‘Somos dois sobreviventes’, diz Fabio Assunção, que atua com Drica Moraes na comédia ‘Férias’

Atores interpretam casal de 50 e poucos anos que se mete em confusões durante cruzeiro no Caribe. Ao ‘Estadão’, os dois falam sobre a peça e sobre a importância de rir e comentam superações ao longo da vida - ela venceu um câncer e ele, a dependência química

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Com o texto na ponta da língua, o ator Fabio Assunção, de 52 anos, destaca uma das falas de seu personagem, batizado simplesmente de H, na comédia Férias, que estreia nesta sexta, 7, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, e ajuda a resumir a peça escrita pelo dramaturgo Jô Bilac: “A gente acha graça, digo eu em cena, explicando a duradoura relação deste casal e é tão bonito isso, porque é fundamental você rir, se divertir junto da sua companheira.”

A parceira na ficção, desta vez, é a atriz Drica Moraes, de 54 anos, que celebra quatro décadas de carreira como a personagem M e chamou Assunção para dividir o palco com ela. A montagem (veja vídeo com os bastidores de um ensaio abaixo), dirigida por Enrique Diaz e Debora Lamm, conta a história de um casal de 50 e poucos anos que faz bodas de prata e ganha de presente dos filhos, já crescidos e independentes, um cruzeiro pelas praias do Caribé.

Na ansiedade de aproveitar intensamente todos os momentos, os dois acabam se metendo em confusões, como se fossem adolescentes. “Estava louca para voltar a ser palhaça porque venho de uma série de personagens densos, trágicos até na televisão, que não lembra em nada o começo da minha carreira”, diz Drica. “Sinto falta de dar aquela rebolada em cena, bater uma bola mais descompromissada com o colega e, junto do Fabio, consigo tudo isso.”

Fabio Assunção e Drica Moraes estrelam a peça 'Férias', no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo. Foto: Leo Aversa/Divulgação

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Galã da televisão há pelo menos 30 anos, Assunção batalhou para fugir dos rótulos e provar versatilidade em suas composições. Fazer rir, porém, ele reconhece que não é um terreno para pisar com tranquilidade. “Eu não sou um comediante e nem saberia fazer a graça só pela graça”, assume. “O bonito deste texto é que as situações são divertidas sem que o ator precise forçar o tom, porque tudo nasce de reflexões”, completa o artista, que, no teatro, só teve uma incursão cômica, Adultérios, peça de Woody Allen, dirigida por Alexandre Reinecke em 2011.

Para Assunção, Férias é uma peça que amplia pensamentos sobre as mudanças comportamentais e o quanto é fundamental a conexão com diferentes gerações para entender o mundo em transformação. “Eu tenho três filhos, um de 21 anos, uma segunda de 13 e outra de 3. Ao mesmo tempo, convivo com o meu pai e minha mãe, que passaram dos 80, e aprendo a cada dia com eles todos, revendo posicionamentos e descobrindo coisas novas”, afirma.

Drica, por sua vez, defende que, em meio a tanta tecnologia, as pessoas começaram a se dar conta de que é impossível escapar do humano e, mesmo sem negar as evoluções, entender que o mundo sempre vai ser analógico. “A gente romantiza demais na juventude, então um dos maiores bônus que a idade traz é entender que viver dá trabalho e temos que encontrar o valor de cada coisa, seja a carreira, o sexo ou o dinheiro”, diz. “Acho que nossa geração, os novos 50 ou 60, está preparada para isso, porque amadurecemos com energia, experiência e vontade de viver, temos uma grande expectativa pela frente.”

Superações

Assunção estava longe do teatro desde Dogville, peça de 2019, e, mais recentemente, participou da novela Todas as Flores e da minissérie Fim, na Globo. O contrato com a emissora terminou em dezembro passado, depois de uma parceria de 33 anos, mas o ator não se abalou com a perda da estabilidade. Pelo contrário, acha que é a hora de entender qual é o lugar que conquistou ao longo dos anos neste mercado e buscar o novo, seja no streaming, no cinema ou teatro.

O ator acaba de apresentar o longa-metragem Motel Destino, dirigido por Karim Aïnouz, no Festival de Cannes. “É um filme pesado, violento, que exigiu um mergulho profundo”, diz ele, que, para as filmagens, passou 65 dias no Ceará no ano passado e escondeu os olhos azuis em lentes de contato castanhas. Assunção interpreta Elias, um ex-policial abusivo no relacionamento com a mulher. “Eu acho que depois dos 45 anos, o ator vai se encorpando e começam a aparecer os melhores papéis”, explica. “Por isso, sei que estou no momento de escolher os meus trabalhos, porque posso colocar as minhas experiências, boas ou ruins, a serviço dos personagens.”

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Drica olha para trás nos seus 40 anos de carreira e, com uma voz tímida, declara que acredita ter construído uma história bonita. Ela começou a estudar teatro no Tablado, foi uma das fundadoras da Cia. dos Atores, célebre grupo carioca impulsionado na década de 1990, e ganhou popularidade nas novelas de televisão.

Nas próximas semanas, a artista volta aos estúdios da Globo para a preparação da próxima novela das sete, Volta por Cima, que estreia em setembro. Drica só sabe que será uma burguesa decadente que vive de trambiques e tem uma relação conflituosa com a irmã mais velha (papel de Betty Faria), que lhe cobra posturas mais éticas. “Por isso, a gente faz a peça em junho e julho e dá uma parada porque acumular novela e teatro é uma daquelas coisas que não faço mais e nem posso”, avisa.

Fabio Assunção e Drica Moraes estrelam a peça 'Férias', no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo. Foto: Leo Aversa/Divulgação

A atriz tem consciência de que é preciso se cuidar e os excessos, nesta altura do campeonato, são desnecessários. Em 2010, ela foi diagnosticada com leucemia e encontrou a salvação em um transplante de medula. Desde então, colocou a vida em uma perspectiva mais leve e estabeleceu prioridades, como o convívio com a família e os amigos ou contato permanente com a natureza. “Quando você não morre, você melhora muito, mas, claro, nada te impede de cair em ciladas, só que aprendemos a sair delas com mais facilidade”, define.

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Assunção estabelece conexões com a colega no que diz respeito à vida pessoal. A batalha contra a dependência química o leva a uma análise constante das escolhas. Ele cursa o terceiro período de ciências sociais na PUC, em São Paulo, e reconhece que, por causa dos ensaios, faltou mais na faculdade do que previa.

Essa mudança de rotina o levou a compreender melhor o artista que planeja ser daqui para a frente – menos encastelado e mais observador. “A gente aprende a se proteger até dos próprios personagens e da exposição que o trabalho gera”, diz. “Drica e eu somos dois sobreviventes e não negamos gás, queremos estar no lugar da vida que é melhor para nós e achar graça das coisas, como falamos na peça.”

Férias

  • Teatro Procópio Ferreira (Rua Augusta, 2823)
  • Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Estreia 7/6. Até 4/8
  • Ingressos: R$ 140
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