O ano de 2023 foi aquele em que o público voltou de vez aos teatros depois da lenta retomada pós-pandêmica. Com casas cheias e sucessos de bilheteria, a temporada foi marcada por uma considerável diversidade de estilos e propostas entre seus destaques.
Grandes estrelas, como a atriz Vera Holtz (Ficções) e o ator Marco Nanini (Traidor), marcaram presença nos palcos paulistanos ao lado de produções surpreendentes, a exemplo da comédia Veraneio e dos monólogos A Aforista e Ensaio sobre o Terror, protagonizados respectivamente por Rosana Stavis e Rodrigo Scarpelli.
Também houve a redescoberta da dramaturgia de Mauro Rasi em A Cerimônia do Adeus e a revelação de um diretor promissor, Murillo Basso, responsável pela encenação de Agnes de Deus. Uma das montagens mais comentadas do ano, no entanto, foi A Herança, comandada por Zé Henrique de Paula, que tratou da temática LGBTQIA+ sob o ponto de vista humano e político.
Veja a lista abaixo e clique nos links dos títulos para ler reportagens do Estadão sobre as produções.
Ficções
Sob a direção de Rodrigo Portella, uma Vera Holtz em atuação magnética se desdobra em personagens ou pensamentos inspirados no livro Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, do filósofo israelense Yuval Noah Harari, para falar da necessidade de subverter narrativas criadas e impostas pela sociedade.
A Herança
O maior desafio teatral do ano – quase oito horas de espetáculo divididas em duas partes – e um resultado de impacto e deslumbramento na mesma proporção. Sob a direção de Zé Henrique de Paula, o épico do dramaturgo americano Mathew Lopez retrata diferentes gerações da comunidade LGBTQIA+ nos Estados Unidos, passando pelo massacre da Aids na década de 1980 e chegando aos dias atuais. Bruno Fagundes, Marco Antônio Pâmio, Reynaldo Gianecchini, Rafael Primot e André Torquato brilharam no elenco.
O Dilema do Médico
Ambientada na Londres do começo do século passado, a sátira do dramaturgo irlandês Bernard Shaw se mantém atual ao promover uma discussão entre o poder masculino e a força das mulheres na trama sobre um médico que precisa priorizar o tratamento de um entre dois pacientes. Dirigidos por Clara Carvalho, os atores Sergio Mastropasqua e Iuri Saraiva e atriz Bruna Guerin apresentaram trabalhos soberbos em meio a um numeroso e afinado elenco.
Veraneio
Depois de Pousada Refúgio (2018), o dramaturgo Leonardo Cortez e o diretor Pedro Granato reeditaram a parceria em uma comédia de costumes que ressignifica os papéis familiares e a terceira idade no pós-pandemia. No elenco, destaque para a atriz Clarisse Abujamra, a matriarca setentona que, durante o isolamento no litoral, reconquista o direito de aproveitar a vida e choca os filhos que vivem em estado de apatia.
A Aforista
A atriz Rosana Stavis, praticamente imóvel no palco, hipnotiza o público no espetáculo criado e dirigido por Marcos Damaceno, inspirado na obra do escritor austríaco Thomas Bernhard, para ironizar o excesso de vaidade que ronda o mundo dos artistas. A protagonista, acompanhada de dois pianistas, representa uma mulher em um fluxo de pensamentos incessantes enquanto se dirige ao enterro de um amigo que cometeu suicídio.
Traidor
Dezoito anos depois de Um Circo de Rins e Fígados, o encontro explosivo entre o dramaturgo e diretor Gerald Thomas e o ator Marco Nanini rendeu um instigante espetáculo em homenagens à arte da interpretação e aos grandes atores, especialmente o próprio protagonista. Nanini superou limitações físicas em um jogo cênico que mistura reflexões filosóficas, políticas e sobre o seu ofício e demonstrou fôlego renovado na parceria com Thomas. Leia a entrevista com os dois.
A Cerimônia do Adeus
Mais de três décadas depois, o diretor Ulysses Cruz volta a encenar o texto de Mauro Rasi em uma moderna desconstrução de si mesmo sem trair a sólida dramaturgia. Lucas Lentini interpretou o jovem obcecado pelo casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir (vividos por Eucir de Souza e Beth Goulart) em meio às críticas e ao destempero da mãe conservadora (um ótimo desempenho de Malu Galli).
Ensaio sobre o Terror
Com dramaturgia e direção de José Fernando Peixoto de Azevedo, o solo protagonizado por Rodrigo Scarpelli parte do conto Pai contra Mãe, escrito por Machado de Assis em 1906, para estabelecer conexões com o bolsonarismo e a mentalidade conservadora que se mantém até os dias atuais. Scarpelli, muito vigoroso, desperta os mais diferentes sentimentos na plateia, de ódio e repulsa, passando pela cumplicidade, em um grande desempenho.
Agnes de Deus
A peça do americano John Pielmeier, sob a direção de Murillo Basso, cruza três perfis diferentes de mulheres relacionados à maternidade a partir da investigação em torno da morte de um recém-nascido em um convento. As atrizes Clara Carvalho, Mariana Muniz e Gabriela Westphal dominam uma encenação moderna e surpreendente que não dispensou a consistência dramatúrgica e encerrou as atividades do Teatro Aliança Francesa.
A Última Cena
O espetáculo, dirigido por Flávia Melman e codirigido por Aline Filócomo e Paula Picarelli, discutiu a morte colocando em cena o professor e diretor de teatro Antonio Janô, de 82 anos, o ator Thiago Amaral, recém-viúvo de Tiago Braga (que participa em vídeo), o palhaço Nando Bolognesi, que convive com a esclerose múltipla há 30 anos, e o coveiro e filósofo Osmair Cândido, cuja vida consistiu em empilhar cadáveres. Depoimentos emocionantes e histórias fortes que não deixaram a plateia indiferente.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.