Em 27 de maio, em uma entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, o ator Tony Ramos, de 75 anos, contou que acordou da segunda cirurgia que havia se submetido repetindo palavra por palavra o texto da peça O que Só Sabemos Juntos. Sua mulher, Lidiane, ficou assustada, mas deixou o companheiro exercitar o seu teatro logo depois do susto de enfrentar duas operações em menos de 72 horas. Onze dias antes da conversa com o Fantástico, o artista passou mal em sua casa e, levado às pressas para um hospital no Rio de Janeiro, teve identificadas bolsas de sangue entre o crânio e o cérebro e um hematoma ocupava o lado esquerdo da cabeça.
Mas este assunto é coisa do passado. Ficou nítido. Na noite desta sexta, dia 12, Tony Ramos voltou a reproduzir na íntegra o texto da peça O que Só Sabemos Juntos, só que, desta vez, no palco do Teatro Tuca, em São Paulo, ao lado da atriz Denise Fraga. O espetáculo, que estreou em 26 de abril estava pausado havia exatos dois meses, desde 12 de maio, à espera da recuperação do protagonista. Agora, a previsão inicial é de que fique em cartaz até o próximo dia 28, com possibilidade de uma prorrogação que chegue ao fim de agosto.
O texto, escrito por Vinicius Calderoni, Denise e Luiz Villaça, diretor da montagem, realmente voltou fresco na mente de Tony, como se não houvesse havido interrupção alguma da temporada. E olha que não se trata de uma dramaturgia simples – não é uma história linear, com começo, meio e fim, fácil de decorar. São histórias fragmentadas, personagens variados, uma narrativa que consegue ser saborosa mesmo juntando equações matemáticas e informações coletadas na hora, junto à plateia, pela dupla de atores.
Quinze minutos antes do começo da apresentação, marcada para as 21h, as portas da plateia do Tuca se abriram e, como faz parte do roteiro, a dupla circulava entre as poltronas, recebendo os espectadores. “O Tony voltou!”, gritou uma espectadora ao vê-lo no corredor, resumindo a ansiedade de todos. Denise, feliz, de pronto, respondeu: “E eu nem acredito”.
O que Só Sabemos Juntos promove reflexões sobre o cotidiano, sexismo, meio ambiente, idade e patriarcado, em meio à história de um casal em constantes discussões. Nesta noite, Denise e Tony brigaram muito, representando os personagens, claro, mas ao fim de cada cena, trocavam olhares de cumplicidade e festejavam uma vitória com sabor de renascimento. Não foi raro ver a atriz buscar o apoio da técnica para impedir que as lágrimas brotassem dos seus olhos por estar, de novo, diante do colega.
“Sempre se pode estar ausente estando presente e eu quis estar aqui presente”, diz o ator, naquele primeiro contato com o público, pouco antes da peça começar oficialmente, convidando o público a se entregar à experiência coletiva. Gradualmente, o texto é ressignificado em falas que retratam a felicidade e o pavor de ocupar um palco, aquele lugar onde tudo pode acontecer, ganhando novas conotações na boca de um artista que acaba de enfrentar um problema de saúde. Tony, como que por um milagre, aos poucos, afasta qualquer preocupação que possa afligir a plateia e surpreende pela segurança até aqueles que estavam lá para rever a peça. Nada está diferente ou foi adaptado para que ele fosse poupado ou menos exposto.
A voz é mesma, e as marcações permanecem inalteradas. Tony caminha de um lado para o outro, sobe e desce as escadas que estabelecem os limites entre o palco e a plateia e até dança, timidamente, do mesmo jeito que já dançava nas sessões iniciais. “Se eu estou aqui e estou vivo, cá para nós, ainda dá tempo”, diz ele, na pele do personagem que pede desculpas por não escutar a mulher, propiciando leituras que ultrapassam a crise conjugal da ficção.
O que Só Sabemos Juntos é uma peça que celebra o teatro e o contato entre as pessoas. Diante do susto que o artista tomou e estendeu ao público brasileiro, ganhou inesperados contornos, virou uma celebração maior ainda da vida. “Esta é uma noite de muita emoção para a gente e não preciso enumerar os motivos”, comenta Denise, na hora dos agradecimentos finais.
Tony Ramos completa a mensagem da atriz, sem querer comover ou remexer no passado. Prefere brincar e escolhe a leveza. “Eu tirei férias rapidamente por uma necessidade da idade”, justifica, sob os risos cúmplices da plateia. “Estou muito feliz com as manifestações de carinho que recebi desde que foram abertas estas portas e só que agradecer a vocês.”
Tony Ramos voltou à cena e foi lindo, como se nada tivesse acontecido. Como Denise diz em uma das narrativas, aquela que aborda a morte de seu tio, eles simplesmente continuaram a vida e, neste caso, felizmente, juntos. E, para quem esteve no Tuca, na noite desta sexta, 12, se alguma coisa aconteceu ao artista, pelo poder do teatro ou pela capacidade que a vida tem de se superar, tudo já foi esquecido.
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