
O comediante Ronald Rios foi um dos primeiros youtubers do Brasil. Ao lado do amigo Erik Gustavo, o humorista produziu uma série de vídeos em 2006 e se tornou uma referência na internet brasileira. Seu humor, sempre ácido e crítico, aliado ao estilo de edição de seus vídeos, rápidos e com muitos cortes, inspirou toda uma geração de criadores de conteúdo, como Felipe Neto, Cauê Moura e PC Siqueira.
Apesar disso, Ronald odeia ser conhecido como um youtuber e pede desculpas por ter influenciado toda uma geração de influenciadores digitais. “Eu não quero ser o Oppenheimer dessa galera. Eu não quero ser responsabilizado por essas coisas. Me respeite!”, ele brinca. Aos 36 anos, o humorista lança o seu primeiro especial de humor. Intitulado O Príncipe da Comédia, o show de stand-up marca o retorno de Ronald Rios aos palcos.
Após se desiludir com o stand-up em 2013 e abandonar o estilo de apresentação, o comediante voltou a se apresentar em clubes de comédias ao redor do Brasil em 2021. Ao longo dos últimos quatro anos, foi aperfeiçoando o seu texto e, em 2025, finalmente o aposentou.
Com isso, decidiu gravá-lo e publicá-lo no YouTube como uma forma de se reapresentar para o público. “Você tem saudades do Ronald Rios? Ele está aqui. Você está em dúvida se o Ronald Rios ainda é engraçado? Esse especial é a prova de que ele ainda é engraçado”, afirma o comediante.
Apesar de ter se afastado dos palcos, Ronald Rio nunca se afastou da comédia. Em 2010, ele assumiu o próprio programa na MTV, o Badalhoca MTV, e comandou uma atração diária na Jovem Pan, o Oráculo Jovem Pan. Depois, foi repórter do CQC até 2014. Também teve passagens pela TV Gazeta, pela LAB Fantasma TV e, atualmente, apresenta o Ronald Rios Talk Show, no Comedy Central. Foi somente nos últimos anos, no entanto, que o comediante percebeu algo — a internet que o alçou ao sucesso veio para ficar.
“Na minha época, o YouTube não era monetizado. Era só um site para deixar vídeos. Eu encarava como um trampolim para você ir para a mídia mainstream — o local que pagava de verdade“, confessa. Para o humorista, a internet só se tornou um local onde ganhar dinheiro era possível quase duas décadas após ele ser o pioneiro do movimento que tornou a monetização de vídeos uma realidade. Ele não deixa de ver a ironia nisso.
“Se eu não aproveitei da internet do jeito que ela poderia ter me ajudado, não tem como me chamar de youtuber. Não é nem um posicionamento artístico, eu só não sei como a plataforma funciona. Eu estou aprendendo agora”, ele ri. “Não gosto do termo ‘criador de conteúdo’. Eu sou comediante, só calho de usar o YouTube. Youtuber não é profissão”, ele afirma. “Mas isso sou eu sendo velho, alguém que gosta da mídia controlada por grandes corporações”, ironiza Ronald.
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O Príncipe da Comédia
Ao longo dos 52 minutos do show de stand-up, o comediante carioca tira sarro da própria vida e de suas experiências profissionais. Ele fala sobre ter sido ghostwriter em um álbum de rap de Felipe Dylon, sobre sua criação no Complexo do Alemão e sobre o seu retorno aos palcos. Acima de tudo, no entanto, Ronald declara o seu amor à comédia stand-up. O humorista já se descreveu em inúmeras ocasiões como um “nerd da comédia” e já admitiu ser extremamente “chato” quando o assunto é humor. Com o perdão do trocadilho, comédia é assunto sério para ele.
“Eu não sou melhor do que ninguém em um nível pessoal ou espiritual. Mas, no que se trata do ofício da comédia, eu quero ser o melhor”, ele admite. “Quero sempre fazer o meu melhor, mas também quero ser superado. Eu gosto da competição, gosto da sensação de querer ser mais engraçado do que outro comediante. Para mim, esse é o jeito que o stand-up deve funcionar.”

