Tudo começou em outubro do ano passado, ao final do show que as atrizes Myra Ruiz e Fabi Bang apresentaram juntas no Teatro Santander com repertório do teatro musical - depois do bis, elas enlouqueceram a plateia de fãs ao anunciar que dali a cinco meses voltariam a protagonizar o espetáculo que marcou definitivamente suas carreiras e que criou uma legião incomparável de fãs: Wicked. Revelaram também que os primeiros ingressos para o espetáculo já estariam à venda nas bilheterias daquele mesmo teatro tão logo as pessoas saíssem.
“Naquela mesma noite, foram vendidos praticamente todos os bilhetes para a estreia”, comenta Myra, sobre o espetáculo desta quinta, 9. “É basicamente um público que não viu a primeira montagem, em 2016, conhecendo apenas imagens disponíveis no YouTube.” Sim, fãs jovens que alimentam uma idolatria por Myra e Fabi. “É uma demanda enorme de carinho de uma comunidade criada especialmente em torno de Wicked”, observa Fabi.
De fato, o detalhe foi até percebido pelo letrista Stephen Schwartz, lendário compositor americano (Pippin, Godspell), que veio a São Paulo conferir a produção brasileira. “Elas têm uma química em cena que poucas vezes vi”, disse ele ao Estadão (leia mais abaixo).
Schwartz veio conhecer a montagem nacional por não ser uma réplica, ou seja, não segue fielmente todos os preceitos da versão original, que estreou na Broadway em outubro de 2003. Deu alguns palpites, mas ficou encantado com a montagem produzida pelo Instituto Artium de Cultura, em coprodução com o Atelier de Cultura.
Figurino
São diversas novidades, que vão desde detalhes das fagulhas que saem das mãos até uma das cenas mais esperadas, quando a mesma Myra sobrevoa a plateia, no momento mais esperado do espetáculo. A essência de Wicked, porém, foi preservada “ou talvez eu não aceitasse o convite para voltar”, brinca Fabi - apenas ela e Myra são remanescentes da versão de 2016, que atraiu mais de 340 mil pessoas. A atual já vendeu mais de 40 mil ingressos.
Wicked mostra o lado desconhecido do clássico O Mágico de Oz - antes de Dorothy conhecer o mundo do mágico de Oz, duas garotas acidentalmente cruzaram seus caminhos: uma era bonita e popular e a outra, esperta e... verde. A história de como essas duas improváveis amigas se transformaram em Glinda (Fabi), a Bruxa Boa do Norte, e em Elphaba (Myra), a Bruxa Má do Oeste, é o ponto de partida do musical, baseado no romance de mesmo nome, publicado em 1995, por Gregory Maguire.
“Com o tempo, descobri que Elphaba é uma personagem rica, complexa, que busca sua emancipação mesmo que isso possa trazer amargura”, comenta Myra que, como o resto do elenco, recebeu do diretor do espetáculo, o canadense John Stefaniuk, a liberdade para fazer sugestões. “Isso ajudou, pois me identifico com Elphaba como mulher, traçando uma trajetória de emancipação.”
O raciocínio é completado por Fabi. “John quis valorizar a representatividade, especialmente da menina verde, que não é aceita por ser diferente, mas luta por seu espaço”, diz a intérprete de Glinda, que divide com Elphaba o interesse pelo mesmo rapaz, Fiyero, interpretado por Tiago Barbosa. “É a primeira vez que o personagem é vivido por um ator negro, o que me deixa orgulhoso”, diz o ator.
“A peça fala de tolerância, o que a torna cada vez mais atual, se observarmos o que se passa ao nosso redor”, comenta Marcelo Médici, que vive o Mágico de Oz. “Por isso que encanta o público jovem”, completa Cleto Baccic, que vive o Dr. Dillamond, o bode.
‘’Wicked’ é um espetáculo essencialmente político’
Wicked é um dos maiores sucessos da história da Broadway, mas, mesmo assim, o compositor americano Stephen Schwartz conta que não acreditava no potencial do espetáculo. “Tinha poucas esperanças no início”, conta ao Estadão, em sua passagem por São Paulo.
Não tinha expectativa?
Há uma diferença entre uma peça que é um sucesso e a que se torna um fenômeno. No começo, o sucesso veio só em São Francisco. Mas logo descobrimos que o musical veio no timing certo ao mostrar duas jovens se projetando em um momento em que a ideia de empoderamento feminino estava surgindo em nossa cultura.
O senhor tem atração por personagens outsiders?
Muito, eu me interesso por pessoas que não se sentem bem na sociedade. Precisamos nos sentir membros de uma comunidade e, quando isso não acontece, a pessoa se fecha. Daí a importância de dar relevância para personagens que lutam por esse espaço.
A canção Defying Gravity é uma das mais conhecidas do musical, especialmente pela mensagem de empoderamento.
Quando escrevi essa canção, já sentia a força de sua letra. É quando Elphaba percebe que só será vista como uma pessoa má, o que a leva a se transformar na Bruxa do Oeste. A música tem uma progressão de acordes que evoca o poder crescente e eu buscava um sabor diferente.
Wicked é uma peça política?
Com certeza, especialmente quando olhamos para a polaridade atual. Vejo muito isso nos EUA. Foi a imprensa que primeiro notou a atitude cultural politizada do espetáculo.
E o que pensa sobre a montagem brasileira?
Fiquei impressionado com muitos detalhes, pois se trata de um show inédito, com ideias novas. Mas me encantou a química entre Myra Ruiz e Fabi Bang, algo raro. Elas conferem um toque especial ao espetáculo.
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