O teatro em 2024: Fernanda Montenegro arrastou multidões e Mel Lisboa conquistou fãs de Rita Lee

‘Para mim, foi absolutamente inédito’, diz Mel sobre ingressos esgotados em todas as sessões de ‘Rita Lee – Uma Autobiografia Musical’; veja destaques e o que esperar de 2025

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Foto do author Sabrina Legramandi

Plateias lotadas, ingressos esgotados, aplausos longos. O ano pareceu representar o sonho de todo ator de teatro. E estar nos palcos simbolizou o auge de 2024 até para nomes veteranos da dramaturgia.

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Fernanda Montenegro causou um alvoroço ao anunciar que faria uma leitura dramática de Simone de Beauvoir em São Paulo depois de uma temporada no Rio de Janeiro. Os ingressos para garantir um lugar em uma das poltronas do Sesc 14 Bis para, mesmo de longe, assistir à maior atriz do Brasil em cena esgotaram já no segundo dia. Foram 10 mil assentos e 20 dias de apresentação.

A passagem pela capital paulista e a temporada do monólogo se encerrariam com mais surpresas. A atriz, mais tarde, anunciou que faria uma sessão gratuita no Auditório do Ibirapuera.

A corrida para garantir um lugar foi ainda maior: em menos de 30 minutos, todos os ingressos já estavam esgotados. Fernanda se apresentou para 792 sortudos dentro do Auditório e para 15 mil pessoas que assistiram a uma transmissão no lado de fora. Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir entrou para o Guinness por maior público em leitura filosófica.

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'Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir' entrou para o 'Guinness' por maior público em leitura filosófica. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Colegas veteranos da atriz também escolheram 2024 para personificar uma das expressões artísticas mais antigas da humanidade. Othon Bastos apresentou o monólogo Não Me Entrego, Não para celebrar seus 73 anos de carreira e 91 anos no Teatro Vannucci, no Rio. Virou fenômeno na cena teatral carioca.

Aos 95 anos, Nathalia Timberg estreou a comédia dramática A Mulher da Van no Sesc Pinheiros. Ao Estadão, afirmou já estar pensando em seu espetáculo comemorativo de 100 anos. “Mas tem que ser algo significativo. Se for para abrir a boca e falar que gosto de ver uma samambaia pingando, não vale a pena fazer”, avisou.

Nathalia Timberg estreou a peça 'A Mulher da Van' no Sesc Pinheiros.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Sustos, surpresas, reflexões e até cenas inesperadas passaram pelos palcos de São Paulo. Marília Gabriela levou o filho, Theodoro Cochrane, à cena para passar a vida a limpo. Débora Falabella fez o público estremecer ao viver uma advogada abusada no monólogo Prima Facie. Antonio Fagundes esteve acompanhado de Christiane Torloni, Thiago Fragoso e Alexandra Martins em Dois de Nós, no Teatro Tuca.

O palco do Tuca também foi cena de momentos de tensão após o cancelamento das sessões de O que Só Sabemos Juntos, peça com Tony Ramos e Denise Fraga. O ator teve que passar por duas cirurgias no cérebro. Tempos depois, voltou ao mesmo palco, mas brincando: “Tirei férias rapidamente por uma necessidade da idade”.

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Tony Ramos passou por duas cirurgias no cérebro e, tempos depois, voltou ao Tuca para apresentar 'O que Só Sabemos Juntos'. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O ano ainda foi significativo para um gênero sempre amado ou odiado: os musicais. Houve espaço para as grandes produções da Broadway – como Hairspray, com Tiago Abravanel, e Priscilla - O Musical, com Reynaldo Gianecchini – e até para adaptações literárias – Torto Arado, baseado na obra de Itamar Vieira Junior.

Em 2025, outros musicais já estão confirmados. Seguindo o sucesso do filme com Ariana Grande e Cynthia Erivo, Wicked volta aos palcos em São Paulo a partir de março. Sweeney Todd - O Cruel Barbeiro da Rua Fleet, que inspirou um longa com Johnny Depp dirigido por Tim Burton, é apresentado na capital paulista a partir de janeiro.

Nenhum musical, porém, provocou tanto estrondo neste ano quanto Rita Lee – Uma Autobiografia Musical, baseado em Rita Lee: uma autobiografia (Globo Livros). O espetáculo já possui uma temporada confirmada para o próximo ano.

