Sincretismo religioso
A construção de Bibiana no palco também se deu através de uma profunda reflexão sobre o sincretismo religioso presente tanto no livro quanto na sua vida pessoal. Criada em um lar onde o candomblé e o catolicismo conviviam lado a lado, Larissa vê o sincretismo como uma “estratégia de sobrevivência” do povo preto, e isso foi algo que ajudou na construção de sua personagem. “O sincretismo é muito forte na Bahia, e na minha família não foi diferente. Minha mãe nasceu no dia de Santa Bárbara, então, todo ano tem festa, tem cantoria. Quando vi que o sincretismo fazia parte da história da Bibiana, senti que isso me ajudou a trazer mais verdade para a personagem.”
Sobre a complexidade dos temas tratados na obra, como racismo, genocídio e resistência, Larissa destaca o trabalho sensível da direção de Elísio Lopes Junior. “Ele foi muito respeitoso com a obra de Itamar. Ao mesmo tempo, trouxe uma narrativa que prende, encanta e faz refletir. É um equilíbrio entre a dureza da realidade e a beleza da nossa cultura. Cada cena tem uma carga emocional profunda, e o público tem se sentido muito tocado com isso”, conta.
Além disso, a recepção do público tem sido emocionante para a atriz. “Fiquei nervosa no início, porque Torto Arado tem um público muito fiel, gente que já leu o livro várias vezes e tem uma conexão profunda com a história. Mas, até agora, tenho recebido muitos elogios sobre como conseguimos transmitir a essência do livro no palco. Isso, para mim, é a maior recompensa”, finaliza Larissa.
Novo disco
Mesmo em meio à rotina intensa de apresentações do musical, Larissa Luz mantém sua carreira musical em pleno vapor. A cantora, que já foi indicada ao Grammy Latino e é conhecida por sua fusão de sonoridades afro-brasileiras com influências contemporâneas, prepara o lançamento de seu terceiro álbum, previsto para o primeiro semestre de 2024. O disco promete ser uma imersão ainda mais profunda em temas de ancestralidade e espiritualidade, algo que sempre permeou o trabalho de Larissa, mas desta vez com uma abordagem mais experimental.
“Eu quis trazer elementos das religiões afro-brasileiras, como o candomblé, que fazem parte da minha história, além de misturar ritmos como o afrobeat, o trap e o samba-reggae. O álbum reflete muito quem eu sou hoje, uma mulher negra que está resgatando suas raízes e também criando novos caminhos”, explica.
“Cada um deles trouxe uma energia única para as faixas, e foi incrível trabalhar com pessoas que também têm essa conexão com a ancestralidade e a cultura afro-brasileira”, comenta a artista.
Conciliando a reta final da produção do disco com os compromissos no teatro, ela se diz realizada em conseguir equilibrar essas duas paixões: a música e a atuação. “Eu gosto de desafios, e cada novo projeto me impulsiona a ir além. Estou muito animada com tudo o que está por vir, seja nos palcos, nos estúdios ou na vida. A arte me move, e sinto que estou só começando a explorar tudo o que posso criar.”
Serviço - ‘Torto Arado: o Musical’
Quando: de 20/11 a 15/12. Quinta e sexta, às 15h e às 20h. Sábado, às 20h. Domingo, às 18h.
Onde: Sesc 14 Bis - R. Doutor Plínio Barreto, 285, Bela Vista
Quanto: Ingressos a partir de R$ 18
Classificação: 14 anos
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