Primeira brasileira a integrar a Ópera de Paris - e com contrato até a aposentadoria -, Luciana Sagioro, de 18 anos, apresenta o espetáculo Mayerling no Palácio Garnier, na Cidade Luz. Com a temporada aberta, a dedicação ao balé é total. Ela começa as aulas às 9h da manhã e deixa os palcos às 23h. O dia livre geralmente cai numa segunda-feira ou quarta-feira, dependendo da programação.
“É um balé muito interessante, cheio de paixão e um pouco pesado. A gente faz uma passagem pela taverna e pelo cabaré. Há uma carga emocional intensa, mas é muito bonita a emoção transmitida pelos solistas. Depois, em dezembro e janeiro, apresentará o balé Paquita e a temporada contará ainda com o clássico A Bela Adormecida”, conta a brasileira.
Luciana faz parte do corpo de baile há um ano e também já atuou como solista na companhia. Ela sonha em subir de posto: “Na Ópera de Paris, existem seis cargos que podemos atingir, e isso não acontece por promoção ou indicação do diretor, mas sim por meio de um concurso. Todas as meninas do corpo de baile vão apresentar uma coreografia, e os jurados escolherão a melhor para subir de cargo ainda este mês. ‘A gente já está se preparando, mas o meu maior sonho, realmente – não agora, porque acabei de entrar na companhia – é ser a primeira étoile (estrela) brasileira da Ópera de Paris’”.
Ela acredita que o talento de uma bailarina é definido pela emoção e não pelo corpo físico. “Com certeza, não entraria nesse critério. Acho que, para mim, o mais importante é realmente a emoção que a bailarina consegue transmitir por meio do espaço e de tudo aquilo que sente ao fazer o que ama. Descreveria uma bailarina como alguém de muita delicadeza que não revela o esforço que a dança exige no palco”, diz.
Para mim, o mais importante é realmente a emoção que a bailarina consegue transmitir por meio do espaço e de tudo aquilo que sente ao fazer o que ama. Descreveria uma bailarina como alguém de muita delicadeza que não revela o esforço que a dança exige no palco
Luciana Sagioro
Luciana relembra sua evolução na dança: “Comecei a dançar aos três anos de idade em Juiz de Fora, Minas Gerais. Iniciei sem nenhuma intenção de me tornar profissional, mas a partir dos oito anos, passei a contar para meus pais o quanto eu gostava de fazer aulas de balé todos os dias, que realmente tinha prazer em estar em cena. Meus pais sempre me apoiaram muito e me ouviram. Então, a partir dali, passei a falar para eles de forma mais séria. Sabe, às vezes é até engraçado relembrar isso…”
Ele segue: “Enfim, conversei intensamente com meus pais. Na minha cidade, havia boas escolas de dança, mas elas não conseguiriam me enviar para o exterior, pois, infelizmente, no Brasil não há a valorização da arte como em outros países. Eu precisava de uma escola que realmente me preparasse com todas as condições para me tornar profissional e entrar em uma das melhores companhias do mundo”.
Ela pesquisou e encontrou a Petite Danse no Rio de Janeiro. Depois, escreveu em um papel os nomes dos professores que teria nessa escola, quem eram os diretores e a trajetória deles. “Queria realmente transmitir confiança para meus pais naquilo que desejava, porque eu era muito nova”, conta. Ela mostrou a folhinha para a mãe, que disse: “Vamos tentar”. A mãe foi a primeira a acreditar. “Imagina se, a partir dali, ela dissesse que não ia ser assim, que não ia dar certo”, indaga.
A menina Luciana fez uma aula experimental e ficou encantada com a escola no Rio de Janeiro, que ficava a duas horas e meia de carro da cidade de sua família. Bateu aquela angústia: como meus pais deixariam seus trabalhos e minhas irmãs, toda a família?
No início, ia duas vezes por semana para o Rio, todas as terças e quintas-feiras. Depois, os diretores conversaram com seus pais sobre a importância de mudar-se para lá e ter uma rotina constante de trabalho para conseguir evoluir.
“Após muito esforço, minha mãe tomou a decisão junto com meu pai, porque, por ele, eu não me mudaria sozinha para o Rio. Então, a partir dali, procuramos um apartamento. Minha mãe realmente encontrou tudo e meu pai percebeu que eu e minha mãe estávamos muito investidas nisso; ele me apoiou”, lembra.
Mudança para o Rio de Janeiro sem a família
Luciana passou a morar no Rio de Janeiro com a babá. Dos nove aos 15 anos, ela cresceu significativamente na dança. “Cheguei pequena, com uma base excelente, mas foi a partir daí que realmente dei um grande salto na carreira”, diz.
Ela participou dos primeiros festivais regionais e internacionais também. No YAGP 2018, em Nova York, Luciana ficou entre as 12 melhores do mundo, apenas com 12 anos. Em 2021, teve a oportunidade de participar do Prix de Lausanne, as Olimpíadas do balé clássico. A competição é muito cobiçada por todos os bailarinos, e o mundo inteiro tenta fazer parte desse concurso, sendo apenas alguns selecionados para representar cada país.
“Eu fui a brasileira escolhida naquele ano para representar o Brasil. Cheguei lá com mais de 3.000 vídeos enviados para tentar fazer parte desse festival, e apenas 70 bailarinas foram selecionadas de todos os países do mundo. Fiz o meu melhor e deu tudo certo. Ganhei o terceiro lugar e fui escolhida pelo público como a melhor bailarina. Isso é algo muito gratificante para mim também.”
A partir do Prix de Lausanne, Luciana conheceu profissionais e diretores de várias companhias de dança da Europa e dos Estados Unidos. Recebeu nove ofertas de estudo em Londres e Berlim e acabou escolhendo a Ópera de Paris, sendo a primeira brasileira a integrar a companhia, ainda com contrato vitalício até os 42 anos - idade que as bailarinas se aposentam na França.
Ela explica a escolha: “A Ópera de Paris é completamente tradicional e de muito refinamento, onde estão as maiores estrelas já conhecidas na história da dança. Eu sou a primeira brasileira a fazer parte dela. Não foi fácil chegar até aqui. Abdiquei de muitas coisas e, principalmente daquilo que era mais importante para mim - a minha família, que continua sendo minha base, mas mora distante. Desde a minha mudança de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro já foi muito difícil, e a mudança do Rio para a França continua sendo a mesma coisa. Eu vou sentir muita saudade, porque somos muito apegados”.
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