Ronald, no entanto, garante que não é a vitória somente pela vitória. Para ele, quanto melhor for o seu nível, maior será a “nota de corte” da comédia nacional. Por consequência, maior terá que ser o nível dos outros comediantes. “Existe um preconceito que o stand-up sofre, em parte merecido, mas tem muita gente boa. Eu não sou o melhor, mas eu quero ser”, diz. “Quero que meus colegas façam com que eu queria me aposentar, quero que eles me motivem a fazer mais e melhor.”
Abertamente progressista e de esquerda, o comediante conversou com o Estadão e falou sobre o politicamente correto na comédia, a importância da saúde mental e o ofício do stand-up.
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Em 2013, você abandonou os palcos de stand-up para focar na sua carreira televisiva. O que te afastou da comédia?
Se eu pudesse, o stand-up seria a única coisa que eu faria da minha vida. É o que eu amo fazer. Mas, em determinado momento da minha carreira, eu detestei fazer. Foi quando eu decidi parar, não podia detestar a coisa que eu mais amo no mundo. Comecei em 2007, mas em 2013 já não gostava mais. Não gostava da cena e não gostava do público. Comecei a associar o stand-up com a figura do “coxinha”, um termo que até caiu em desuso, mas é aquele cara com a camiseta do jacaré, relógio de marca, perfume caro, etc. Os comediantes eram todos iguais e falavam sempre sobre os mesmos temas — o são-paulino viado, o corintiano ladrão, etc. Se isso era o stand-up brasileiro, preferi me afastar. Naquela época, o comediante stand-up era o publicitário que se achava engraçado. E não existe nada pior do que isso. É por isso que a comédia stand-up ganhou uma fama tão ruim.
Mais de dez anos depois, você retorna e lança o seu primeiro especial de comédia. O que mudou?
Fiquei longe até 2019, quando o Maurício Meirelles me convidou para voltar. Ele me disse que as plateias e os comediantes estavam diferentes. E, de fato, a cena mudou. Hoje, as plateias de stand-up vêm de todos os lugares do Brasil. E os comediantes não só são hilários, mas são pessoas normais. Quis fazer parte disso. Dentro desse contexto, havia espaço para o meu tipo de comédia.
Por que tamanho amor pelo stand-up?
Estar no palco é a experiência mais próxima do que eu entendo ser o auge de performar comédia. Na TV, você tem uma série de regras que você tem de seguir. Na internet, você tem o algoritmo. No stand-up, é você e as pessoas. Se for engraçado, as pessoas vão rir. Se não for, as pessoas não vão rir. Às vezes, algo que na sua cabeça é hilário, no palco não funciona. É necessário rescrever até que as pessoas riam. Não há ninguém que tenta te censurar ou te influenciar, é só você e o público. O público determina o que é bom e o que é ruim. Não há desculpas ou justificativas.
Em determinado momento do seu especial, você diz que: ‘O barulho da risada do público preenche o vazio dentro de mim de cada ‘eu te amo’ que eu não ouvi do meu pai'. É uma piada, mas o quanto de verdade há nisso? Para você, qual é a relação entre sofrimento e comédia? Sofrer te faz um melhor comediante?
Além das minhas críticas à cena de comédia brasileira, eu também me afastei por conta de questões com a minha saúde mental. Em 2013, eu estava com uma depressão aguada bem severa. Tinha medo e ansiedade de estar no palco e, para fazer isso, você tem que estar bem. Existe o mito do comediante triste e eu sinto que o público, e muitas vezes os próprios comediantes, acreditam nisso. Eu tenho vários traumas que, ao longo do tempo, converti em piadas. Mas não precisa ser assim. O comediante tem o dom de transformar os assuntos da sociedade e da vida dele em coisas engraçadas, mas eu não quero romantizar essa ideia. Tenho medo de alguém entender que quanto pior a vida, melhor a comédia. É possível fazer comédia tendo crescido em um ambiente saudável e com muito amor.
Você é abertamente progressista e em diversos momentos se posicionou a favor de minorias sociais. Eu não vou te perguntar qual é o limite do humor, mas qual é o limite do Ronald? Onde encontrar esse equilíbrio entre ser engraçado e manter os próprios valores?
