Um dos principais atores brasileiros de todos os tempos, Paulo Autran terá sua carreira celebrada nesta quarta, 7 de setembro, quando se completam 100 anos de seu nascimento. Artista de recursos variados, Autran construiu uma trajetória privilegiada, não apenas sob o ponto de vista de seu repertório, mas também dos contatos estabelecidos, que o levaram a atuar com uma gama extraordinariamente rica de nomes significativos do teatro nacional. Ele morreu aos 85 anos, em 12 de outubro de 2007, deixando o legado de 57 anos dedicados à arte de interpretar.
Para homenagear Autran, na noite desta quarta, entre 19h e 21h, a Escola Belas Artes e a Morente Forte Produções Teatrais vão homenagear o ator com uma série de depoimentos ao vivo e alguns gravados, feitos por figuras como Karin Rodrigues, Elias Andreato, Irene Ravache, Cassio Scapin, Celia Forte, Felipe Hirsch, Maria Adelaide Amaral, Claudio Fontana, Celso Frateschi e Silvio de Abreu. Para assistir gratuitamente, basta clicar aqui. A senha é ba.
Autran revelou-se um ator de personalidade forte, que delimitava o campo de atuação dos diretores ao fazer questão de preservar o próprio espaço. Ator cuja carreira confundiu-se com a trajetória do teatro brasileiro na segunda metade do século passado, Paulo Autran criou um estilo único, com insinuações feitas de detalhes, pausas e pequenas mudanças de atitudes corporais, que permitiam saltar de uma atuação cômica para uma trágica, instaurando uma inquietação de qualidade dramática. E o que lhe permitiu ter vivido uma galeria sem igual de protagonistas de peças de grandes autores, dos clássicos aos contemporâneos.
Sua estreia aconteceu em 1947, quando, ainda amador, atuou em Esquina Perigosa pisando pela primeira vez no palco do Teatro Municipal, até então o único, em São Paulo, a acolher grupos não profissionais.
Dois anos depois, outra atuação como amador e a qual o próprio Autran considerava uma de suas grandes atuações: em À Margem da Vida, no Teatro Amador, do Rio.
A estreia profissional foi no mesmo ano de 1949, precisamente em 13 de dezembro, quando, ao lado de Tônia Carrero (que se encantou com sua performance em À Margem da Vida), protagonizou a comédia de Guilherme Figueiredo, Um Deus Dormiu lá em Casa. Foi o início de inúmeras participações que logo se tornaram clássicas.
Como o espetáculo Liberdade, Liberdade, um dos muitos grandes sucessos de sua longa carreira. Síntese corajosa da resistência contra o regime militar, a peça estreou no Rio de Janeiro em abril de 1965. E já naquela época, o texto traduzia a carreira do ator, diretor e produtor Paulo Paquet Autran, sintetizada em uma das falas da peça: “Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a sua vida à humanidade e à paixão existentes nestes metros de tablado, esse é um homem de teatro”.
Foi vendo-o nessa peça que Glauber Rocha se convenceu de que Autran deveria estar no filme Terra em Transe. “Glauber assistiu a várias sessões, cada dia em um canto de teatro, examinando minha atuação, até que, enfim, formulou o convite”, relembrou o ator, em uma conversa com o Estadão em 2001.
Outro momento que ficou eternizado foi sua participação na novela Guerra dos Sexos, de Silvio de Abreu, exibida pela Globo em 1983. Ao lado de Fernanda Montenegro, criou uma das cenas icônicas da teledramaturgia brasileira, que foi o confronto no café da manhã, onde cada um arremessou o que pode no outro, de café e suco, a açúcar e achocolatado.
Homem de ideias, tornou-se também um elogiado diretor, encantando os colegas atores com pistas cênicas que transformavam uma atuação morna em algo inesquecível. Veja aqui um pouco do pensamento de Paulo Autran:
Cinema
“Gosto muito de filmar. O ambiente das equipes cinematográficas é sempre agradável, solidário e generoso. Perguntam-me sempre: ‘Qual a diferença entre atuar no cinema e no teatro?’ Ora, é só raciocinar: no teatro, você está atuando ao mesmo tempo para a primeira e última fila da plateia. No cinema, há uma lente que capta até seu pensamento e um microfone que apreende sua respiração.”
Teatro é amor
“Nas décadas de 50-60, Jean-Louis Barrault era o maior nome do teatro francês. Em todas as suas conferências (assisti a várias), ele fazia questão de dizer: ‘Teatro é amor! Teatro é amor!’ Naquela época, eu achava uma afirmação sentimental e barata. Passaram-se muitos anos. Amadureci bastante. Hoje, quando faço as minhas conferências para estudantes, costumo dizer com a maior convicção: Teatro é amor!”
Ensaio
“Em geral, as grandes descobertas de direção e de interpretação acontecem durante um ensaio. Gosto mais da primeira parte desse trabalho, o chamado ensaio de mesa. É quando se esmiúça o texto, o porquê de cada palavra, de cada cena, de cada personagem; quando os atores e o diretor (se este é inteligente) se influenciam mutuamente em discussões proveitosas. É a parte mais instigante para o ator, a mais proveitosa.”
Corpo
“O ator não tem direito ao próprio corpo nem à própria cara. Num mesmo personagem, já usei sobrancelhas, bigode e barba postiços, tudo colado no rosto com verniz, com o risco de cair na frente do público. Em Visitando o Sr. Green, tive de usar um barrigão e em outras peças anteriores também. Único consolo: na minha idade, ao contrário da maioria dos velhos colegas que já adquiriram barriga de verdade, eu ainda tenho de usar uma postiça para parecer mais gordo.”
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