Tentar uma entrada para assistir a Mel Lisboa interpretando uma das maiores artistas do Brasil, que morreu no ano passado, era como tentar ingressos para grandes turnês musicais disputadas de cantores internacionais. A temporada foi constantemente prorrogada. Rita Lee – Uma Autobiografia Musical termina o ano somando 118 sessões ao público, dois ensaios abertos e uma sessão de estreia.

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'Rita Lee – Uma Autobiografia Musical' foi sucesso estrondoso no teatro em 2024. Foto: Priscila Prade/Divulgação

A duas semanas da estreia, inclusive, toda a temporada do musical já estava esgotada. “Isso, para mim, foi absolutamente inédito”, diz a atriz que interpreta a protagonista sobre a corrida por ingressos para o espetáculo.

Se houve um ator que não saiu dos palcos de teatro em 2024 foi Mel Lisboa. Além de Rita Lee – Uma Autobiografia Musical, ela também apresentou uma temporada de Misery, baseado no livro de Stephen King, e sessões de Madame Blavatsky - Amores Ocultos, inspirada em Madame Blavatsky, de Plínio Marcos.

“No início do ano, eu fiquei dois meses sem ter folga nenhuma”, lembra Mel. Ao Estadão, a atriz analisa a importância de 2024 para o teatro após a pandemia, o sucesso do musical sobre Rita Lee e conta como faz para não perder o encantamento de sempre subir no palco interpretando a cantora. A entrevista foi editada e condensada por motivos de extensão e clareza.

Já havia uma expectativa de público grande para ‘Rita Lee – Uma Autobiografia Musical’ pelo carinho com a Rita, mas você imaginava que fosse ser essa explosão toda?

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Não, foi uma surpresa. Foi muito além das nossas expectativas. É claro que nós tínhamos uma expectativa do espetáculo ser bem recebido, das pessoas quererem assistir por conta da Rita, da falta que ela faz, de ser um espetáculo novo...

Já começou com a temporada inteira esgotada duas semanas antes da estreia da peça. Isso, para mim, foi absolutamente inédito. E depois, foi sempre esgotando cada vez mais rápido.

Para mim, nunca tinha acontecido nada tão forte, um sucesso tão grande de público, de crítica. É um espetáculo que agrada à maioria das pessoas.

Você acha que o musical teve certo mérito em fazer com que as pessoas voltassem ao teatro após a pandemia? Tivemos outros que contribuíssem para que o público retornasse?

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Interessante a sua pergunta. Eu tenho estudado bastante sobre isso. Da forma como eu tenho elaborado o meu pensamento em relação a isso, eu acho que a pandemia potencializou o estar presente e a vontade de estar em comunhão com outras pessoas.

É igual você ir a um show. Existe uma catarse de você estar ao vivo, participando ativamente de algo que está sendo realizado naquele momento. É muito orgânico isso tudo. E acho que a pandemia fez com que sentíssemos muita falta desse contato orgânico.

A atriz Mel Lisboa como Rita Lee em 'Rita Lee - Uma Autobiografia Musical'. Foto: Priscila Prade/Divulgação

O teatro é feito junto. O teatro é feito com você e a plateia. Eu acho que isso colaborou. Eu costumo dizer que, enquanto houver vida humana, haverá teatro, porque a nossa vida é teatro.

Mel Lisboa

Outra coisa interessante deste ano foi a presença de grandes veteranos no teatro – a Fernandona até entrou para o ‘Guinness’. Por esses motivos, podemos dizer que 2024 foi o ano do teatro pós-pandemia?

Eu acho que foi um grande ano, sim. Viemos em uma escalada. Quem trabalha com teatro percebe que, desde que os teatros reabriram, as pessoas começaram a procurar muito o teatro.

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Você vê um retorno ou, às vezes, até uma descoberta. Vejo pessoas que nunca fizeram teatro começando a fazer. Pessoas que não faziam teatro há muito tempo voltando a fazer. E o público indo assistir.

Ainda estamos em um movimento ascendente. Mas 2024 talvez tenha sido o melhor ano de teatro.

Você tem uma carreira bem consolidada e acolheu essa personagem imensa em um momento bem importante da sua trajetória. Há um receio de que o sucesso de você como Rita te limite? Ou não é algo que te preocupa agora?

Acho que não me preocupa, não. Eu já sou uma atriz que tem uma história de ter sido marcada por uma personagem, que é a Anita [protagonista da minissérie Presença de Anita, da Globo].