As pessoas querem uma solução para o limite da comédia, uma palavra definitiva. Mas é algo extremamente pessoal. Todas às vezes que eu me posicionei sobre esse tema, eu me posicionei pensando em mim. E, para mim, se trata de estar todo mundo se divertindo. Eu acho esse negócio de cultura de cancelamento uma bobagem, isso não existe de verdade. Mas, existe uma cultura da falsa indignação. Alguém que finge que não entendeu o que você disse para ganhar curtidas em cima de você. Quando identifico que algo que eu disse não bateu bem com o público, a responsabilidade é minha. É minha responsabilidade estabelecer o clima, não ser ambíguo e entregar a minha mensagem do melhor jeito possível.
Como falar sobre os temas mais delicados, então?
Tem uma piada no meu show que é como desarmar uma bomba - uma piada sobre homofobia no futebol. As pessoas dizem que não se pode mais fazer piada sobre nada, mas você pode fazer piada sobre qualquer tema. Você só tem que encontrar um jeito criativo e engraçado. Eu odeio o humorista chorão que fala que vai ser cancelado por uma piada. Ele diz que não pode falar nada, mas prossegue falando. Eu não quero ser o cara que fica falando que não entenderam a minha piada e chorando sobre isso. Se eu acredito muito em uma piada e estou percebendo que ela está sendo interpretada de uma outra forma, eu tenho que aceitar isso e me desculpar. É muito fácil você falar que você errou. Você não tem que agir igual uma vítima.
E onde o politicamente correto entra nesse contexto?
O politicamente correto não está matando a comédia. O politicamente correto pode parecer meio maluco, mas ele chegou tarde em um País onde tantas minorias foram subjugadas em diversos campos da sociedade. Quando ele acontece, ele acontece ao mesmo tempo, e às vezes é meio maluco. Porém, esse politicamente correto é o que garante políticas de inclusão para pessoas pretas, indígenas, gays, trans, mulheres. Ele faz parte da evolução da sociedade. E a comédia como fica nisso? A comédia fica mais difícil? Ótimo. Eu nunca fui um cara que jogava vídeo game no nível fácil, eu gosto de jogar no difícil. Essa é a hora que separa quem devia estar no palco e quem devia estar no 4chan. Quem é profissional vai tocar nos assuntos difíceis, mas vai fazer isso de um jeito inegavelmente engraçado. E quem reclama muito é porque não quer fazer esforço. Eu quero jogar o jogo do stand-up no nível mais difícil possível.

Ao longo da sua carreira, você se tornou conhecido por ter uma personalidade ácida e confrontativa. Seja com vídeos zoando famosos ou piadas que sacaneavam celebridades. Isso te ajudou ou te atrapalhou na comédia?
Eu começo minha carreira assim, uma coisa meio eu contra o mundo. Nasci e vivi no Complexo do Alemão e via a turma da comédia da Zona Sul do Rio de Janeiro, uma galera que cresceu ouvindo Caetano Veloso e em escola particular. Eu não queria ser um deles, queria combater todos eles ao mesmo tempo. Eu queria atropelar todos os playboys que estavam fazendo comédia no Rio de Janeiro e em São Paulo, era um sentimento legítimo. Fazia parte de um número cômico, óbvio, mas havia verdade. Eu sabia que o público brasileiro vivia uma realidade muito mais próxima da minha do que da deles. Eu não era politizado, mas já sabia que não gostava de gente rica. Eles não sabiam o que era sofrer, mas eu sabia. Muita coisa nasceu a partir disso e o público amou.
Você ainda se considera alguém bélico?
Os anos foram passando e eu percebi que não podia tocar só essa nota por toda minha carreira. Com o passar do tempo, fui ficando cada vez mais preocupado com o ofício do palco. E isso me tornou muito menos interessado no que os outros estão fazendo. Eu não gosto da ideia de que tenho que comentar a polêmica do momento. Eu não queria ser visto como alguém que sempre entra em embates. Nos últimos anos, eu tenho uma postura bem mais tranquila. O que estiver acontecendo, está acontecendo. Tem espaço para todo mundo brincar. Qualquer tempo que eu dedicar para zoar outra pessoa, sou eu perdendo momentos valiosos na Terra. Como surgimento, foi legal. Ser combativo era interessante. Hoje em dia? Não faz muito sentido. Se alguém fala mal de mim, não receberá uma resposta.