Peça examina a arte de Renoir em tempos de cancelamento

‘A Beleza Permanece’, dirigida por Isaac Bernat, debate críticas feitas ao pintor impressionista pelo modo como mostrava as mulheres

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Por Dirceu Alves Jr.
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Uma das máximas do meio intelectual é que a verdadeira obra de arte resiste ao tempo e conserva a capacidade de encantamento. O espetáculo Renoir - A Beleza Permanece busca inspiração na figura do pintor francês Auguste Renoir (1841-1919) para levantar essa discussão a partir desta sexta, dia 7, no Masp Auditório. A peça, escrita por Rogério Corrêa e dirigida por Isaac Bernat, é protagonizada pelos atores Ísio Ghelman, Clara Santhana e Izak Dahora e fica em cartaz somente até o dia 16, de quinta a domingo.

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Não pense, no entanto, que se trata de uma narrativa biográfica limitada a mostrar as angústias pessoais e os feitos criativos do mestre do impressionismo. A peça faz uma conexão de Renoir com o mundo contemporâneo ao abordar a cultura do cancelamento, tão em voga nas mídias digitais e redes sociais. Em meio às pesquisas, o dramaturgo descobriu contradições de seu novo personagem capaz de humanizá-lo e prender a atenção do público de hoje. Muitos, por exemplo, acusam Renoir de machismo e antissemitismo. Há quem diga também que o artista, extremamente pobre, a ponto de não ter dinheiro para comprar tintas, pintava cenas românticas e imagens de belas mulheres como concessão aos mecenas conservadores que financiavam seu trabalho.

O conflito que Corrêa procurava para dar forma ao texto, porém, veio à tona com base em uma polêmica que, em 2015, rendeu barulho na internet e nas fachadas de museus exigindo o cancelamento do pintor.

O movimento Renoir Sucks at Painting (Renoir Pinta Mal, em tradução livre) brigava para que as obras do artista fossem tiradas de exposição porque, entre outras justificativas, Renoir registrava a figura feminina como objeto sexual e fechava os olhos para questões sociais ou ligadas à diversidade. Na opinião dos detratores, o impressionista reproduzia a visão de um homem branco interessado na apreciação de seus semelhantes - o que não dialogaria mais com a relevância dos museus da atualidade.

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Ensaio do espetáculo: conflito capturado pelo autor veio à tona em polêmica que, em 2015, rendeu barulho na internet e em museus. Foto: Renato Mangolin

Limitado pelo tempo

Corrêa, no entanto, compreende as escolhas de Renoir e afirma que cada artista, por mais progressista que seja, é limitado pelo seu tempo. “Ele tinha paixão pela vida, preferia pintar coisas bonitas e, dessa forma, mudou o foco do impressionismo até então voltado para paisagens e natureza-morta”, defende. “Não podemos impor uma realidade em cima de um outro conceito e, por isso, me dá medo ver tanto julgamento e pouca compreensão a respeito da contribuição dos artistas.”

Renoir - A Beleza Permanece ganha a cena ancorado no debate de ideias em que todos são personagens e narradores. Lúcia Cohen (interpretada por Clara) é uma curadora que reavalia a sua visão sobre o pintor no momento em que ministra uma palestra no Museu de Arte de São Paulo, o Masp.

Especialista em Renoir, ela participou de um recente debate que a colocou diante do ativista americano Dereck Jameson (papel de Dahora). O rapaz, verborrágico e com uma queda para o sensacionalismo, lidera a campanha contra o artista e questiona, inclusive, suas qualidades técnicas. Entre os planos da memória e do presente, Lúcia alucina e trava conversas com Renoir (representado por Ghelman), arrancando dele confissões sobre suas modelos e amantes.

Três polos

O diretor Isaac Bernat salienta que o fato de a dramaturgia se apresentar em três polos - a curadora, o ativista e o próprio Renoir - faz o espetáculo expor a problemática sob diferentes pontos de vista. “Não estamos tomando partido de nada e cada um deve tirar as próprias conclusões sobre até que ponto um artista e sua obra se misturam”, diz Bernat que, em respeito às trajetórias de seus ídolos, tenta separar as duas coisas. “Eu sou judeu, mas não vou deixar de apreciar a obra de Richard Wagner porque ele era antissemita, como não ignoro as filmografias de Woody Allen ou Roman Polanski depois das acusações de abuso.”

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Em cena, Lúcia questiona Renoir diante da afirmação do pintor segundo a qual “tudo passa, mas a beleza permanece”. “Será mesmo que a beleza permanece?”, pergunta ela. Tanto o dramaturgo quanto o diretor acreditam que, mesmo em meio às transformações vividas pela sociedade, se a obra for vista como fruto das motivações do artista em sua época a mensagem poderá permanecer representativa.

“A nudez feminina na obra de Renoir não representava erotismo e sim a força da natureza em resposta à industrialização”, comenta Corrêa. Bernat, entretanto, complementa: “Claro que existem exceções, como em obras de mensagens claramente racistas ou machistas, mas só vamos entender melhor essas questões se elas forem colocadas em debate”.

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