‘O Caso’ discute o tédio existencial com leveza e bom humor: ‘Está tudo chato’, diz Otavio Muller

Ao lado de Letícia Isnard, ele protagoniza a peça de Jacques Mougenot que se soma a outros espetáculos sobre psicanálise, comportamento e saúde mental

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Por Dirceu Alves Jr.
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Na cena inicial da peça O Caso, um homem comum (interpretado por Otavio Muller) chega ao consultório de uma psicanalista (papel de Letícia Isnard) e, indagado sobre o que o levou até lá, responde sem pestanejar: “Eu acho tudo muito chato, não consigo prestar atenção em mais nada e isso começou em uma peça de teatro há três anos”.

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Está armada a cilada do dramaturgo francês Jacques Mougenot, o mesmo autor de O Escândalo Philippe Dussaert, protagonizado por Marcos Caruso em 2016, para ganhar a cumplicidade da plateia.

A versão brasileira da peça, dirigida por Fernando Philbert, estreia neste sábado, dia 20, no Teatro Bravos, depois de bem-sucedida temporada carioca. “Sabe aqueles maridos que vão ao teatro arrastados por suas parceiras?”, pergunta Philbert. “Nessa hora, eles já se desarmam e pensam que pode valer a pena assistir a esse espetáculo.”

Sob a embalagem cômica, O Caso envolve o espectador para chamar a atenção de um assunto pertinente, a incapacidade de se concentrar diante da enxurrada de informações recebida o tempo todo e a falta de interesse em relação aos outros. Esta é a grande questão de Arnaldo, o entediado personagem de Muller, que, prestes a mergulhar em uma depressão, assume a falta de paciência para lidar com os mínimos desafios do cotidiano.

Otavio Muller e Letecia Isnard estreiam peça 'O Caso' em São Paulo Foto: Ricardo Brajterman

A terapeuta, assim como o paciente, precisa domar a ansiedade porque encontra dificuldade em elaborar qualquer diagnóstico sobre o sujeito. “É só mais uma vítima da crise do capitalismo que nos colocou em um buraco sem fundo”, afirma Letícia. “Você projeta as suas conquistas e quando as alcança cai em um vazio que parece não ter solução.”

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Otavio Muller reconhece que é preciso reaprender a tocar o barco sem acumular frustrações, principalmente depois da pandemia. “A gente já superou alguns percalços sociais e políticos recentes, mas a nossa vida continua realmente chata, complicada em coisas que deveriam ser simples e isso gera uma identificação imediata da plateia”, diz.

O ator conta que tenta se educar para driblar o estresse do dia a dia e buscar uma constante qualidade de vida. “Eu sou um preguiçoso nato, mas a minha parceira, a Adriana, que nada diariamente e faz ioga, me leva para perto da natureza e vejo o quanto esse sossego me faz bem”, afirma.

O casal tem se dividido entre o Rio de Janeiro e uma casa em Búzios, no litoral fluminense, que alugaram para atravessar a crise da covid-19 e continuam visitando sempre que conseguem uma folga dos seus trabalhos. Por lá, até o sinal do celular é oscilante. “Eu nasci para ser marido, pai, ator e comer bem, então preciso aproveitar as coisas boas que conquistei e me trazem felicidade”, conta.

Busca por terapia

Muller revela que fez terapia individual no passado com a intenção de superar uma crise de pânico e o começo de uma depressão. “Foi bom demais para mim e penso em voltar, mas também teve bastante importância uma terapia familiar que fizemos juntos com os nossos filhos e nossos ex.”

Letícia voltou ao divã depois de uma longa ausência há seis meses. “Tem horas que precisamos de um mediador entre a gente e os ‘nossos eus’ e, com o fim da pandemia, percebi a necessidade de entender esse momento”, assume.

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A atriz, no entanto, carrega uma tendência de enxergar o lado bom da vida e, segundo ela, só estar junto de Teresa, sua filha de 8 anos, recarrega suas energias e faz com que qualquer crise seja amenizada. “Eu tive uma infância confusa, me mudei muito, perdi o meu pai cedo, então acho que cresci entendendo que o valor das coisas legais que aconteciam comigo”, justifica.

Quanto ao trabalho, ela também não pode se queixar. No intervalo das apresentações em São Paulo, Letícia grava uma participação em Amor Perfeito, a novela das seis da Rede Globo, como uma estrela de cinema que chega à Águas de São Jacinto para rodar um longa-metragem e agita a rotina dos moradores da cidade.

A psicanálise e o inconsciente no teatro

Não é só O Caso que coloca nos palcos brasileiros personagens dispostos a analisar os caminhos do inconsciente. Pelo menos, três outros espetáculos encontraram resposta popular ao tratar de assuntos em torno da psicologia.

Cena da peça Freud e o Visitante, do Grupo Tapa, com direção de Eduardo Tolentino de Araújo Foto: Ronaldo Gutierrez

Depois de um ano em São Paulo, A Última Sessão de Freud, com os atores Odilon Wagner e Claudio Fontana, excursiona pelo país, enquanto Freud e o Visitante, sob a direção de Eduardo Tolentino de Araujo, estreou em março e lota as sessões no Teatro Aliança Francesa, na capital paulista.

Cena da peça 'A Última Sessão de Freud', com direção de Elias Andreato e estrelada por Odilon Wagner e Claudio Fontana. Foto: João Caldas

O ator Antônio Fagundes, por sua vez, investe com sucesso no filão desde 2017. A comédia Baixa Terapia começou sua carreira em São Paulo, viajou pelo Brasil e, depois da paralisação pandêmica, entrou em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro, onde fica até o fim de julho.

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Cena da peça 'Baixa Terapia', com Antonio Fagundes Foto: Caio Galucci

“A investigação do inconsciente atravessa o público em cheio porque a gente passa a vida querendo saber o que o outro pensa e o teatro é o espelho do homem e sua imagem”, avalia Felipe Philbert, que acredita que, assim como O Caso, esses espetáculos tratam de situações comuns a vida de todos.

“Estas peças mostram o ser humano como ele é, com seus defeitos, egos, arrogâncias e problemas que podem parecer abstratos, mas nunca são exclusivos de ninguém”, finaliza o diretor.

O Caso

Teatro Bravos. Instituto Tomie Ohtake. Rua Coropé, 88, Pinheiros. Sábado, 20h; domingo, 17h. R$ 80,00 a R$ 120,00. Até 9 de julho.

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