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Tem gente que eu encontro na rua hoje que pergunta: ‘Mas você não vai mais trabalhar como atriz? Eu lembro de você naquela série que teve a Anita’. Como se eu não estivesse trabalhando mais depois disso. E é bastante curioso. Então, a minha carreira já foi feita dessa maneira, com essa personagem sempre comigo.

E agora eu tenho a Rita também. Na verdade, eu acho um grande privilégio. Tem questões, claro que tem questões. Tem um lado que, de fato, é complicado. Mas eu acho ótimo. Imagina poder ser lembrada pelo resto da minha vida e pelo resto da vida das pessoas como uma personagem tão maravilhosa quanto a Rita Lee. Eu fico muito feliz.

Vocês já estão há bastante tempo em cartaz e, no ano que vem, vão para mais uma temporada. Como não perder o encantamento e aquele frio da barriga antes de cada sessão do espetáculo?

O palco é um lugar que eu tenho que ter muito cuidado. Tem que estar muito atenta, porque tudo pode acontecer o tempo inteiro. Tudo pode sair do combinado. Estar um ano em cartaz me dá uma segurança, evidentemente. Mas não me deixa segura 100%.

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A Rita mesmo disse no livro dela: ‘O palco é o lugar mais seguro para se viver perigosamente’. Eu acho essa antítese, esse paradoxo muito interessante. Você vive perigosamente o tempo todo quando você está com a cortina aberta.

Se em algum momento você perder a atenção, perder o foco, esquecer o texto, se machucar, cair... Você tem que estar muito atenta a tudo. No meu caso, ainda, se eu me distraio com alguma coisa, eu posso desafinar, posso errar uma nota no violão. Então, eu quero entregar o melhor no meu trabalho sempre, melhorando cada vez mais.

Neste ano, só no teatro, esteve em cartaz com outras peças como ‘Misery’ e fez sessões de ‘Madame Blavatsky’. O que te faz ficar voltando sempre aos palcos? E como você administra tudo?

Foi um ano bastante corrido. Trabalhei bastante. Uma coisa emendada na outra. Em alguns momentos, não tive folga. Por exemplo, no início do ano, eu fiquei dois meses sem ter folga nenhuma. Porque eu estava com o Misery de final de semana. E ensaiando nos dias de semana até sábado.

Mas eu fico bem. Eu gosto de trabalhar. Não reclamo. Cansa? Cansa. Mas eu não reclamo. E foram oportunidades, assim. Misery é uma peça também que eu adorava fazer. É uma peça que eu sei que as pessoas curtem também.

A atriz Mel Lisboa caracterizada como a cantora Rita Lee para o musical 'Rita Lee - Uma Autobiografia Musical'. Foto: Priscila Prade/Divulgação

A Blavatsky é o meu solo e a minha produção. Então, enquanto eu puder apresentar a Blavatsky, eu vou apresentar. Porque é um espetáculo, além disso, que eu tenho um carinho muito grande por ele e que eu gosto muito de fazer. Eu gosto muito de dizer aquelas palavras. Eu acho elas muito potentes.

A Rita e a [Helena] Blavatsky eram conectadas também. A Rita fala sobre ter estudado A Doutrina Secreta no último livro que ela lançou, O Mito do Mito [Globo Livros]. E as duas faleceram no mesmo dia, 18 de maio. A Rita em 1923 e a Blavatsky em 1891. Elas estão muito conectadas. E eu estou no meio delas, sem ter pedido nenhuma das duas personagens.

Sabemos que o Roberto de Carvalho já te considera a única Rita Lee dos palcos. Há a possibilidade de termos ‘Rita Lee - A Cinebiografia’ com você?

Olha, eu adoraria. Mas isso não depende de mim. Teve um momento que eles iam fazer. Aí pararam. Agora talvez estejam retomando, mas é tudo uma impressão.

O cinema, diferentemente do teatro... No teatro, eu faço a Rita desde criança até com 75 anos de idade. Eu tenho 42. No teatro, isso é possível. No cinema, já não. Primeiro, você certamente precisaria de mais de uma atriz. Segundo, talvez ficasse muito curto para uma vida com tanta coisa como a da Rita.

Mas eu adoraria. Se me convidarem, eu vou fazer o maior prazer e vou tentar fazer da melhor forma possível.

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